DIÁRIO DE NOVA YORK 2005 - 5ª PARTE - UM BALANÇO DO GLOBO DE OURO

18 de janeiro de 2005

 

Nova York - Na verdade, nada ficou muito claro. A não ser a certeza de que Jamie Foxx é mesmo o favorito para o Oscar de ator deste ano. Fora isso, a entrega do Globo de Ouro 2005 só serviu para deixar muito claro que este ano, ao contrário dos passados (em 2004, por exemplo, era evidente que O Senhor dos Anéis iria finalmente ser premiado) não existe um favorito absoluto. Há apenas alguns bons filmes, dentre os quais as estatuetas foram distribuídas. Por vezes, até com bastante justiça ou, pelo menos, esperteza. A grande surpresa foi, sem dúvida, O Aviador de Martin Scorsese acabar levando o Globo de Ouro de melhor drama, quando tudo apontava para Menina de Ouro (Million Dollar Baby) como o vencedor (até porque Clint Eastwood foi votado como melhor diretor, em vez de Scorcese, que todo mundo acha injustiçado e, no plano final, não sei se passou por aí, estava visível a decepção no rosto de Clint e sua mulher por não terem levado o prêmio). Mas tudo acaba sendo uma questão de gosto. Os dois são bons. O Aviador é um filme suntuoso, espetacular, nostálgico. Menina de Ouro é trágico, amargo, triste. De uma certa maneira acertaram em darem um prêmio para Clint, já que é mesmo autor do filme (está muito bem como ator nele, concordo com Hilary Swank que diz que talvez seja a melhor performance dele como ator, e também dirigiu, produziu e fez a trilha musical).

O fato é que a Hollywood Foreign Press está se tornando cada vez mais política, mais antenada. Aqui nos EUA a entrega do prêmio não é por canal a cabo, mas pela poderosa NBC (que faz uma hora de tapete vermelho, se esforçando para promover os indicados de sua rede, e também impôs na entrega de prêmios, por exemplo, Patricia Arquette estrela de uma série da NBC, Medium). Esse acerto fica cada vez mais claro principalmente na área de televisão, enquanto o prêmio Emmy, o Oscar da TV, continua lerdo e fora de época, custando a reconhecer aquilo que há de mais novo e interessante. Como fez no caso de Desperate Housewives, melhor série de comédia (o engraçado aí é que ninguém sabia, até agora, que era uma sátira, em geral veneno de bilheteria e audiência, pensavam que era uma soap opera, uma novela, conforme confessou no agradecimento seu criador). E também reconhecendo como melhor atriz Teri Hatcher (que, com bom humor, admitiu seu retorno depois de ter sido uma Has Been, ou seja, depois do fim do seriado Lois e Clark, ninguém queria lhe dar emprego). Foi também surpresa o reconhecimento de Glenn Close como melhor atriz em telefilme por seu Lion in the Winter (que saiu no Brasil em DVD faz tempo, com o horrível título de Bárbaros e Traidores). Isso representa também um retorno, já que há muitos anos ela se perdeu, desde que fez o musical Sunset Boulevard e caiu na caricatura de Cruella de Ville. Quem sabe temos a grande Glenn de volta. O melhor ator também foi outro acerto: Geoffrey Rush, que é um ator discutível e irregular, está excelente na pele de Peter Sellers no filme da HBO que eu vi em Cannes. A HBO continua a ser a melhor rede da televisão americana, conseguindo prêmios para a série de faroeste Deadwood (que eu não vi; o ator Ian McShane é outro discutível sobrevivente dos anos 70). Mas não deixa de ser estranho ver-se um canastrão como William Shatner ganhar como ator coadjuvante (Boston Legal), quando o Capitao Kirk só funciona quando esta se auto-parodiando. Anjelica Huston não tem nada a fazer no bom filme da HBO, Iron Jawed Angels e não merecia qualquer prêmio. Mas fica claro na premiação que televisão lhe dá popularidade, mas o Globo de Ouro gosta mesmo de cinema, dando-lhe os espaços mais importantes e trazendo até a presença do governador da Califórnia, Arnold Schawerzegger, e uma mensagem gravada do ex-presidente Clinton (agradecendo a ajuda de todos para o Tsunami, mesmo que tardia).

A Foreign Press são apenas um grupo de 80 e poucos correspondentes e não críticos de cinema. O que pode explicar porque são mais racionais e práticos. Escolheram como melhor coadjuvantes uma dupla de Perto Demais (Closer), um bom filme que não pegou nos EUA, talvez por ser uma fita para adultos cujo marketing não acertou. Mas tem um elenco realmente maravilhoso. Foi justo lembrar Clive Owen e a encantadora Natalie Portman, novamente em forma (ela se formou com louvor em Harvard, vai ver por isso estava tão solta). A melhor trilha foi obviamente a de Howard Shore para O Aviador.

E as canções eram todas muito fracas, premiar Mick Jagger foi talvez resgatar a menos ruim, Old Habits Die Hard (mas até ele se espantou e agradeceu por terem salvo uma canção esquecida ) do filme Alfie (mas temos que convir, o Alfie original, de Burt Bacharach, era infinitamente melhor). Jamie Foxx é mesmo um show em cena. No domingo de manhã, pelo canal Bravo, eu tinha assistido sua participação no programa Inside Actor’s Studio e só assim me dei conta de que ele é o primeiro negro que deve ganhar um Oscar vindo da Stand-up Comedy, saiu de um show de TV chamado In Living Color junto com Jim Carrey e os irmãos Wayan. Ou seja, pastou e penou muito. Veio da mesma fonte que rendeu Richard Pryor, Eddie Murphy, Martin Lawrence, também otimos atores, mas que não foram versáteis como ele, passando a fazer papéis dramáticos. Foi comovente ele agradecer e se emocionar ao lembrar sua avó Estelle, que morreu faz pouco tempo e que foi quem lhe encheu a cabeça para que trabalhasse e fizesse sucesso.

Hilary Swank foi a melhor atriz, quebrando o tabu do azar que o Oscar traz. Ela, que fez muita besteira depois do primeiro prêmio, agora se tocou de que tem que fazer papéis especiais, diferentes, não pode ser mocinha de filme de aventura, por causa do seu tipo exótico e esquisito. De boxeadora acertou. Gostei também do resultado do filme estrangeiro. O Globo de Ouro é muito mais justo que o Oscar, que impõe regras absurdas para a seleção, tudo para dificultar. Assim, Diários de Motocicleta concorreu pelo Brasil e perdeu, não para O Clã das Adagas Voadoras como todo mundo pensava (porque Zhang Yumou, seu diretor, fez também neste ano Hero, que não pode concorrer ao Oscar), mas para um filme ainda melhor, o espanhol Mar Adentro (que eu, particularmente, achei fenomenal). No Oscar ele deve representar a Espanha assim como Adagas, e A Voz do Coração / Les Choristes, a França (estes todos estão em cartaz aqui em Nova York). Fora disso acabei aprendendo que Cate Blanchett, por vezes, é também chamada de Blanchette, com acento no final (há controvérsias como seria o certo). Percebi que a escolha de coadjuvantes é totalmente arbitrária (Laura Linney, Virginia Madsen e mesmo Natalie Portman poderiam ser atrizes protagonistas).

Que Meryl Streep tem muito senso de humor para se auto-satirizar (brincando com o fato de ter perdido). E que os críticos americanos estão mesmo tomados por um delírio coletivo, transformando Sideways em algo mais do que apenas o filme mediano e simpático que ele é. Mas já vimos tantas vezes esses exageros que parece piada. Sempre inventam alguém para exaltar e agora resolveram pressionar este filme de Alexander Payne (melhor comédia e melhor roteiro) que poderia passar em branco, sem qualquer contratempo. Falta ainda falar em Leonardo Dicaprio como melhor ator dramático (podia ter sido outro, mas não foi injusto), na homenagem a Robin Williams por sua carreira (ele é realmente um bom sujeito e não esqueceu do amigo Christopher Reeve, que morreu faz pouco).

Teve também um momento brasileiro no show que ninguém sabe; foi quando Mariska Hargitay ganhou como melhor atriz de série de TV (Law&Order) e, emocionada, lembrou a mãe (Jayne Mansfield) e agradeceu ao pai, Mickey Hargitay (que foi o Schwarzenegger de seu tempo e estava muito envelhecido, chorando em cena). Mas segundo conta a nossa amiga Dulce Damasceno de Britto, correspondente em Hollywood durante anos e ex-sócia da Hollywood Foreign Press, na verdade a atriz é filha de Nelson Sardelli, cantor brasileiro que namorou Jayne na época, e Mickey apenas assumiu a filha. Dulce escreveu em seu livro e depois me confirmou pessoalmente.

Ou seja, ninguém sabe, mas foi uma brasileira que ganhou o Globo de Ouro.

Por Rubens Ewald Filho