DIÁRIO DE NOVA YORK 2005 - 6ª PARTE

19 de janeiro de 2005

 

Já cheguei ao ponto onde estou guardando os filmes, porque eles estão acabando. E perigam se esgotar. No fim de semana, o frio era tanto que achei mais sensato alugar DVDs na Tower e assistir em casa, algumas fitas raras ou desconhecidas (por enquanto nada que mereça um relato maior, a não ser a cult Harold e Kurman Go to the White Castle, um filme de maconheiro que certamente será descoberto e cultuado por quem de direito. E que de vez em quando acerta no alvo como quando, por exemplo, mostra a polícia tão obcecada em perseguir e bater num negro, a qualquer pretexto, que deixam os heróis fugir). Também fiquei sabendo do lugar-título, que é uma lanchonete que serve hamburgers pequenos e saborosos (no que deve ser um dos maiores merchandisings de todos os tempos).

Como vê, até meu nível caiu. Mas nos cinemas ainda tenho descoberto fitas interessantes. Vamos lá:

 

Sideways

Foi o filme mais premiado pelos críticos americanos este ano e visto na Mostra Internacional de São Paulo, sem maior repercussão. E realmente não é nenhuma maravilha. Apenas uma boa história, bem contada, com bastante humor comprovando o talento do diretor Alexander Payne (Eleição, Ruth em Questão e About Schimdt, com Jack Nicholson). Vai ver estavam se desculpando por não consagrarem Schimdt como este merecia. Payne é dos poucos que ainda faz fitas humanas, sobre personagens com certa verdade (em geral fazendo algum tipo de viagem). Aqui é um escritor frustrado (Paul Giamatti) que sai pela região dos vinhos da Califórnia, junto com um velho amigo de faculdade, um ator que agora vai se casar (Thomas Haden Church, do seriado Wings) dali a uma semana. Como este quer aproveitar a vida, acabam se envolvendo com duas garotas da região, Haden com uma chinesa, Sandra Oh (excelente comediante como demonstrou em Sob o Sol da Toscana e, não por acaso, mulher do diretor). E Paul com uma recém-divorciada bom caráter (a veterana de fitas de ação e terror como Candyman, Virginia Madsen). O filme é apenas isso, pouca coisa mais acontece. Haden se mete em confusões, Paul sofre (o livro foi rejeitado, a ex-mulher se casou de novo), até uma conclusão satisfatória. Por que tanta premiação, francamente não dá para entender. Inclusive para os atores, que fazem muito pouco, principalmente Madsen e Church (que também têm sido premiados, sem a menor razão). O único que segura o filme é Giamatti, veterano coadjuvante de muitos filmes (American Splendor-O Anti-Herói Americano, Confidence). Eu tenho que confessar que tive um problema com ele. O sujeito é meio careca, usa uma barba parecida com a minha, é gordinho e de perfil fica muito parecido comigo. Piorado, sem dúvida (ao menos eu acho), mas certamente me perturbou a avaliação; bem que tentei, mas não consegui me identificar com ele. Como posso torcer para que ganhe o Globo de Ouro um sujeito de quem posso virar sósia? Como um novo Pavarotti? Nesses dilemas de crítico ninguém nunca pensa.

 

The Woodsman

Este vinha com muita força desde o Festival de Sundance, mas acabou sendo esquecido pelas premiações (quase todas, menos o Globo de Ouro) e realmente não deve emplacar muita coisa. Mas certamente traz a melhor interpretação da carreira de um ator muito irregular, como é o caso de Kevin Bacon (que aqui trabalha ao lado de sua mulher Kyra Sedgwick). O motivo de tanta confusão é por causa da temática, que é muito controversa. É o drama de um homem que sai da prisão depois de 12 anos e tenta reconstruir a vida trabalhando numa madeireira. Acontece que ele foi preso por corrupção de menores, ele tem tara por meninas, é pedófilo. Difícil fazer a gente torcer e se identificar com esse personagem. Mas o roteiro, da diretora Nicole Kassell e de Steven Fetcher, bem que tenta, usando um velho recurso, criando um criminoso pior do que ele, no caso um pedófilo que ataca meninos (e assim Kevin fica tão horrorizado em vê-lo perseguir os garotos que freqüentam a escola do lado de sua casa, que acaba atacando o sujeito). Ainda assim o filme é por demais esquemático. Tem a fofoqueira do serviço que, por ser rejeitada, pesquisa e denuncia o crime dele na serraria, o policial que vive perseguindo-o (uma participação muito competente do rapper Mos Def), a irmã que o rejeita porque tem uma filha adolescente, o cunhado (Benjamin Bratt) que parece ter uma atração mal-resolvida pela própria filha, mas não admite isso. A cena mais bonita do filme é num parque, quando ele vai atrás de uma menina e esta lhe confessa que o próprio pai faz ela sentar em seu colo. Mas não sei se é boa coisa humanizar e, portanto, suavizar uma figura como a de um sedutor do gênero, quando não se chega a denunciar o pior, que nas próprias famílias, nas casas a situação às vezes é pior do que na rua. Enfim, o filme é polêmico e isso já é bastante coisa nos tempos atuais. Para ver e discutir.

 

Entrando Numa Fria Maior Ainda/Meet the Fockers (de Jay Roach)

Embora os americanos pareçam delirar com o filme, transformando-o no grande sucesso de bilheteria do momento, não esperem muito desta continuação de Entrando Numa Fria. Até porque grande parte das piadas é em cima do trocadilho com o palavrão intraduzível que também é o sobrenome do herói (que se chama Gaylord Focker) feito por Ben Stiller. Assim, o maior riso é com o nome da noiva dele, que se chamava Martha Focker (essa só para quem entende inglês). Fora disso, a comédia é bem menos engraçada do que promete e foi exagero os críticos americanos se derramarem em elogios ao retorno de Barbra Streisand, depois da ausência desde O Espelho tem Duas Faces, de 96, aparecendo pela primeira vez no papel de velha e mãe (Barbra está gorda e matrona, mas me pareceu com o rosto deformado pelo botox, não estou seguro. E sempre com uma fita no pescoço, para esconder as marcas da idade). Ela esta até divertida como uma conselheira sexual para a terceira idade, uma espécie de Martha Suplicy especializada em velhinhos. Mas lhe faltam melhores cenas, melhores piadas, momentos mais divertidos. Ainda assim dá para se ver as aventuras de Ben Stiller e sua noiva Teri Polo (que não tem nada a fazer), que acompanham seus futuros sogros, pais da moça (novamente Robert DeNiro e Blythe Danner, em sua nova perua-trailer) até Miami, onde vivem os pais de Ben, Barbra e Dustin Hoffman (que aparece no filme fingindo que sabe lutar a capoeira brasileira, que ele pronuncia errado na primeira vez, falando capopeira. Aliás, pelo jeito faltou à aula, porque o que faz nada tem a ver com a luta baiana. Ah, um detalhe que esqueci: em Kinsey, o filme, também há uma referência ao Brasil quando, num dialogo, o pesquisador de sexo diz que no Brasil se prefere bestialidade na pornografia! Será?). Continuando: o filme tem várias piadinhas grosseiras (por exemplo, o cachorro de Dustin é tarado, persegue e pega o gato da família de De Niro! Será engraçado isso?) e continua também mostrando De Niro com sua mania de continuar a ser da CIA, suspeitando que Ben teve um filho com sua empregada latina e que o garoto agora já é um adolescente. Tudo isso poderia ser mais engraçado e provoca a ocasional risada. Mas nunca para justificar tal êxito. O fato é que acho muito esquisito e sintomático reunir três dos maiores astros de Hollywood pela primeira vez (Streisand, Hoffman e De Niro, cada um deles com dois Oscars cada) e juntá-los numa comediazinha (que ainda por cima é uma continuação). Não uma grande obra de arte, mas uma besteirinha facilmente esquecível. Que fim levaram aqueles astros tão cheios de exigências, de compromissos, de frases cheias sobre arte e o destino do cinema? Tanto papo furado para quê? Para agora fazerem uma fitinha dessas?

De Niro a gente já desistiu faz tempo, mas Streisand francamente podia ter voltado como algo mais do que uma paródia de Bette Midler.

Por Rubens Ewald Filho