DIÁRIO DE NOVA YORK 2005 - 7ª PARTE

20 de janeiro de 2005

 

Na tentativa de me preparar para a transmissão do Oscar deste ano, pela TNT, continuo meu périplo pelos cinemas de Nova York. Eis mais alguns filmes que assisti:

 

A Very Long Engagement (Un Long Dimanche de Fiançailles, de Jean-Pierre Jeunet)

A mesma dupla de Amélie se reúne novamente, o diretor Jean-Pierre Jeunet e a atriz Audrey Tautou, num filme extremamente bem produzido, com incrível reconstituição de época (em ambientes, detalhes, ou mesmo imagens reproduzidas pela computação gráfica). Adaptando um romance de Sebastien Japrisot, passado durante a Primeira Guerra Mundial (pelo que o diretor diz ser obcecado), ele conta uma história de amor e fidelidade. A jovem Tautou (muito parecida com a Amélie) faz a jovem Mathilde, que manca por causa da paralisia infantil e que fica esperando o noivo Manech que foi lutar na Guerra e foi dado como morto. Acontece que ele faz parte de um grupo de cinco soldados que se automutilaram para serem dispensados e por isso foram condenados à morte. Mas será que morreram mesmo? Anos depois do armistício, Mathilde inconformada move céus e terras na busca de notícias dos cinco envolvidos, numa trama extremamente complicada, cheia de reviravoltas e becos sem saída, participações pequenas (Jodie Foster demonstra mais uma vez que sabe falar francês correntemente, interpretando a viúva de uma das vítimas) e referências a fatos da época que desconhecemos. Jeunet continua com a mania de ilustrar tudo (por exemplo, se uma coadjuvante vai ser guilhotinada, temos que ver essa morte, ou alguém subindo no farol, às vezes em imagens múltiplas. Não há a menor dúvida que é um visual de grande beleza e fotogenia. Mas depois de um tempo a história começa a cansar e a teimosia da heroína chega a irritar. Foi indicado ao prêmio do Sindicado dos Diretores (prova de que, como é bonito e bem feito, sem dúvida o cineasta é um estilista e um autor) e pode pegar também uma indicação ao Oscar. Mas sua trama é trágica, cheia de mortes, explosões, tragédias , vingança e apenas um pouco de amor. Também a direção de arte, figurinos e desenho de produção mereciam uma menção. São espetaculares.

 

O Fantasma da Ópera (Phanton of the Opera, de Joel Schumacher)

Falando em direção de arte e cia., vem o caso desta adaptação do famoso musical que ainda continua em cartaz. Nunca fui admirador do show de Andrew Lloyd Webber, que sempre me pareceu um pastiche ridículo de operetas e grand guignol. Mas o público costuma lotar os teatros (aliás, o musical está sendo montado no Brasil para estrear em abril). Webber foi quem produziu e supervisionou o filme, que ficou sob a direção de Joel Schumacher, que depois de duas fitas de Batman (universalmente ridicularizadas) passou a fazer uns filmes violentos (para as quais descobriu Colin Farrell). Mas no fundo, não passa de um figurinista que acertou no cinema (essa era sua profissão original, e o carinho que tem pelos detalhes nas roupas ficam visíveis no filme. O problema é que, como bom americano, não tem mais noção de bom ou mau-gosto). Enquanto tudo é mostrado dentro do Teatro de Ópera Popular, o filme parece rico e suntuoso. Mas logo depois cai no kitch, no cafona, no grotesco, como na câmara-leito do Phantom [será que ele quis copiar o filme do Visconti (Ludwig), já que em outra cena de delírio ele não tem vergonha de imitar descaradamente A Bela e a Fera, de Jean Cocteau, com os braços segurando candelabros!]. A história, se é que alguém ainda não conhece, é sobre uma jovem cantora, Christine, que ficou órfã e foi criada nos bastidores da ópera, protegida por um desconhecido que parece um fantasma e que ela pensa ser seu próprio pai. Mas é um compositor frustrado, que teve seu rosto deformado por um incêndio e que vive nos porões do lugar, assustando os donos. Quando uma primadonna (Minnie Driver, numa tentativa de ser alívio cômico, mas num papel pequeno demais para ser marcante) cria caso, Christine tem a chance de estrelar uma ópera e acaba sendo redescoberta pelo namorado de infância Raul , que por acaso é também visconde e benfeitor do lugar (aliás, toda a história é um longo flashback dele velho, relembrando o que sucedeu enquanto se faz um leilão das coisas que sobraram do incêndio da Ópera). Schumacher acertou no mais difícil, encontrar uma boa menina que cantasse e convencesse como a heroína (Emmy Rossum, de O Dia Depois de Amanhã) ainda que por vezes a dublagem da fita pareça estranha, fora de sincronismo. O galã também é bom, ainda que esteja inexpressivo e prejudicado por um cabelo ridículo (Patrick Wilson, de Angels in America e Alamo). O problema mesmo é ter errado tão feio na escolha do Phantom, chamando um ator escocês pouco conhecido, chamado Gerald Butler (que fez Timeline e o primeiro Lara Croft), que não canta bem, não é bom intérprete e não tem qualquer carisma. Não puxam para o terror e nem conseguem realçar o lado romântico. Ah, um detalhe importante: o clímax, do candelabro que cai, que na peça me parece ser no final do primeiro ato, agora é no final do filme. Outro problema: com muitos efeitos digitais, o filme lembra bastante Moulin Rouge, só que sem a invenção e criatividade daquele. Acaba ficando cafona, aborrecido, medíocre. Não esta fazendo sucesso de bilheteria e dá para entender porquê. Mas pode pegar alguma indicação ao Oscar, nem que seja pelos arranjos musicais vibrantes (onde parecem usar, no mínimo, o dobro dos músicos do palco).

 

In Good Company (de Paul Weitz)

Os americanos estão cada vez mais perdendo a noção das coisas. É incrível acharem este filme humano, quando na verdade fala de problemas bem distantes da maior parte dos mortais. Por exemplo, o executivo de vendas de uma revista esportiva está para perder o emprego porque a revista foi comprada por uma corporação multinacional, tipo Fox. E o drama dele de ficar sem muito dinheiro é porque a filha quer estudar em Nova York, numa universidade de lá e não noutra, mais barata, perto de casa. E ele não tem coragem de lhe contar isso!!! Isso pode ser até humano para 1% da população. Espanta quando vemos filmes europeus como Vera Drake, que fala da classe operária, problemas básicos, como ter ou não o que comer.

Não besteiras de Hollywood, onde todo mundo vive como milionário e tem probleminhas superficiais e sofisticados. Feito o desabafo tem o lado bom. O diretor, que é filho da atriz Susan Kohner, havia começado no cinema com American Pie, mas depois demonstrou um inesperado talento, e até sensibilidade, com About a Boy. Confirma isso numa comédia discreta e agradável, ainda que não notável, que segura Dennis Quaid (sempre um ator capaz de fazer o pior) e consagra um ator da televisão, Topher Grace (da série That’s 70’s Show). Este consegue mudar de tipo e fazer um yuppie (a palavra não é usada porque está fora de moda), um jovem executivo de 26 anos, que é abandonado pela esposa (Selma Blair) e se torna chefe de Quaid. Mas o rapaz simpatiza com o cinqüentão, até porque está transando com a filha dele (a atriz da moda, Scarlett Johanson, que continua a não me convencer). Há ainda a esposa que esta grávida novamente (Marg Helgenberger), colegas de trabalho (David Paymer), o chefe da corporação (Malcolm McDowell). Mas basicamente o filme é sobre como o jovem ambicioso se humaniza em contato com o profissional experiente. Nada de muito importante sobre a vida ou os negócios acaba sendo dito (mesmo o ataque às corporações acaba sendo muito velado).E humano em Hollywood é chorar quando se tem um bebê novo. Mas vai ver sou eu que estou ficando cínico.

Para quem partiu de American Pie, está mais do que bom.

Por Rubens Ewald Filho