21
de janeiro de
2005
Restaram
alguns filmes importantes para comentar. Até porque são
grandes ou polêmicos.
The
Merchant of Venice (de Michael Radford)
Nunca
tinha assistido a uma montagem deste texto de Shakespeare, nem
visto algum filme
baseado nele (o IMDB diz que houve 14 versões,
todas muito antigas ou feitas para a TV). Sua raridade deve ser
devido ao fato de que a peca é considerada
anti-semita. Dustin Hoffman estrelou uma versão nos anos
80, mas agora é Al Pacino, conhecido com grande especialista
em Shakespeare, que faz o papel central desta fita bastante caprichada,
mas que sintomaticamente foi ignorada pela crítica - menos
por um prêmio muito sem importância, chamado Golden
Satélite, e pelo figurino no BAFTA e certamente também
pela academia. Sinceramente não sei dizer até que
ponto é preconceituosa, mas certamente coloca o protagonista
num ponto de vista pouco favorável. Ele é Shylock,
o usurário, que na Veneza do século XVI, vive relativamente
bem em guetos, mas podendo emprestar dinheiro a altos juros (o
que é proibido pela Igreja Católica). No caso,
um jovem apaixonado e ambicioso, Bassanio (Joseph Fiennes, que
fez Shakespeare em Shakespeare Apaixonado) precisa
de dinheiro para impressionar uma jovem rica Portia (Lynn Collins),
que vive
numa ilha e tem uma grande fortuna (o pai dela morreu e exige
que os pretendentes passem por um teste de inteligência).
Como não tem dinheiro, recorre a um amigo mais velho (Antonio,
Jeremy Irons) com quem mantém uma estranha ligação
(o filme faz questão de mostrar discretamente que Antonio é apaixonado
por ele, e os dois trocam um beijo na boca, uma espécie
de selinho. Mas não explicam mais que isso). De qualquer
forma, Antonio arrisca sua vida porque aceita servir de garantia
para o empréstimo, se não puder pagar deverá dar
um determinado peso de sua própria carne, ou seja, morrerá.
Isso irá acontecer porque os navios, com que ele contava,
se perdem no mar. O caso é levado a julgamento por Shylock
que, humilhado porque sua filha fugiu de casa com um amigo de
Bassanio, resolve se vingar de todos e exige que o pagamento
seja feito a qualquer custo. Não em dinheiro, mas em carne.
O final tem uma reviravolta, não das mais convincentes
(bem ao gosto do autor, porém), e acaba condenando a ambição
e a falta de condescendência do judeu. Que serve de exemplo.
Pacino não é judeu nem está especialmente
marcante no personagem, que soa monocórdio, primeiro matreiro,
depois obsessivamente vingativo. Mas é sempre um grande
ator, bem cercado por outros de qualidade, uma bonita produção
(com locações em Veneza) e o diretor de IL Postino
(O Carteiro e o Poeta). Cate Blanchett e Ian
McKellen iam fazer os papéis, respectivamente, de Portia
e Antonio, mas tiveram que desistir, ela porque estava grávida.Teria
sido interessante ver o resultado com esses dois grandes.
The
Life Aquatic with Steve Zissou (de Wes Anderson)
Até hoje
o prestígio desse sujeito é um
mistério total para mim. Mas o outrora queridinho da crítica,
por Os Fabulosos Tenenbauns e Rushmore, se deu mal nesta última
aventura, que foi mal-recebida por todos, até os mais
empedernidos fãs de Bill Murray (que, por sinal, brigou
muito com ele, numa filmagem interminável ). É difícil
entender o senso de humor do diretor, que é um tipo esquisito
e faz piadinhas infames e bizarras (por exemplo, toda a fauna
marítima mostrada no filme é com animação,
criada pelo especialista de O Estranho Mundo de Jack). A idéia é satirizar
Cousteau e seu mundo de pesquisadores, mas é difícil
provocar qualquer riso. Para o brasileiro há a atração
do filme trazer, em papel onipresente, o ator de Cidade
de Deus,
Seu Jorge, como Pelé dos Santos, que interpreta toda a
trilha musical em português, sendo que são versões
de David Bowie! Eu disse que ele era estranho. Enfim, Murray
está realmente pouco divertido como o herói em
decadência que está perdendo patrocinadores. Anjelica
Huston é sua mulher que esta deixando-o, Jeff Goldblum
um rival meio gay, Owen Wilson faz o filho desaparecido de Zissou,
Cate Blanchett é uma jornalista grávida (como ela
na época da filmagem), Willem Dafoe um cara da equipe,
mas nenhum tem muito o que fazer como personagem ou situações.
Eles enfrentam piratas, passam por mil peripécias, mas
o filme parece que não anda. O público fica fora dele. Aliás, como os outros
anteriores. Só que finalmente está caindo a ficha.
Coach
Carter (de Thomas Carter)
Já um
lançamento de 2005, e mal-recebido pela
crítica, acabou sendo enorme sucesso de bilheteria no último
fim de semana. Fácil explicar porquê. A crítica
não gosta de filme que dá bom exemplo, que ensina
alguma coisa útil ou mostra um caminho para a juventude.
Chamam a fita inspirational. Tomara que fosse. Produzido pela
MTV Filmes, conta uma história real. Em 1999, Carter foi
treinador de um time de basquete de high school de uma escola
pública de bairro pobre. Ele assume e coloca os garotos
em forma, mas exige também que eles estudem. Quem não
for bem nas matérias não poderá continuar
jogando. Isso provoca um escândalo nos pais e na cidade,
e no próprio board da escola, que expulsa ou quer expulsar
o treinador.
Em
vez de ver que ele tem razão, está tentando
quebrar o círculo de pobreza, fazendo com que os jogadores
melhores e negros tenham ao menos uma chance indo com bolsa de
esporte para uma faculdade e tenham uma vida melhor. O filme é o único
filme americano que eu vi, principalmente nos últimos
anos, que mostra um estudante que engravidou uma namorada e que
aceita quando ela faz um aborto discreto (continua com a moça,
mas com a clareza de que não daria para criar a criança
e fugir daquele tipo de vida). Aprovar aborto num filme na Era
Bush é um escândalo e uma total ousadia (claro que
ninguém até agora mencionou isso na imprensa, passou
batido). O fato do público jovem consumir o filme, porém, é positivo
já que ele vem na tradição de Sementes de
Violência, Ao Mestre com Carinho e muitos outros que seguiram
a mesma trilha.
Os
profesorres e diretores de escola devem ficar de olho nele. Quem
estrela é o sempre excelente Samuel L Jackson, numa
fita certamente moralista. Mas, por que não? Se estão
precisando dessa lição...
Elektra (de Rob Bowman)
Pareceu
até que a Fox nem tentou salvá-lo, fez
pouca campanha para ele (não teve nem página inteira
no New York Times), parece que estavam conscientes de que era
uma bomba. Deviam ter pensado nisso antes, quando viram o filme
que lhe deu origem, O Demolidor (Daredevil), onde Jennifer Garner
roubava a fita como Elektra. O que não é muito,
se considerando que com Ben Affleck isso era moleza. Mas esta
fita é bem pior. Feito pelo diretor de Reino de
Fogo e
Arquivo X, o filme é baseado na história em quadrinhos
de Frank Miller. Não conheço o original, mas arrisco
a explicação. Ela é basicamente uma assassina,
que já começa o filme matando um monte de gente
friamente. Dali em diante só pode perder o espectador,
que obviamente a rejeita. Acabamos ficando sem grandes explicações,
por que mataram a mãe dela? Quem é aquela adolescente
que ela protege tanto? Tudo isso fica mal justificado numa fita
que parece mais seriado de TV, episódio daquelas adaptações
de fitas japonesas Powers Rangers da vida. Garner, que tinha
dado uma boa impressão antes, aqui neutra e apática.
Tudo é tremendamente simples e superficial, com os tradicionais
flashbacks e lutas em câmera lenta. Ela mata, depois tem
outra missão, mas muda de idéia quando decide não
liquidar um pai e filha. Mesmo assim age de forma infantil (comprometendo
seu parceiro que se sacrifica por ela; será que ela não
teria um plano melhor?). As lutas são muito fracas nestes
tempos de delírios de Herói e Adagas Voadoras.
E a fita é uma bobagem total, e muito confusa. Terence
Stamp tem o ingrato papel do velho mestre, aqui chamado de Stick.
Na verdade, achei tão fraquinho que nem me incomodou.
Mas aqui nos EUA todos ficaram enfurecidos e o destruíram.
Talvez até com exagero.
Por Rubens Ewald Filho
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