01
de junho de
2005
Pela
primeira vez em 22 anos que freqüento regularmente o Festival
de Cannes, não fui participar como jornalista credenciado.
Não precisei acordar as seis e quarenta da manhã (para
pegar as sessão das oito e meia), nem brigar pelos computadores
(esperando hora e meia para conseguir mandar material para o
Brasil), nem tive que assistir filmes chatos de morrer de que
depois nunca mais teremos noticia. Confesso que houve um momento
que me deu uma crise, uma dor no coração. Mas fui
a Cannes com outra missão, como consultor do prefeito
de Paulínia, Edson Moura, que tem planos de construir
um estúdio de cinema na cidade. É meio cedo para
falar no assunto mas esta foi uma viagem de prospecção.
Fomos basicamente fazer contatos, pesquisar informações
e os pontos altos foram a visita a dois estúdios, um deles
em Nice, outro em Paris. O de Nice, é o famoso La Victorine
que existe desde a década de 20 e onde foram rodados muitos
filmes famosos como o “Ladrão de Casaca” de
Hitchcock com Grace Kelly, “Os Safados” com Steve Martin, “A
jóia do Nilo” com Michael Douglas e aquele que é considerado
o melhor filme francês de todos os Tempos, “O Boulevard
do Crime” (Lês Enfants du Paradis) de Marcel Carné.
Mas talvez o mais famoso de todos tenha sido “A Noite
Americana” de Truffaut (e a única construção
que permaneceu no local foi a casa de Jean Pierre Aumont no
filme, hoje escritório da empresa que arrendou o local.
Visitar
um estúdio, ainda mais preocupado com detalhes
técnicos
pode ser uma experiência frustrante. Ou fascinante. Nos
americanos, eles proíbem tudo e mal temos a chance de
olhar alguma coisa. Os franceses foram diferentes. Ficaram
super felizes de nos receber e nos mostraram tudo, desde a
caixa de
luz (até mesmo a antiga que tinha problemas de variação
de força) até o belo e imenso estúdio
(sempre por dentro, porque por fora não há preocupação
de deixar nada bonito). Talvez com a possibilidade de uma parceria.
A experiência foi ainda mais produtiva em Paris, nos
estúdios
de Brie, onde chegamos a ver o ensaio de uma filmagem de uma
dupla de comediantes locais (subimos as escadarias e vimos
de cima, coisa impossível de imaginar no sistema americano).
Onde também tive o prazer de reencontrar a velha amiga
Luciana Reali, filha do Reali Jr. e montadora de uma série
de teve francesa. Preocupado em acompanhar o prefeito, em contatos
de todos os tipos (Pelé foi especialmente simpático
e me contou o que eu nem sabia: que eu havia sido o primeiro
a ver o documentário dele), de vez em quando corria
até uma
sessão do mercado mas não tive sorte de encontrar
bons filmes. Assisti a subida dos degraus de Woody Allen e
Scarlett Johanson (baixa, fria e com pernas que saem do pescoço).
Esbarrei em William Hurt e Cronenberg pela Croisette. Encontrei
o ator francês Richard Anconina num hotel em Paris (onde
nos confundiu com produtores). Cheguei a ir ao Coquetel brasileiro à base
de caipirinha (e nenhuma celebridade, ao menos naquele dia).
Mas como estava hospedado em Nice, que fica meia hora de táxi
da cidade, tudo ficava mais difícil e inacessível.
Ainda assim tenho algo a confessar. Depois de tantos anos vendo
40 ou 50 filmes em 12 dias, acabei desgotando e cansando de
ver tanta porcaria. O que é bom de alguma maneira, ou
na Mostra ou em DVD, acaba chegando por aqui. O resto em sua
grande maioria
não interessa. Antes de Cannes, nunca tinha dormido
numa sala de cinema. No Festival virou rotina. Fiquei muito
preocupado
quando chegou a hora de escrever sobre o “Clã das
Adagas Voadoras” que vi em Cannes ano passado e não
me lembrava de quase nada. Tive que assistir de novo. Então
que vantagem se leva, se todos os filmes tenho que rever, nem que
seja para ter vivo
os detalhes?
O fato é que,
viajar para Cannes se tornou muito caro com o preço do
Euro, e não vejo mais sentido em
ir a não ser com uma função definida (o
próprio Telecine este ano foi para Cannes sem equipe de
filmagem, só fez as entrevistas de junket, armadas pelos
americanos). Até porque Cannes ainda continua a ser o
melhor lugar do mundo para se fazer negócios, encontrar
pessoas e armar projetos. Ou se badalar, que ainda não
foi o caso desta vez (ainda assim foi melhor que anos anteriores,
ao menos pisei pela primeira vez num dos famosos e lendários
iates que ficam ancorados na Baia de Cannes). Tem mais: ando
desiludido com o Festival que a cada ano acho mais perdido e
fora do eixo (principalmente depois da mudança de direção).
Vendo de longe o que fizeram em 2005, dizendo que era um festival
de consagrados mas o resultado comprovou que era reprise de antigos
cults (Jim Jarmush revelado em 83 não deve ter melhorado
em sua meia idade e os irmãos Dardenne continuam a fazer
tudo igual).
De
qualquer forma, em Paris, consegui escapar para ver dois filmes
do Festival, que relato aqui:
"Lemming” de
Dominik Moll - Este foi o filme de abertura deste ano e, francamente,
não podiam ter escolhido
pior. O cinema francês vai de mal a pior mas nada preparava
este fracasso do diretor por sinal nascido na Alemanha que havia
feito o curioso “Harry, que veio Ajudar”. Nada se
salva. Parece um filme de terror, com fantasma e tudo. Mas tudo é contado
de forma tão lenta, tão aborrecida que se torna
difícil suportá-lo. O ator central é Laurent
Lucas (de “Tiresia”, um sujeito que é prognata)
que faz o marido feliz de Charlotte Gainsbourg (que é feia
demais para continuar carreira. E não tem talento suficiente
para compensar isso). Até quando recebe a visita do patrão
(André Dussolier que evoluiu para um competente coadjuvante)
e da infeliz mulher dele (Charlotte Rampling) que depois de tentar
seduzi-lo, acaba se matando no quarto de hospedes do casal. O
fato é que o espírito da mulher se encosta na esposa,
que larga o marido e vai viver com o patrão. Até se
completar a vingança do fantasma. O titulo se refere ao
bicho que existe no Norte da Europa e que tem tendências
suicidas. Um deles é encontrado nos canos da casa do casal
o que parece ter algum sentido alegórico. Que me escapa.
Espero que ninguém cometa o ato insensato de importar
esta fita. Que já fracassou nos cinemas franceses com
toda razão.
“Last
Days” de Gus Van Sant - Desde que ele fez
aquela ridícula refilmagem de “Psicose”, de
Hitchcock, não consigo levar a sério nada do que
faz este sujeito, nem mesmo aquele absurdo vencedor do Palma
de Ouro, “Elefante” (que não era tão
ruim assim, mas não merecia ganhar nada). Quem viu “Gerry”,
aquela fita que fez com Matt Damon (passou aqui apenas na HBO)
sabe do que estou falando. Ele tem mania de fazer fitas de vanguarda
tipo anos 60 -70, com tempo real, longas pausas e caminhadas,
sem maior lógica
ou sentido. Vai contra a maré, usando um orçamento
muito baixo para encantar a critica que adora fitas herméticas
e incompreensíveis.
No caso, acho que Van Sant não tem é nada a dizer.
Classifico-o como vigarista. Enfim, este “Last Days” (Últimos
Dias) embora se afirme como inspirado nos últimos dias
de vida do cantor Kurt Cobain, por outro lado confirma que não
tem nada a ver com os fatos reais. É apenas uma meditação
sobre o tema. Ou seja, uma bobagem sobre um sujeito drogado que
sai caminhando pelo mato, toma banho de cachoeira e retorna para
sua mansão decadente, onde fala sussurrando coisas se
nexo (enquanto no lugar, alguns malandros drogados ficam transando
ou querendo fazer musica. O que não muda muito porque
tudo é filmado de longe, de tal maneira que mal se pode
ver a cara dos atores, até mesmo de Michael Pitt - de “Os
Sonhadores” de Bertolucci. Que não está mal,
porque mal chega a ser identificado). Há alguns incidentes,
um empresário que aparece
e o herói se esconde, um vendedor de anúncios de
paginas amarelas, outros que vem trazer a palavra de Cristo.
Até a evidente e aguardada morte do musico (o que é mais
curioso é que Van Sant mostra o espírito nú do
moço saindo do corpo e subindo uma escada!). Tudo de forma
extremamente lente e mais chata ainda do que fita francesa (aliás,
vi o filme num horário nobre em sala vazia com sete outras
pessoas). Um detalhe esquisito: como “Elefante”,
este filme também tem uma cena gratuita de dois rapazes
se beijando e fazendo sexo, simplesmente porque não tem
nada melhor a experimentar. Pelo exemplo, já deu para sentir
que não devo
ter perdido muito.
De
outra vez falo dos filmes que assisti em Paris. Até.
Por Rubens Ewald Filho
(Fotos:
1. George Pimentel © 2005
WireImage.com. 2. Ddivulgação)
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