ALGUNS DIAS EM PARIS, 2005

02 de junho de 2005

Paris continua a ser a capital do cinema, não é culpa dela se não há grandes filmes, se os ingressos estão por volta de 10 euros (cerca de 30 reais, apesar de algumas promoções) e as salas da cidade dão sinais de cansaço (porque Paris não tem Shopping centers). Cheguei a ir conhecer as novas salas multiplex do MK2 mas fiquei decepcionado, parecem salas de museu, frias e impessoais (ainda que tivessem boa projeção). Quando digo capital é no sentido de que este é o lugar onde se mais assistem filmes, das mais diferentes nacionalidades, com paixão e regularidade. Também é o único lugar na Europa onde o cinema local ainda ocupa uma boa faixa do mercado (graças às leis que permitem cerca de 130 produções francesas por ano, que ocupam cerca de 30 por cento do mercado). Agora como explicar o fato de que o cinema francês não melhorou, não cresceu pela Europa apesar do Mercado Comum, não criou novas estrelas e não virou sequer um centro regional?

E não ganha a Palma de Ouro em Cannes desde os tempos de Maurice Pialat e o seu “Sob o Sol de Satã” (“Sous le soleil de Satan” - ‘87). Relembro isso porque fiz questão de ver vários filmes locais e me decepcionei quase sempre. As fitas francesas estão cada vez mais com cara de telefilme, banais e decepcionantes (já comentei “Lemming”). Eis aqui outros filmes que tive a chance de assistir:

“Anthony Zimmer” policial de Jérôme Salle, com Sophie Marceau e Yvan Attal. Tem o charme de ter sido rodado no Hotel Carlton e no Negresco, justamente onde eu tinha acabado de estar dias antes. Mas é apenas uma história banal, sobre uma agente (a muito magra e envelhecida Sophie Marceau, de “Coração Valente”) que arranja um sujeito num trem (Yvan Attal, astro local) para despistar os bandidos que a seguem. Sua missão é identificar um vigarista que leva o título do filme e que seria responsável por grandes trapaças no tráfego. O coitado passa a ser perseguido, tem que fugir a pé, acaba na polícia onde novamente é forçado a escapar. Sempre com fotogenia, o filme prossegue com rapidez e certo visual (não tem mais de 90 minutos) até um final nada inesperado. Não chega a aborrecer, mas não tem qualquer coisa de notável.

“Avant qu´il ne soit Trop Tard”, de Laurent Dussaux, com Frédéric Diefenthal e Emilie Dequenne. Uma espécie de “O Reencontro” (The Big Chill) francês. Um grupo de amigos de trinta e poucos anos se reúne num hotel na neve, depois que perderam num acidente de carro um amigo que deixou também a noiva numa cadeira de rodas. Agora o grupo irá se separar (mudanças para o exterior, o hotel vai fechar) e resolvem lavar a roupa suja e acertar as contas, quase todas sexuais (tem uma mulher que é promiscua, um rapaz que é gay e veio com o namorado e é apaixonado pelo herói - que ocasionalmente experimentou uma vez com ele. Acontece tudo que é previsto, sem maior impacto ou repercussão. O elenco não revela ninguém marcante ou mais talentoso). Onde estão os Alain Delons e Deneuves de hoje? Tudo medíocre demais.

“Le Crime Farpait”, de Alex de la Iglesia, com Guilermo Toledo, Monica Cervera. Este é bem melhor, até porque é espanhol e de diretor afilhado de Almodóvar, famoso por suas comédias anárquicas. Reparem no titulo, é um trocadilho com “O Crime Perfeito” (seria Ferpeito), uma comédia de humor negro, bem malandra, sobre um gerente de magazine que depois de matar acidentalmente seu rival, é forçado a namorar a testemunha, uma mulher feia, chata e dominadora. Até quando decide também matá-la num elaborado plano de incêndio na loja. Também não é um grande filme mas ao menos é divertido, safado, provocador. Este valia até ser importado ao Brasil.

“De Battre Mon Coeur S´Est Arreté”, de Jacques Audiard, com Romain Duris e Aure Atika. Se chama em inglês, “The Beat my Heart Skipped”. Certamente o melhor filme que vi na temporada. Foi dirigido pelo filho do roteirista Michael Audiard, que fez antes “Um Herói Muito Discreto” (Un héros très discret - ‘96), premiado em Cannes. A partir do título poético, ele construiu uma refilmagem de “Fingers” (78), filme americano pouco lembrado de James Toback, com Harvey Keitel. É muito ajudado por uma excelente interpretação do ótimo Romain Guris (O Alberque Vermelho) que faz um pequeno gangster de uma gang imobiliária, que sustenta o pai e tem caso com a mulher do chefe, mas que sonha em voltar a ser pianista de concerto, retomando uma carreira que interrompeu no começo. Resolve retomar as aulas com uma oriental, enquanto sua vida profissional e pessoal vai desmoronando (porque o pai é assassinado por um gangster russo e ele quer se vingar). Tem clima de film noir, uma história trágica, uma narrativa sólida (que soube muito bem transpor a trama original, conseguindo por estranho que pareça até melhor resultado). Por não ser comercial, não foi comprado para o Brasil mas é o melhor filme francês do ano (Gilles Jacob do Festival de Cannes também acha). Ganhou prêmio de trilha musical no Festival de Berlim.

“Mon Petit Doigt ma Dit”, de Pascal Thomas, com Catherine Frot e André Dussollier. Este é que tem de todos, mais a cara de telefilme. Uma adaptação de livro de Agatha Christie, muito mal encenada, com um roteiro banal sobre um casal excêntrico (Catherine Frot e o bom André Dussolier), que vive no campo e investiga o desaparecimento de uma velha louca de um asilo. É difícil engolir a história mas o filme é ainda mais triste porque traz uma porção de antigos astros, muito envelhecidos, fazendo aparições muito tristes. Geneviéve Bujold, Valerie Kaprisky, e principalmente Lauren Terzieff (que parece à beira de um colapso). Credo, como é triste rever ídolos tão mal. Preferia ter ficado com a lembrança dos bons tempos deles.

“Tout pour Plaire”, de Cécile Telerman, com Mathilde Seigner e Anne Parillaud. Fui ver por causa das atrizes sempre interessantes, e pela temática que prometia desvendar o universo feminino. Mas é muito fraco, e não dá chance às mulheres. Anne Parillaud (Nikita) que a gente conhece bem daqui das Mostras, Mathilde Seigner e Judith Godréche. Todas com mais de trinta, com problemas com um marido pintor e um filho que não queria ter, uma executiva que não encontra marido e outra tentando ser perfeita. Podia render ao menos um filme sensível. Mas não virou nada.

“Man to Man” de Régis Wargnier, com Joseph Fiennes e Kristin Scott Thomas. Uma produção cara, falada em inglês e que concorreu em Berlim, feita pelo prestigioso diretor de “Este-Oeste” (“Est - Ouest” - 1999), “Desejos Secretos” (“Une femme française” - 1995). Parece ter se inspirado em fatos reais, ao contar como cientistas escoceses foram buscar na África, um casal de pigmeus, na tentativa de provarem que eles eram o elo perdido, na cadeia de evolução de Darwin. E para isso fazem qualquer coisa. Joseph Fiennes faz o sujeito que vai caçá-los e acaba ficando amigo deles, lutando para que não fossem exibidos em zoológicos. Kristin Scott Thomas é a mulher que dirige os navios e as excursões de caça às feras e também a eles. Logicamente a moral é mostrar como o homem consegue ser desumano e trata as outras raças como animais inferiores, ilustrando isso através da amizade que vai crescendo entre Fiennes e o pigmeu (feito por um de verdade). Tudo é bastante digno, mas também indiferente. Um pecado mortal para este tipo de projeto, que se acertasse estava alçando vôos enormes e internacionais, até mesmo no Oscar. Mas como falhou, resultou num meio termo bem intencionado e vago.

“Les locataires” (Bin-jip) de Ki-duk Kim, com Seung-yeon Lee e Hee Jae. Já foi comprado para o Brasil depois de ter ganho prêmios no Festival de Veneza (critica, direção, e dois menores) , pela mesmo Imovision que trouxe o filme anterior do diretor coreano, o maravilhoso “Primavera, Verão Outono e Inverno” (que saiu agora em DVD). Esta sendo exibido nos EUA neste momento como “3-Iron” mas na França se chama “Les locataires” (Os Locadores). É realmente um belo filme, daqueles que nos fazem reconciliar com o cinema e olha que vem da Coréia do Sul ! Uma fita muito original, dividida em três atos (e que na parte final lembra um pouco “Dona Flor e Seus Dois Maridos”). É sobre um rapaz que aplica um golpe, para entrar nas casas das pessoas que estão viajando. Ele dorme lá (sem roubar nada, ao contrário aproveita e literalmente lava a roupa suja). Também aproveita para treinar golfe. Até o dia em que numa casa encontra, uma esposa infeliz que apanha do marido. Os dois sem se falarem (há um mínimo de diálogos e os dois nunca se trocam frases até o fim do filme), fogem juntos e passam a dormir em diferentes casas, sempre procurando ajudar. No segundo ato, eles são capturados e o rapaz vai para a cadeia, onde procura elevar o espírito, até a conclusão onde encontram um modus vivendi muito oriental. Não queria entrar mais em detalhes. A história é original, a falta de diálogos não incomoda (os outros falam, menos os protagonistas), as soluções são muito bonitas e o filme acaba por nos encantar. Outro acerto do cinema coreano.

Por Rubens Ewald Filho