UM BALANÇO DO OSCAR 2006
 


14 de março de 2006

Houve um momento quando, pela segunda ou terceira vez, vieram com aquela velha história de que cinema era para ser visto na tela grande, que eu perdi a paciência e reclamei em voz alta. Estão cuspindo no prato que comem, xinguei. Se não fosse o DVD, Hollywood estaria num grande buraco.

O fato é que a indústria do cinema é, e sempre foi, um grande dinossauro, que teve dificuldades em absorver e assumir as mudanças tecnológicas (não precisamos ir longe: lembram-se de como começou o vídeo no Brasil? Era tudo pirata, porque as empresas ficavam discutindo como é que deviam entrar no Brasil, em que sistema e outras bobeiras. E foram os piratas que criaram o mercado de vídeo no Brasil, para depois se ajeitarem, com as regulamentações atrasadas).

Pois então, o cinema é lento - digo, a indústria. E o Oscar veio com a cantilena insistente de que cinema é para sala, o resto é televisão e, portanto, inferior. Lamento, meus amigos, mas isso é um estúpido preconceito, e essa divisão entre meios de comunicação é pura miopia. O mundo está modificando-se rapidinho, e a indústria, para variar, fica para trás (e, por causa disso, não resolveu até hoje a questão da pirataria). O fato é qualquer pessoa mais lúcida sabe disso: é o home-video que hoje sustenta a indústria, e os filmes passam na sala apenas para garantir o mercado depois. São vitrines. E por vezes caras demais. Esse papo de sala grande, vazia e confortável, é besteira, quando se tem home-theaters de qualidade (a minha salinha de projeção já tem alguns anos, mas ainda é melhor que muito cinema, inclusive maior. E não custou nenhum absurdo). A cada dia as telas caseiras estão maiores e melhores (mas não é hora de mudar, espere a alta definição para fazer esse investimento).

E por que ir contra o DVD portátil? É outra opção, e muito boa, dentro das circunstâncias (viaje de avião hoje em dia nos EUA, e todo mundo está com o seu, ou então com notebooks; nem prestam mais atenção às péssimas cópias de bordo). Não existe apenas o cinema da sala, mas o da TV por assinatura, do DVD, da TV aberta, já que todos eles estão ajudando a pagar a conta das loucuras que os cineastas continuam cometendo em seus blockbusters, com freqüência excessivamente caros e inúteis.

Outra coisa que não entendi, no Oscar deste ano, foram as homenagens. Tudo bem com a dos cowboys gays, foi bem-humorada, ainda que incompleta, tudo em nome do humor. Mas porque recordar os filmes noir (aliás, ninguém explicou direito como e por que foram batizados assim, e a coitada da Bacall se atrapalhou toda com o teleprompter)? Não vi maior ligação com os indicados. E porque os épicos? Só para pedir desculpas por terem escolhido, este ano, filmes baratos, independentes e sérios? Têm vergonha de sua própria escolha? Pois se preparem, porque eles vão passar muitos anos pagando o crime de não terem escolhido O Segredo de Brokeback Mountain como melhor filme. Foi má vontade mesmo, pode-se dizer mesmo preconceito.

O fato é que, estando nos EUA e portanto mais perto das notícias, deu para perceber algumas coisas: 1) Este ano houve muitas abstenções, gente que não votou, e também votando na última hora; 2) É claro que eles não queriam que Brokeback Mountain ganhasse; 3) Fazia dias que a imprensa noticiava a campanha que Crash fazia para conseguir votos (parece que a Lion´s Gate investiu dois milhões e meio, mandando DVDs para todos os votantes, em particular aos atores, já que era um filme que ator gosta, até pelo elenco grande). O filme já existia há tempos em DVD e, por isso, não teve controle, nem medo de pirataria. Valeu tudo para o filme ganhar. E olhem a ironia: os votantes viram o filme em DVD, em casa e não nos cinemas.

Para ver a bobagem que disse o presidente da Academia e, logo depois, Jake Gyllenhaal, em texto pré-escrito. Por outro lado, era sabido que o pessoal de Los Angeles (onde se congrega a maior parte da indústria do cinema) gosta de Crash, porque ele retrata um fato local, os problemas raciais que, de vez em quando, sacodem a cidade em riots (distúrbios de rua), onde vale tudo. Ou seja, para eles, o filme fala de perto (no Brasil, nem se pode dizer; Crash não foi visto por ninguém. Nem na primeira vez que estreou antes do fim do ano, nem quando retornou às salas. Foi ignorado, injustamente).

Seria má vontade sexual contra a temática gay de Brokeback Mountain? Se não foi, ficou parecendo. Na verdade, na transmissão houve a mancada de cortarem o final, ficarem fora do ar por longos minutos, em vez de mostrar a festa dos vencedores; isso sim, seria notícia interessante e não cortar em cima, sem deixar o diretor sequer agradecer. Um vexame.

Agora, premiar Ang Lee era irresistível, dado o prestígio dele. Inatacável mesmo para quem não gosta muito do filme. Eu não sou apaixonado por Brokeback Mountain, mas acho o filme muito digno, muito bem roteirizado e dirigido. Gosta das mulheres, e não dos rapazes, que nunca me convencem. É um registro de época e de mentalidade, que parecia até antiquado.

Agora, vendo-se o resultado do Oscar, percebe-se que não. Por mais que eles tenham se pintado de liberais, no fundo continuam conversadores e caretas (acho também que as mulheres tiveram força na decisão, já que elas, em geral, não gostam do filme. Não só pelo tema, mas principalmente porque é um filme duro para elas, que ficam fora daquele mundo. As mulheres do filme são burras, chatas, umas coitadas. Mesmo sem entender bem porque elas se sentem rejeitadas pelo filme. Isso pode explicar porque o filme não ganhou também, porque muitas vezes os homens não votam; isso é feito por suas secretárias ou esposas. Sabidamente, homem vê menos filmes e odeia responder cartas ou votar. Então elas podem ter modificado o voto, até porque eles são preguiçosos - digo os votantes - e, principalmente, ocupados. Ouvem falar, mas não vão ver. Basta a gente ver os nossos diretores: conheço poucos que realmente vêm todos os filmes. No máximo, os badalados pela crítica, e com freqüência fazem restrições até por ciúme).

Não tenho como não ficar decepcionado com o resultado do Oscar 2006. Muito barulho, que resultou em muito pouco, dividindo-se os prêmios técnicos entre Memórias de Uma Geisha e King Kong. E o resto entre Brokeback Mountain e Crash. Enfim, acho bom a Academia colocar suas barbas de molho. Eu que tinha tido orgulho com a seleção inicial, agora faço parte do grupo de desiludidos que não concordou nem aceitou o resultado.

Acho que foi uma vergonha e uma pisada na bola.  Depois não querem que a gente fale mal do Oscar.

Por Rubens Ewald Filho

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