02
de dezembro de
2004
Afinal
o que se espera de um festival com esse nome.
Claro
que um pouco de aventura. E foi o que acabou sucedendo ontem.
Fomos
passar uma tarde, depois dormir, num hotel todo construído
em palafitas, no meio da selva amazônica, o famoso Ariaú Towers.
Fica distante, duas horas e meia de barco do Hotel Tropical Manaus,
e adivinha o que aconteceu no trajeto: O motor pegou fogo! Naturalmente
eu estava em lugar estratégico na hora e foi quem deu
o alarme (saiu uma fumaça negra terrível), já que
a tripulação tentava esconder a crise. Resultado:
não chegamos perto do Titanic. Ficamos à deriva
uma meia hora, até que chamaram outra barca para socorrer.
Desta vez passamos para uma autêntica gaiola amazônica,
daquelas bem típicas, e chegamos sãos e salvos,
porém já de noite. Já tinham me prevenido
que era feio esse tal de Ariaú. Mas nunca pensei que tanto. É coisa
para turista americano, porque para nós é o mesmo
que passar a noite numa favela, com cheiro de vômito azedo
nos quartos (me disseram e garantiram que era madeira molhada,
eu fiquei achando que era problema com fossas). Quando digo feio,
pensem num hotel no alto de palafitas à mostra (porque é a época
de rio baixo, que começa agora e vai até junho
do próximo ano; quando está com o rio cheio ele
chega até o meio das estacas). Contou o dono que foi o
próprio Cousteau, quando esteve na Amazônia, que
o orientou a fazer um hotel desse gênero eco-friendly e
que tem sido um grande sucesso. Principalmente com estrangeiros.
Aliás, o turismo aqui é todo estrangeiro, há pouquíssimos
brasileiros mesmo no Tropical (um deles era o Rei do Marrocos
que veio com jato próprio e incrível segurança,
mas não seu harém, não era nada parecido
com aquele paxá do Amarcord do Fellini). Americano deve
achar lindo, mas francamente não vejo maior graça.
O primeiro quarto que me deram, além do cheiro horrível,
era cheio de estalos, barulhos do andar de cima, chuveiro frio
(não pode ter telefone ou televisão). Apenas ventilador.
Minha vizinha, a bela e jovem atriz carioca Luiza Curvo, passou
o tempo caçando bichinhos para matar. Também o
jantar foi muito fraco, embora a noitada tenha tido uma interessante
discoteca, onde Leona Cavalli fez eficiente performance com um
galã francês, Aurelien Wik. Foi o único momento
em que os franceses se misturaram com a gente. Porque até agora
tudo tem sido segregado, pior que o apartheid sul-africano. Eles
freqüentam os mesmos lugares, mas sentam-se separados e
não conversam conosco.
Para
entrevistas é preciso requisitar por escrito e mesmo
para a revista Caras e que tais, houve problemas. Resultado;
quem anda promovendo o festival e a Coleção Aplauso
sou eu mesmo com ajuda da Edith, irmã do Djalma. É muito
curiosa essa atitude francesa e certamente causada pela organização
deles, porque não há qualquer integração
também com o festival ou a população local.
Mas voltando ao hotel da selva, ele não podia ser mais
feio e perigoso. Fiquei abismado que eles estão substituindo
as passarelas de madeira (precárias e perigosas, porque
nem tem onde se apoiar, criança ali sai voando direto
para as garras dos jacarés lá embaixo). E no lugar
já estão passarelas de cimento armado, que certamente é uma
agressão ecológica ao lugar (os quartos estão
em torres ou pequenos chalés que chamam casa de tarzan,
acabei indo para uma delas, como uma espécie de prêmio
onde passei uma noite esquisita, com ar condicionado e ventilador
ligados simultaneamente para espantar o calor. E aí me
perguntei, onde está o barulho da selva: Não tinha
porque o ar condicionado abafa tudo. Ah, nesse chalé tem
televisão - mas ela não pega nada e computador,
mas precisava de senha para entrar! Ou
seja, não funcionavam).
De
manhã cedo o calor
tornou tudo aquilo uma caldeira do diabo e saí no primeiro
barco para fora (fui vaiado por chegar tarde, mas valeu a pena,
desta vez levou menos de uma hora de retorno e não queimou
nada). Mas os hotéis, além de desconfortáveis
(a piscina era igual à da minha casa, a decoração
era cafona, feia e simplesmente de mau-gosto), eram bregas (tinha
piscininha de piranha!). No café da manhã parecia
que tinha passado uma manada de bichos famintos e não
substituíram, sobraram restos de uma invasão de
gafanhotos. Acrescente a isso o calor, o suor (que não
para de escorrer), a pressão baixa, os morcegos voando
em torno de você e terá uma pálida idéia
do pesadelo. É o tipo do lugar que não quero voltar
e não me venham dizer que é natureza. Estive na África
do Sul, em lugares semelhantes e tudo era bem transado e confortável
(dizem que já apareceram concorrentes melhores e mais
bem equipados). Ser
ecológico não é desculpa para mau-gosto
e pobreza (se bem que teve um lado nostálgico: me parecia
aquelas pensões que a gente, quando bem jovem, se hospedava
na praia em algum carnaval em Parati. O estranho é que
os turistas pagam 800 dólares por três noites, ou
seja, está longe de ser barato). Quanto ao Festival propriamente
dito, hoje tem jantar com o governador Eduardo Braga (que veio
me dizer ser meu fã) e amanhã lançamento
dos livros numa Usina que virou centro cultural (dei muitas entrevistas,
mas a mais estranha foi quando um jornalista veterano me perguntou
para eu confirmar, que ele tinha apostado, que o desenho da minha
barba, na parte inferior tinha esse formato porque era para imitar
ou homenagear fotogramas! Infelizmente neguei, depois me arrependi,
devia ter confirmado para aumentar a lenda urbana. E fiquei pensando
que essa era uma boa foto para fazermos com uma maquiadora para
um próximo livro, com fotogramas desenhados na minha barba!
Era só o que faltava!)
Os
filmes ficam para a próxima!
Até lá.
Por Rubens Ewald Filho
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