16
de setembro de 2005
É engraçado
e sempre interessante como um filme pode ter vários
níveis de leitura. Como vídeogame, “Stealth” é divertido
(parece que é uma palavra que os militares
usam para objetos que não podem ser localizados
pelo radar). Moralmente, é uma exaltação à violência,
um delírio de explosões. Como político, é mais
uma afronta dos americanos, demonstrando para o resto
do mundo que são eles que mandam em tudo,
fazem o que querem, atacam e invadem o que quiserem,
fazendo vítimas, civis ou não. Assim,
podem explodir um edifício inteiro (inacabado,
onde estão reunidos terroristas) em Ragoon,
depois atacam numa república esquecida da
antiga União Soviética, cujo espaço
aéreo é invadido descaradamente. Para
não falar da mocinha, que cai em território
da Coréia do Norte, e foge pela zona desmilitarizada,
que vira terra arrasada. Tudo em nome da defesa da
América e da luta contra terroristas! Como
roteiro, embora tenha sido feito por um autor de
renome (e suspeito até que em tom de sátira,
que o diretor não seguiu), é um pastiche
de vários clichês, alguns deles óbvios
- começando pelo avião super-moderno,
sem piloto, que pensa, controla a si próprio
e espiona os outros (como o computador de 2001,
Uma Odisséia no Espaço). A ação
nos céus russos é tirada de Doutor
Fantástico (ou Limite de Segurança,
que tem a mesma idéia). Um avião como
esse já foi mostrado num filme de Clint Eastwood,
dos piores que ele já fez (Firefox).
O
pacote todo dá a impressão de ser
um novo Top Gun (aberta propaganda
da força aérea americana, misturada
com uma história entre colegas oficiais, que
não pode ser realizada por causa de regulamentos).
Só que não deu certo. O filme, que
custou 130 milhões de dólares, não
teve renda maior do que 30 milhões nas bilheterias
americanas (se bem que esse lado vídeogame
deva funcionar melhor depois, em DVD). Ou seja, é um
mega-desastre, o que também é explicado
por seu elenco. Alguém pode explicar que agente
estúpido aconselhou Jamie Foxx a aceitar um
papel secundário (ele some meia hora antes
do final) e totalmente clichê, justamente após
ter feito Ray (ainda não tinha
ganhado o Oscar, porém era pouco difícil
prever)? Chega a ser constrangedora sua presença
ao lado do casal central: o antipático Josh
Lucas (mais adequado para vilões) e Jessica
Biel (Blade: Trinity), que poderia
ser substituída literalmente por qualquer
uma. O resto do filme, fora a arrogância americana
(se fossem assim tão competentes, já teriam
encontrado Bin Laden e não estariam levando
nova surra no Iraque, e assim por diante), é um
enorme suceder de efeitos especiais, movimentados
e até divertidos.
Mas
também clichês: a nave que não
precisa de piloto num certo momento enlouquece, desobedece
ordens, provoca mortes (como sempre, para eles, um
americano vale a morte de milhares de outros cidadãos
de qualquer país). Mas a resolução
do problema é fácil demais. Como também é muito
simples colocar o bom militar comandante contra o mal
militar que
erra ao tomar decisões - mas sempre bem-intencionado
e até honrado (Sam Shepard) - este tendo uma
ligação com um político lobista,
que só é visto através de janelas
e nunca identificado (recomendam ver o final, depois
dos letreiros, coisa que eu não fiz).
Falta
ainda dizer que nada faz muito sentido, dramaticamente:
os heróis escapam de situações
absurdas, falam um jargão incompreensível,
e nem mesmo a nave central é um stealth!
Enfim, depois perguntam porque os cinemas estão
tendo baixas bilheterias. Óbvio, com filmes
como este...
Por
Rubens Ewald Filho