BALANÇO 2004

10 de janeiro de 2005

Por alguma razão (viagens, problemas, dificuldades de locomoção), neste ano de 2004, deixei de assistir em salas de cinema, alguns filmes (que guardei para depois em DVD). Temo que isso venha se tornando uma constante, já que cada vez mais sinto dificuldade de sair para ver os novos filmes de Xuxa, Didi ou Padre Marcelo, quando sei que eles estarão disponíveis dali há alguns poucos meses em casa, na locadora. E cada vez mais os filmes ficam pouco tempo em cartaz (e no caso de Santos, nem chegam a estrear, caso sejam menos comerciais e fiquem num limbo, não são suficientemente artísticos para o Posto 4). Na hora do balanço, isso pode refletir. Assim não veja esse artigo como definitivo, apenas como indicativo do ano que passou. Certamente o que houve de mais importante foi o filme documentário que passou a ocupar um lugar importante no cinema, dando-lhe novamente a postura política, a denúncia, a guerrilha. A Palma de Ouro em Cannes para Farenheit 11 de setembro de Michael Moore simplesmente demonstrou e prenunciou esse papel. Mesmo perdendo a campanha contra o presidente Bush, o filme abertamente político fez com que o cinema retomasse seu papel de agitador, de discutir problemas (que a televisão lhe tinha roubado, mas agora como ela se tornou conservadora, os papéis se inverterem). E não foi apenas ele, mas outros documentários que denunciaram coisas importantes, como os hábitos alimentares dos americanos (Super Size Me), o papel poderoso e supra nacional das Corporações (The Corporations), um possível erro judiciário (o ótimo Na Captura dos Friedmans, que procurem assistir em DVD), um fato inédito sobre a Segunda Guerra e depois o Vietnã (em Sob a Névoa da Guerra, o vencedor do Oscar da categoria), e no caso do Brasil, ainda há uma timidez em abordar os assuntos, por vezes banais (escrevo antes de ver Peões e Entreatos, elogiados por toda a crítica, mas que à distância me parece chapa branca. Tenho que conferir). De qualquer forma, acho que o filme do ano é mesmo Farenheit.

O outro grande acontecimento de 2004 é, sem dúvida, o sucesso dos filmes de animação. De uma certa maneira eles demonstram também a atual crise de estrelas (nenhum dos jovens lançados como astros chegou a emplacar). Na falta, até o público adulto aderiu aos filmes antigamente chamados de desenho, principalmente no fenômeno Os Incríveis, que veio depois dos êxitos de Procurando Nemo (para mim, o melhor), Expresso Polar, Shrek 2 e ainda o francês As Bicicletas de Belleville. Sem dúvida, uma moda bem-vinda e merecida. O cinema nacional, todo mundo já comentou, perdeu público este ano, principalmente por causa de certos fracassos e a ausência de títulos mais comerciais (parece que a safra de fim-de-ano também não foi nada bem, apesar dos elogios para o juvenil Meu Tio Matou um Cara, que ainda não assisti). Houve dois grandes sucessos de bilheteria, com mais de 3 milhões de espectadores, o polêmico Olga de Jaime Monjardim (que continuo a achar que não tem chance para o Oscar) e Cazuza - O Tempo não Pára, de Sandra Werneck, que caiu no gosto do público. Por outro lado, insisto na minha tese de que o público emburreceu, tem preguiça, medo ou falta de costume de pensar e por isso deixou de entender por exemplo, o muito bom A Dona da História, o melhor filme de Daniel Filho (que continua em cartaz pelo Brasil, pingando) e nem se deu ao trabalho de ver o melhor filme brasileiro do ano, Os Narradores de Javé de Eliane (Lili) Caffé. Gostei também de Onde Anda Você de Sergio Rezende (com Juca de Oliveira, o melhor ator do ano), Fernanda Montenegro e Laura Cardoso em O Outro Lado da Rua, Daniel Filho em Querido Estranho, a concepção de O Redentor, a ousadia de Cama de Gato, e a inteligência de Como Fazer um Filme de Amor.

A perspectiva para o ano não é das melhores, dizem mesmo que irá baixar o número de dias obrigatórios para o cinema nacional (e que pela ausência de recursos faltarão filmes em 2006). Importante notar também o sucesso internacional de Diários de Motocicleta, do brasileiro Walter Salles que vai muito bem nos EUA, esta indicado para o Globo de Ouro e pode levar uma indicação ao Oscar de diretor (até porque é um ano fraco para o prêmio e foi Robert Redford quem produziu a fita). Curiosamente este ano foi também quando aconteceu o mega-sucesso e o escândalo de A Paixão de Cristo. Passada a onda alguém se lembra do filme? Francamente já esqueci e até fiquei admirado com a reação do público, que em grande parte o rejeitou pelo motivo certo, o excesso desnecessário de violência. De qualquer forma, foi um golpe de mestre de Mel Gibson, o mais esperto do ano. Será que tudo não foi um plano dele? De qualquer forma, esqueçam Mel no Oscar. Ao fazer o balanço, extraindo os documentários e animação, não restou muita coisa. Vamos começar pelos piores.

Os Piores

Deixando de lado algumas besteiras que vi em DVD, e fiz o possível para esquecer, eis uma lista de fitas horríveis e absurdas que vi durante o ano:

10 - Mansão Mal-Assombrada (The Haunted Mansion) com Eddie Murphy. O bom desses filmes descartáveis é que passam e a gente esquece rápido deles. Que fita era mesmo essa?

9 - O Gato (Cat in the Hat) - Não sei se era tão horrível assim? Mas só lembrar dela já dá calafrios.

8 - O Exorcista - o Inicio - Inacreditavelmente fraco e bobo.

7 - Duplex - Por que Ben Stiller faz tantos filmes ruins?

6- A Serviço de Sara (Serving Sara) - Por que Matthew Perry não dá certo fora de Friends?

5 - O Pagamento (Paycheck) - O que teria acontecido com John Woo? E com Ben Affleck?

4 - Scooby Doo 2 - Tinha achado melhor do que o primeiro, mas isso nunca foi elogio.

3 - Com a Bola Toda (Dodgball) - a pior comédia do ano.

2 - Van Helsing - Enxurrada de efeitos numa total besteira. Não é à toa que a Universal está falindo.

1- A Batalha de Riddick - Novamente: não é à toa que a Universal está falindo, parte 2.

E quem diabos inventou Van Diesel?!

E Menção Honrosa e Especial, para Táxi, com a nossa Gisele Bündchen, como a pior revelação do ano. Mais cuidado ao escolher papéis garota. E aprenda a falar antes de tudo.

 

Os Melhores

Alguns filmes não chegam a entrar na lista, mas tiveram seu brilho: O Efeito Borboleta (o melhor thriller para se ver em Home Vídeo), Sob o Sol da Toscana (a melhor comédia romântica do ano seguida de perto por Alguém tem que Ceder, para mulheres de meia idade), Sexta Feira Muito Louca e Garotas Malvadas (os melhores filmes para adolescentes e a revelação teen do ano, Lindsay Lohan), A Moça com Brinco de Pérolas (a melhor fotografia), Escola do Rock (a melhor comédia, ainda subestimada), Anjos da Noite - Underworld (melhor terror, também subestimado aqui), Diário de uma Paixão (melhor melodrama e filme para chorar), Monster - Desejo Assassino (melhor atriz, Charlize Theron), Homem Aranha 2 (melhor blockbuster), Supremacia Bourne (melhor filme de ação). Houve muitas decepções, ou filme super-estimados, entre eles, o decente O Ultimo Samurai, o médio Encontros e Desencontros, o aborrecido Mestre dos Mares, Divisão de Homicídios, Linha do Tempo, Terra de Sonhos, Cold Mountain, Doze é Demais, Peixe Grande e suas historias maravilhosas, o fraco Na companhia do medo, Por um Triz, Elefante, Mar de Fogo, Roubando Vidas, A Marca, Sylvia Além das Palavras, Janela Secreta, Em Carne Viva, De Corpo e Alma, Matadores de Velhinhas. Mulher Gato bem que merecia estar entre os piores assim como o mais recente Woody Allen, Igual a Tudo na Vida. A grande decepção do ano foi sem duvida A Vila do Shimalian (embora já não esperasse nada dele) junto com O Terminal de Spielberg (uma besteira total). O público não gostou da sátira Mulheres Perfeitas e reclamou do final de Os Esquecidos (gostei de ambos). Hellboy foi saudado como a melhor adaptação de quadrinhos, e mesmo sem ser genial, A Má Educação de Almodóvar tinha o padrão de qualidade do maior cineasta da atualidade. E me encantei com os efeitos de Capitão Sky para mim o melhor efeito especial do ano. Curiosamente ao fazer a lista dos melhores que percebo que gostei de muita coisa, chegando mesmo aos vinte melhores.

20 - Histórias Mínimas, um belo filme argentino de Carlos Sorin confirmando a boa fase de seu cinema. Empatado com o uruguaio Whisky/Uísque, de Juan Rebella e Pablo Stoll, que todo mundo adora.

19 - A Voz do Coração (Les Choristes) - Poucos viram esta fita francesa de Christopher Barratier que está indicada ao Oscar. Mas é muito bonita e recomendada.

18 - O Retorno - Belíssimo filme russo de Andrei Zvyagintsdev, já disponível em DVD. Lembra as fitas antigas de Tarkoviski.

17 - Respiro de Emanuele Crialese, belo filme italiano com Valeria Golino.

16 - Lance de Sorte (The Good Thief) de Neil Jordan. Trágico film-noir.

15 - A Encantadora de Baleias, de Niki Caro, da Nova Zelândia.

14 - Revelações (The Human Stain) de Robert Benton, com a sempre ótima Nicole Kidman. Boa adaptação de livro difícil.

13 - O Agente da Estação (The Station Agent) de Thomas McCarthy, curioso e diferente exemplo do cinema independente americano.

12 - Mar Aberto (Open Water) de Chris Kentis - Os tubarões eram para valer neste thriller diferente e rodado em digital.

11 - Colateral de Michael Mann - Também feito em digital, com Tom Cruise de vilão e Jamie Foxx de herói (agora ele forte candidato ao Oscar deste ano por Ray).

10 - O Anti-Herói Americano (American Splendor) de Shari Berman e Robert Pulcini - Criativa biografia de Harvey Pekar, herói de quadrinhos com Paul Giamatti.

9 - 21 Gramas, do mexicano de Alejando Inarritu. Outro filme trágico e bem feito, onde Sean Penn está melhor do que na fita que lhe deu o Oscar (Sobre Meninos e Lobos).

8 - O Abraço Partido de Daniel Burman, outro bom filme argentino, novamente estrelado por Daniel Hendler, um Woody Allen uruguaio.

7 - Valentim - de Alejandro Agresti - poucos viram este filme encantador sobre garoto vivendo na Buenos Aires antiga. Claro que é outro argentino na lista.

6 - Em Nome de Deus (Magdalene Sisters) - Só quem viveu a repressão católica pode entender o absurdo e drama das mulheres que eram presas num convento até recentemente. Cinema irlandês/ denúncia da melhor qualidade. Direção do ator Peter Mullan.

5 - Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças de Michael Gondry - Já virou cult e pode ir para o Oscar. Outra vez Jim Carrey prova que é muito mais que novo Jerry Lewis.

4 - Casa de Areia e Névoa (House of Sand and Fog) de Vadim Perelman. Este ano os filmes dramáticos e pesados foram os melhores como este, também pouco visto, mas impecável. Com Jennifer Connely e Ben Kingsley em grande forma.

3 - Kill Bill Volume 1 e 2 - Na verdade, formam um único filme. Adorei a primeira parte, acho a segunda mais fraca. Mas confirmaram que Quentin Tarantino ainda é um cineasta brilhante, ainda que roube idéias alheias.

2 - Dogville de Lars Von Trier - Nicole Kidman novamente impecável numa fita original e difícil, pesada e trágica. Que diz que o ser humano não vale nada. Diz e prova.

1 - Primavera, verão, outono, inverno e primavera. De Ki-duk Kim. Por ser mais otimista, mais budista, preferimos este filme coreano de grande beleza e profundidade. Um outro poema sobre a natureza humana. Mais esperançoso.

Por Rubens Ewald Filho