06
de abril de 2004
Cheguei
de Curitiba, tinha um recado na secretária do celular.
Era o Ney (Latorraca), do Rio, com a voz meio embargada, dizendo “estava
lendo aqui o jornal, a Aracy (Balabanian) me contou ontem, mas
eu não entendi... Era só para comentar. Fiquei
muito triste por causa da Bibi Vogel”. Não era dos
comentários mais claros. O que teria acontecido com Bibi?
Coisa boa não era. Procurei duas ou três pessoas
que a conheciam, mas em vão. Nenhum jornal de São
Paulo tinha dado nada. Acabei falando com o Ney. Realmente ela
tinha falecido e os jornais do Rio parece que foram gentis e
generosos até em espaço. Ela teve um câncer
no estomago e teria sofrido muito. Talvez tenha sido melhor não
saber. Assim se sofre um único choque. Definitivo.
Houve
um momento, no fim de 69, começo dos anos 70, em
que fomos bastante próximos. Se bem me lembro eu a conheci
no corredor da Tupi, quando estava gravando Nino, o Italianinho.
Fiquei tão encantado com ela que propus ao Jornal da Tarde
aproveitá-la duas vezes, numa página sobre as futuras
estrelas do cinema brasileiro (Sônia Braga foi outra que
conheci por causa dessa página), noutra numa reportagem
biográfica de página inteira. Por acaso, tenho
a matéria aqui, Peço licença para transcrever
umas partes. Chamava-se Estamos Apresentando Bibi Vogel. Data
de 12 de julho de 69.
“Sem
pintura, os cabelos compridos, os olhos amendoados, o nariz perfeito,
ela é Sylvia, a menina de Copacabana.
Posando para uma capa de revista, para os amigos é sempre
Bibi, cantora, atriz e modelo. Mas na rua, carregando desconfiada
sua bolsa grande, atravessando tímida para a outra calçada,
fica até com medo, só a chamam de Natália.
Natália brigou com Nino, o italianinho. Arranjou um namorado
rico e vai deixar a vila. Nino fez um escândalo. Mas é um
homem bom, nem quis bater nela. Mas Bibi tem medo. Esta semana
vai usar peruca, óculos escuros para não ser reconhecida
na rua. Natália é um personagem muito antipático.
-
Eu gosto de Natália. Conheço muita gente parecida
com ela. Ela não é culpada do que faz.
Pena
o Nino ser tão bom.
Anti-social,
agressiva, um pouco deslumbrada com o sucesso, Bibi ainda não
se acostumou com Natália. O tempo é pouco.
A novela, os ensaios da peça Hair, as saudades do marido.
Quando
a peça estiver pronta, nem sabe como vai ser.
Só sabe que não vai aparecer nua.
Exigência
da direção da televisão
(Tupi). Mas não vai ser difícil ser hippie em Hair.
Uma vez ela e o marido passaram dois meses numa colônia
hippie no México. Mas isso faz tempo. Naquela época,
era difícil fazer os outros dizerem seu apelido certo,
Bibi, com acento no primeiro i (ela me disse que a mãe
deu o nome em homenagem a Bebe Daniels, estrela dos anos 20 e
30).
ó a
chamavam de Sylvia, Sylvia Dulce Kleiner. Filha de uma cantora
de ópera que ia trabalhar num filme de
Orson Welles, aquele que nunca foi feito (It´s All True).
Sylvia e o irmão Mario (...). Depois ganhou outro apelido,
Olívia Palito. A melhor aluna do Colégio Maria
Soares, dos 13 aos 16 anos, ganhou todas as competições
de que participou. Campeã Brasileira de Vôlei, Campeã Carioca
de Tênis de Mesa, a melhor atleta do ano. Fez de tudo:
atletismo, arco e flecha, tiro ao alvo, ciclismo. De todos os
títulos o que mais se orgulha é o de melhor jogadora
de frescobol do Rio. (...) Mas continuava tímida, tinha
vergonha de sua magreza. Com 18 anos, foi para a Europa, passar
uns tempos com uns parentes. Aprendeu inglês, espanhol,
francês e alemão. Na Holanda, trabalhou numa fábrica
de balas. Na Inglaterra foi lanterninha de cinema de bairro.
Na época
eu era uma idiota. Ainda existem coisas em que não mudei.
Sou fiel às coisas, eu pertenço
a elas e elas me pertencem.
(...)
De volta ao Rio, fez um papel na peça O Ovo, de
Felicien Marceau.
Naquela época
conheceu Bill Vogel. Foi numa daquelas festinhas de cuba-libre
num apartamento de sala e dois quartos
em Ipanema. Bill era um loiro americano que a tirou para dançar.
Com
muita má vontade, Bibi aceitou. Ela não gostava
de americanos. No dia seguinte, foram a um concerto. Depois um
copo de vinho e Bibi disse:
-
Se um dia eu me casar, vai ser com um cara igual a você.
Mas eu quero ser atriz e as duas coisas não combinam.
Bill
não disse nada. Mostrou apenas um poema, The Road
Not Taken. Era sua maneira de dizer, era preciso escolher. Até a
hora de o navio partir, seus pais foram contra, mas Bibi já havia
escolhido: ia para os Estados Unidos casar com Bill.
Bibi
mostra uma foto dele que traz sempre na Bolsa (Loiro, alto,
professor universitário e músico do conjunto de
Luis Carlos Vinhas). Na Universidade de Madison, Bibi estudou
teatro e canto. (...) Uma vez em Oxford, havia um show com Sérgio
Mendes. Como Bill o conhecia do Beco das Garrafas, resolveram
assistir e foram aos bastidores. Sérgio falou do grupo
que estava organizando, o Brasil 66. Ia para o Rio procurar uma
cantora. Bibi disse brincando, “Imagine, para que... Eu
estou aqui”! Arrependeu-se, mas já era tarde. Fez
o teste com duas músicas, Dindi e Este Seu Olhar. E veio
o convite, esteja em Chicago daqui a três dias. Bibi não
queria ir.
Largar
o marido ia ser muito difícil. Mas Bill insistiu: “Vai
que depois eu vou. O Sérgio também me convidou
para tocar no conjunto”.
O
que Sérgio Mendes pedia era: “Sejam alegres,
extremamente felizes. Quando cantarem quero que vocês irradiem
luz”. Mas Bibi era triste. Todas as noites ela e a outra
cantora, Lanie Hall, choravam no telefone. Gastavam tudo que
ganhavam em ligações interurbanas.
Por
isso, ficaram muito amigas. Amigas até hoje.
O
começo foi difícil (...), até quando
Herb Alpert os descobriu e em toda apresentação
do Tijuana Brass, antes vinha o Brasil 66.
-
Eu tinha saudades do Bill e vendo o sucesso tão grande
e prevendo ainda mais, fiquei com medo. O sucesso exigia certas
mudanças que eu não queria.O gosto do sucesso era
bom, mas não podia dar certo. Minha verdade era voltar
para o marido.
Sem
avisar ninguém, no fim de uma excursão,
Bibi fugiu. Largou tudo e voltou para o marido. Deixou Hollywood
e
foi morar em Morning Sun, Ohio, dez casas no meio de um campo.
Ninguém
podia acreditar: no auge do sucesso abandonar tudo. Ser apenas
dona-de-casa e até voltar com ele para
o Brasil. Aqui terminou o curso de desenho e decidiu ser manequim.
Desde
os 13 anos diziam para ela, Você devia ser manequim!
-
Mas eu achava que isso não representava nada. Manequim
era apenas uma boneca.
Durante
um ano, Bibi Vogel foi a modelo mais fotografada do Brasil.
Em
cada foto, aparecia com um rosto diferente. Ninguém
sabia seu nome, mas sua foto esteve na capa de todas as revistas
de moda.
-
Eu procurava algo mais na profissão. Na verdade, sou
contra a moda. Usar roupas da moda só para estar na moda.
Uso o que me der na cabeça, não o que moda obriga.
Bibi
não esqueceu, queria mesmo ser atriz. Em um documentário
de Robert Wagner sobre o Festival da Canção do
Rio (Um Americano no FIC) apenas enfeitava as paisagens. Em Anuska,
Manequim e Mulher, apareceu posando para seu amigo Roger Bester.
Como precisam de uma cantora para a música-tema de Rogério
Duprat, Bibi também a cantou. Em Panca de Valente, foi
a única pessoa a não montar a cavalo. Em Meu
Nome é Tonho,
de Ozualdo Candeias, a esperança (PS: nas filmagens sofreu
um acidente de Kombi, que o resto da vida ela tentou esconder
com uma franjinha. O filme, porém, a ajudou a ser descoberta
para outros filmes e outras novelas).”
Eu
encerrava assim: De manhã e à tarde, as gravações
da novela. À noite, ensaios intensivos de Hair. Ginástica,
laboratório de interpretação, aulas de canto. À noite, óculos
contra a miopia e a timidez, decorando o texto do dia seguinte,
Bibi tem planos: ser atriz, ficar famosa, forma dupla com o marido
que trabalha no Rio, gravarem um disco juntos. À noite,
cansada, Bibi volta a ser Sylvia, apenas uma menina tímida
e triste de Copacabana que está longe do marido.
A
matéria termina aí. Nos anos seguintes fiquei
em contato com Bibi, que de vez em quando me ligava e fazia confidências.
Mais tarde mudou-se para Buenos Aires onde se casaria com um
diretor de teatro. Só a reveria bem mais tarde, no fim
dos anos 90, quando fui gravar um especial para a HBO em Buenos
Aires (nunca lembrei de perguntar como acabou o amor com Bill).
Bibi
serviu de guia nos mostrando seu bairro favorito, Santelmo.
Tinha mudado muito pouco, estava muito bem, ainda que com problemas
de saúde em família. Houve um momento, numa folga
de gravação num bar de Santelmo, que a velha intimidade
quase voltou. Ela me olhou bem e disse: “Puxa, a gente
foi muito amigo, né.”. E depois completou, “Mas
a gente não mudou tanto assim, não foi?” Ficamos
um instante em silêncio, para não chorar, entre
sorrindo. Foi a última vez que estive com Bibi. Podia
lhe fazer mais elogios (até por seu trabalho social, pela
amamentação materna) mas quem escreveu isso não
foi o crítico. Foi o amigo.
Que
vai ter saudades.
Por Rubens Ewald Filho
NE: LINKS DE SITES IMPORTANTES SOBRE BIBI:
http://www.amigasdopeito.org.br/quemsomos/historia/bibi.htm
http://www.aleitamento.com/a_artigos.asp?id=3&id_artigo=459&id_subcategoria=4
http://www.aleitamento.org.br/bibivogel.htm
http://us.imdb.com/name/nm0900864/ (Sua
Filmografia)
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