27
de outubro de 2005
Este é um
caso muito raro este ano, nos EUA: um filme independente
que ficou muito tempo em cartaz, discretamente, e
foi crescendo, até se tornar sucesso de bilheteria
e até mesmo ser considerado possível
indicado para prêmios (até para o Oscar),
embora não estivessem dando muito por ele.
Na verdade, acho seu lançamento agora prematuro
(mesmo tendo passado em mostras de São Paulo
e Rio); eu arriscaria esperar o Oscar, já que
este ano não parece dos mais promissores e
deve sobrar algo para ele.
Até porque tem uma temática extremamente
californiana e, por extensão, norte-americana.
Sua
atração aqui é a presença
de um elenco famoso, já que foi co-produzida
por Sandra Bullock (e Don Cheadle), que reuniu em
torno de si amigos animados com a estréia
na direção do roteirista Paul Haggis,
que foi justamente quem escreveu Menina de
Ouro, de Clint Eastwood, o vencedor do Oscar.
A idéia do titulo é muito boa, mas
já mostra como é restrito o apelo do
filme.
Em
Los Angeles, ninguém anda a pé,
todos têm que ter carro. E até por causa
disso nunca se tocam, se abraçam, se apegam.
A única forma de comunicação
entre os seres humanos acaba sendo as batidas entre
carros, justamente esses “crashs” (que
seriam até, por vezes, propositais - claro
que de uma forma inconsciente). Além disso, é uma
cidade complicada em sua estrutura social, já que é formada
por uma série de pequenos municípios
interligados por auto-estradas, com áreas
muito pobres convivendo com outras mais ricas (mais
ou menos como no Rio, ainda que não tão
próximos). E como os distúrbios de
rua por questões raciais ainda estão
vivos na memória das pessoas, há um
esforço em tentar-se ser politicamente correto,
não parecer racista (porque, como diz o filme,
todo mundo pode parecer muito bonzinho, mas no fundo
são todos meio racistas, até os negros
- o que transparece sempre em momentos de crise).
O
roteiro mistura vários personagens e histórias,
de classes sociais diferentes, com a presença
muito freqüente da policia (por ser outro fenômeno
da cidade: muito controlada, com muita segurança
particular, já que todos têm medo).
Não é uma formula nova, já que
houve muitos filmes nessa linha (Magnólia,
os filmes de Robert Altman, etc.), ou seja, tramas
paralelas que num determinado momento se cruzam.
Mas sempre com os estereótipos que eles tem
de cada raça ou profissão, interferindo
no julgamento e comportamento de todos. Entre eles:
um detetive negro com uma mãe drogada e um
irmão mais novo ladrão; dois ladrões
de carros, que vivem teorizando sobre a vida e a
sociedade; o promotor público (Brendam Fraser)
e sua mulher perua (Sandra Bullock), que são
assaltados por uma dupla de negros: o policial veterano
e racista, que cuida do pai doente em casa (Matt
Dillon); seu parceiro mais jovem e idealista (Ryan
Philippe); um bem-sucedido diretor de cinema negro
e sua mulher que também têm problemas
com esse racista; um imigrante persa, que compra
uma arma para proteger sua loja; um latino e sua
filha, que têm medo de balas, etc. e tal. Vencedor
do Grande Prêmio do Festival de Deauville,
na França (para cinema independente americano),
o roteiro teria sido inspirado quando Haagis teve
seu carro roubado (a casa da família Cabot,
na história, é sua própria casa).
Mas basicamente é um ataque frontal ao racismo,
oculto ou dissimulado, ou seja, uma forma moderna
e ainda não discutida no cinema. Talvez por
isso o filme pareça local demais, ganhando
maior importância, porque a carapuça
bem que pode servir.
É
um painel de uma sociedade, que ao mesmo tempo é tão
distante e tão próxima da gente.
Por
Rubens Ewald Filho