A CRUZADA

08 de maio de 2005

O ano de 2005 tem sido tão fraco em termos de bilheteria, aqui e nos EUA, que A Cruzada chega com a promessa de que a temporada vai finalmente começar (ao menos a season do verão americano, quando saem os grandes blockbusters). Mas duvido que este filme vá muito longe, simplesmente porque é a história de uma derrota: conta como os cristãos perderam Jerusalém no século XII. Ou seja, é uma vitória dos árabes, muçulmanos, o que não é exatamente aquilo que os americanos, ou mesmo os católicos, estão muito dispostos a apoiar (até porque um dos vilões mais óbvios é o bispo católico, que vive disparando asneiras). Para completar o problema, quem estrela o filme é um ator extremamente limitado, Orlando Bloom, que inventaram que era galã, desde O Senhor dos Anéis. Mas o inglesinho é franzino, fala tudo no mesmo tom roço, sem altos ou baixos, sem qualquer expressão épica.

É um grande zero, no meio do filme. Que por ser assinado por Ridley Scott, é muito bem produzido, com um impecável visual, até mesmo nos efeitos especiais. A cidade de Jerusalém antiga é extremamente bem reproduzida (já me pareceu um upgrade de filmes anteriores), assim como é de bom-gosto toda a reprodução de época no Marrocos atual. A fotografia mantém o padrão de qualidade, enfim tudo esplêndido e espetacular. Mas há outras razões porque o filme não deve estourar. Pela própria temática, ele é violento (o que deve afastar o público feminino), com sangue espirrando ocasionalmente. E o roteiro, em vez de construir a história em cima de uma love story, de um romance, é todo sobre a luta pela conquista de Jerusalém e da Terra Santa. A heroína, feita por Eva Green, do filme de Bertolucci, mal registra. O que mais incomoda é que tudo é narrado por um ponto de vista atual, moderno. Não mostra as coisas como aconteciam ou eram no século XII, mas por uma perspectiva contemporânea, como se fosse um discurso para ajudar o processo de paz no Oriente Médio.

Ou seja, pregando a paz, fazendo o elogio da liderança (que fala sempre em proteger o povo, defendê-lo, quando povo naquele tempo era um conceito relativo, já que haviam escravos e tudo o mais). O roteiro original de William Monahan foi feito e aprovado quando o projeto anterior do diretor (Trípoli) teve que ser cancelado. Mas a sensação que se tem é que estamos numa aula de história com os dados confusos. É verdade que nunca houve um grande filme sobre as cruzadas, ou mesmo sobre os cavaleiros (um conceito que se firmaria depois do século XII). Os melhores foram sátiras, como O Incrível Exército de Brancaleone, de Monicelli, ou o filme dos Monty Python, Em Busca do Cálice Sagrado. O que o script faz é misturar fatos reais com outros, inteiramente fictícios. Existiu realmente Balian de Ibelin (Bloom), que comandou a defesa de Jerusalém, mas não teve romance com a rainha. Realmente houve o Sultão Saladin (que é um grande herói mulçumano e foi mostrado sob um ponto de vista muito positivo) e o rei que sofria de lepra (uma figura que poderia ser forte mas o ator não registra, já que não se vê seu rosto). Mas toda a trama, de um ferreiro francês viúvo, que é reconhecido como filho de um nobre, que está partindo para uma cruzada, tudo isso é fictício. Não que seja ruim de seguir, simplesmente não é empolgante, porque o ator não ajuda, e os melhores aparecem e somem logo (Liam Neeson faz o pai que morre e Jeremy Irons sai logo de cena). Ou seja, este ainda não é o filme definitivo sobre Cruzadas, um tema difícil e distante, que não irá provocar arrepios de emoção nos adolescentes. E observar uma derrota (apesar deles mascararem como vitória, e esconderem o fato de que, quando os cristãos tomaram Jerusalém, provocaram um enorme massacre, incluindo crianças e velhos). Tem boas cenas de batalha, mas deixa muita coisa no ar (por exemplo, o destino do novo rei, que Saladim não quer matar. Que fim levou?), e tem resoluções que não fazem sentido (a rainha colocar no trono o marido de que não gosta, e que sabe que é carniceiro; Balian não aceitando o cargo.Tudo está ali só porque o autor quis, não porque haja lógica).

Enfim, não é um novo Gladiador, muito simplesmente porque não encontraram novo Russell Crowe. E fizeram o roteiro errado.

Por Rubens Ewald Filho