A DONA DA HISTÓRIA

01 de outubro de 2004

"Isto é um filme!”, diz Carolina madura (Marieta Severo). “O que?”, pergunta Carolina jovem (Débora Fallabella). “Isso que a gente vive. A vida é como um filme que se vê no cinema”, completa Marieta.

É assim que começa o brilhante A Dona da História, novo filme de Daniel Filho, que é vida e cinema da melhor qualidade. Provavelmente o melhor filme de sua carreira, mais redondo, mais bem-sucedido do que o anterior A Partilha. Ambos partiram de textos teatrais, mas a peça homônima de João Falcão era bem mais difícil de adaptar, porque foi construída em cima de duas atrizes (Marieta Severo e Andréa Beltrão, que ficou madura demais para repetir a personagem no cinema) fazendo o mesmo papel, Carolina, em duas fases diferentes da vida, jovem e quase cinqüentona. O roteiro para cinema (feito por Daniel, Falcão e ainda a colaboração de João Emanuel Carneiro e Adriana Falcão) dá vida àqueles que antes eram apenas mencionados. Vai mostrando as duas vidas paralelas, a Carolina madura em crise porque os filhos já saíram de casa e agora vai vender o apartamento grande para realizar finalmente o sonho de viajar, e a jovem Carolina, cheia de sonhos, garota de Ipanema, que gostaria de ser uma atriz famosa e tem o difícil privilégio de se defrontar com ela mesma, trinta anos depois. O que pode parecer difícil num resumo, resulta lindamente na tela. Embora seja experimentado diretor de televisão, em momento nenhum Daniel faz novela. É puro cinema. Se dá ao luxo de fazer deliciosas citações (como o primeiro encontro do casal, que emula o de West Side Story), de reciclar canções antigas (até mesmo que Antonio Carlos Jobim fez para outro filme, A Casa Assassinada) e conduz com perfeição um elenco sem falhas (Rodrigo Santoro e Antonio Fagundes interpretam momentos diferentes do namorado-amigo, e Marieta tem o melhor momento de sua carreira).

Mas todos estão bem (até mesmo Fernanda Lima de quem não se esperava muito. Ou nada).

A Dona da História é comédia, é critica de costumes, é bom texto, é muita coisa, mas principalmente um filme de amor assumido. Que Daniel, apropriadamente dedica a seus pais que estão casados há 70 anos. O cínico finalmente se rende ao romantismo. E o resultado é delicioso.

Por Rubens Ewald Filho