FILHAS DO VENTO
 


16 de setembro de 2005

Pouco mais de um ano depois de ser um dos vencedores do Festival de Gramado, estréia finalmente este filme de Joel Zito Araújo. Como muitos devem se lembrar, o Festival estava muito fraco em 2004 (talvez um pouco menos até do que deste ano!) e foi com alegria e júbilo que o filme foi recebido, em particular nos primeiros dez ou quinze minutos, que são indiscutivelmente uma obra-prima. Dava vontade de aplaudir. Que coisa mais brasileira, mais encantadora, mais perfeita. Começando com a esplêndida cena da entrada na Igreja (que já nasceu antológica), depois em toda a deliciosa mineirice do romance das irmãs.

É difícil encontrar um filme brasileiro com interpretações tão notáveis, um elenco tão harmonioso, tão perfeito. Depois, infelizmente dá uma derrapada. Parece-me que foi por causa de problemas de financiamento, de falta de dinheiro, que fizeram com que o filme fosse interrompido e depois retomado já sem as mesmas condições (a gente percebe um desequilíbrio na parte final e principalmente, no confronto final entre as irmãs que deveria ser o clímax da história e que fica um pouco precipitado). O que também pode explicar a curta metragem (será que tiveram que cortar alguma coisa?).

Não se pode julgar o filme que poderia ter sido, mas o que está na tela e ele com freqüência é muito bem sucedido. As melhores atrizes de Gramado só podiam ser as duas grandes Divas, Ruth de Souza e Léa Garcia (até porque o conflito básico é um duelo entre elas). Impossível optar entre as duas, cada uma com seu estilo peculiar, mas trazendo sua história, seu carisma, sua humanidade. E uma das tragédias brasileiras é que ambas não tiveram a carreira que o talento delas merecia. Ruth teve um pouco mais de sorte por estar na Vera Cruz e depois ficar na Globo, mas Lea Garcia nunca foi suficientemente valorizada, depois de estar deslumbrante de vigor e charme em Orfeu do Carnaval (ou Orfeu Negro, um filme que na época os brasileiros receberam muito mal).

Foram precisos esses anos todos para que as duas finalmente tivessem uma chance digna de seus talentos (e por que não mais? Por que não escrevem outros grandes papéis para elas, agora que estão fazendo tantos filmes!?). Enfim, qualquer premiação é injusta e neste caso fica difícil destacar qualquer pessoa de um elenco tão harmonioso. Principalmente quando todos sabem criar personagens críveis, com dimensão, sangue nas veias.

Gosto particularmente do trabalho de Thais Araújo (merecidamente, estrela no cinema e tevê) e Thalma de Freitas que por acaso fazem os mesmos personagens. Quanto ao Milton Gonçalves não há discussão. Ele é um dos melhores atores brasileiros e raramente teve chance de ter um personagem tão bom (o “causo” que ele conta é uma maravilha). E Rocco Pitanga, melhor coadjuvante, tem a simpatia do pai, Antonio Pitanga, mais a figura do galã, pronto para ser confirmado com um grande ator. Também foi premiado Zito como realizador, justamente pela harmonia de seu trabalho, de sua proposta e realização.

Embora conte uma história que sucede com uma família de negros, essa não é a questão ou a trama. Até mesmo porque esse é um dos méritos do filme. Eles são antes de tudo humanos, brasileiros, gente como a gente. E por isso mesmo admiráveis. Acho que é um filme brasileiro que merece ser respeitado e assistido.

Particularmente, gostei muito e algumas cenas e imagens ficarão marcadas na minha retina para sempre.

Por Rubens Ewald Filho

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