FILHAS DO VENTO E O FESTIVAL DE GRAMADO

24 de agosto de 2004

Um dos problemas para um crítico, quando faz parte de um júri como o do Festival de Gramado, é não poder se expressar livremente em nome do sigilo e do suspense. Recusei um convite para comentar uma transmissão da festa de entrega de prêmios por causa disso. Mas gostaria de ter tido a oportunidade de me colocar melhor, principalmente da admiração que eu - e na verdade, todo o júri - teve por Filhas do Vento, de Joel Zito Araujo. É difícil comentar a alegria e júbilo com que o filme foi recebido por nós, em particular nos primeiros dez ou quinze minutos, que são indiscutivelmente uma obra-prima. Que coisa mais brasileira, mais encantadora, mais perfeita. Começando com a esplêndida cena da entrada na Igreja (que já nasceu antológica), depois em toda a deliciosa mineirice do romance das irmãs. É difícil encontrar um filme brasileiro com interpretações tão notáveis, um elenco tão harmonioso, tão perfeito. Justamente por isso ficou até difícil conceder os prêmios. Uma saída talvez fosse dar um prêmio coletivo. Mas, de certa maneira, não destacaria os nomes com o devido respeito.

Optamos, então, por uma estratégia realmente planejada. Equilibrada (respeitando também as qualidades do outro filme, Vida de Menina). As melhores atrizes só podiam ser as duas grandes divas, Ruth de Souza e Léa Garcia (até porque o conflito básico é um duelo entre elas). Impossível optar entre as duas, cada uma com seu estilo peculiar, mas trazendo sua história, seu carisma, sua humanidade. Poderíamos premiar como coadjuvantes as outras presenças femininas do elenco, que são igualmente competentes e marcantes. Mas preferimos destacar Thaís Araújo (mesmo já sendo uma estrela no cinema e TV) e Thalma de Freitas, até porque nos pareceu coerente o fato delas fazerem os mesmos personagens das protagonistas. Assim demonstrávamos como haviam sido bem desenvolvidas estas personagens.

Quanto ao Milton Gonçalves não houve sequer discussão.

Ele é um dos melhores atores brasileiros e raramente teve um personagem tão bom (o causo que ele conta é uma maravilha). E Rocco Pitanga, melhor coadjuvante, tem a simpatia do pai, mais a figura do galã, pronto para ser confirmado como um grande ator. Também fizemos questão de premiar Zito como realizador, justamente pela harmonia de seu trabalho, de sua proposta e realização.

Em momento algum houve condescendência ou paternalismo; o fato de serem atores negros nem sequer foi levantado. Até mesmo porque esse é um dos méritos do filme.

Eles são antes de tudo humanos, brasileiros, gente como a gente. E por isso mesmo admiráveis.

Qualquer outra explicação para a premiação não tem justificativa ou razão de ser, embora não possa esconder uma certa satisfação com o fato de que Zito tenha conseguido fazer um filme como esse, que deu chance para ver brilhar tanta gente que nós admirávamos.

PS: Deixando mais claro, mas um pouco fora de contexto. A premiação foi planejada sim. Mas no equilíbrio (no fato de cada um deles ter recebido cinco prêmios, Filhas e Vida), em lembrar de O Quinze no que tinha de melhor, e de Araguaya, no resgate e na parte técnica.

Por Rubens Ewald Filho