06
de julho de
2005
Achei
muito infeliz a atitude da Paramount internacional, bloqueando
o acesso dos críticos e jornalistas ao filme, obrigando-os
a assinar um compromisso que os impedia de criticar o filme antes
de sua estréia mundial, numa quarta-feira (um impedimento
que não teria valor jurídico, já que o papel
de nada valeria). Esse tipo de atitude pode ser comum nos EUA,
mas aqui cheira a censura e arrogância, provocando revolta
dos críticos que reclamaram e, no final das contas, os
que foram e assinaram o documento tiveram os papéis rasgados
ao final da sessão. Não fui porque não iria
assinar. E assisti ao filme em sessão comum de matiné,
no Jardim Sul (onde havia quatro salas exibindo-o, portanto a
platéia sempre era pequena. A retaliação
da produtora seria impedir o acesso dos jornalistas rebeldes
a entrevistas e material de futuras estréias!). A suspeita
que ficou foi não apenas de que Tom Cruise enlouqueceu
(que era já um processo progressivo, que tentaram esconder),
e poderia ter sido mesmo ele que criou a proibição.
Mas há outra hipótese mais provável: a de
que perceberam que o filme era ruim e tentaram escondê-lo,
o que é a prática mais antiga do mundo. Como a
Paramount estava sob nova chefia, ousaram fazer isso com conseqüências
imprevisíveis. Eles esquecem de que hoje não precisam
dos jornalistas, mas que amanhã isso pode suceder, quando
necessitarem de promoção para filmes menos comerciais
e com menos verba de marketing.
E como
poderão pedir favores? Se bem que toda essa especulação
seja um pouco particular, é curiosa porque ilustra uma
anti-técnica de marketing. É exatamente assim que
não se deve vender um filme, ainda mais de Spielberg.
As primeiras indicações confirmam que o público
gosta menos ainda do filme do que os críticos (que se
mostraram respeitosos diante de tantos efeitos especiais e mesmo
pelo fato da fita ter sido realizada às pressas. Como
os mais informados sabem, o filme foi concebido quando Missão
Impossível III foi mais uma vez adiado e Cruise
tinha uma folga. E as filmagens começaram apenas sete
meses antes da estréia, ao custo de 128 milhões
de dólares, o que é uma loucura para uma fita com
tantos efeitos). Enfim, já diz a sabedoria popular que
feito às pressas sai errado.
A minha
primeira impressão, e suspeito que de muita gente, é sentir-me
traído. Fui daqueles que me entusiasmei, e vibrei, e me
emocionei com Contatos Imediatos do Terceiro Grau e
ET,
os dois filmes onde Spielberg falava de Extraterrestres benevolentes
e simpáticos, propondo uma paz universal, indo justamente
contra a tradição do gênero Ficção
Científica, que fora criada por H. G. Wells neste livro
Guerra dos Mundos, que era do invasor agressivo e sem
face, cruel e impiedoso. Por que ele mudou de idéia e
resolveu fazer esta nova versão? (houve uma série
de TV, e antes disso um filme clássico de 53, com Gene
Barry e Ann Robinson - que fazem brevíssima aparição
na porta da casa da família em Boston, que por sinal está saindo
em DVD de banca). Ainda mais usando um roteiro que dá tão
poucas explicações (os ETs não falam, a
conclusão é dita em voz off por Morgan Freeman,
e tem gente que não a entende direito), e tem tantos defeitos
(veja mais adiante). Por que voltou atrás e caiu no lugar
comum? Não importa, e nem se discute que ele tem competência
para realizar cenas de efeitos especiais, e algumas são
espetaculares. Mas a gente tem a sensação que Independence
Day já mostrou isso e melhor (ao menos mais satisfatoriamente).
Sem esquecer que houve também aquela lendária versão
para rádio de Orson Welles em 40, que paralisou o país
e criou pânico, criando, portanto, sua onda de imitações.
Para que mexer de novo num projeto que já nasceu velho?
Outro fator que não se pode desprezar é que o filme
chega depois do 11 de setembro e da destruição
em massa que deixou de ser fantasia, para se tornar dura possibilidade.
Tanto que, por duas vezes, os filhos perguntam: é ataque
terrorista? (mostrando a ignorância americana, o adolescente
ainda insiste, isso é coisa de europeu?). Ou seja, tudo
aquilo deixa, mesmo que inconscientemente, um sabor amargo na
boca.
Mas
o problema é basicamente do roteiro, creditado a
Josh Frieman (que tem como crédito apenas o fraco Reação
em Cadeia). Ele cria um personagem chato e tolo para Tom
Cruise, que pela primeira vez faz o pai de um adolescente, mas
para conservar
seu tipo, ele se torna outro dos pais ausentes das fitas de Spielberg.
Não é respeitado pelos filhos, não sabe
lidar com eles (a esposa Miranda Otto é vista em duas
cenas apenas e nada é desenvolvido. A filha, que é interpretada
pela excelente Dakota Fanning, é dada a ataques de pânico
e já começa histérica, de forma que não
tem para onde ir, ao final está muda e em choque, o que é uma
resolução muito fraca para um personagem tão
importante, o maior feminino). Quando ao teenager, tudo é ainda
pior: não apenas o ator é fraco, como se comporta
de maneira completamente tola (a resolução de sua
história é ainda mais absurda, e a pílula
mais difícil de engolir de todo o filme).
Ou
seja, fizeram um filme sobre ETs agressivos e não muito inteligentes
(afinal para uma invasão dessas, mesmo que não
dêem explicações, seria lógico que
uma civilização supostamente tão adiantada
fizesse pesquisa antes sobre a Terra. E nunca ficamos sabendo
porque eles agem daquele jeito, exterminando tudo e usando sangue
humano como fertilizante). E não há personagens
paralelos. Tudo é centrado em Cruise e os dois filhos
(todos os outros são incidentais e não deixam marca,
nem mesmo um casal brasileiro que seria vizinho do herói).
Mas mesmo ele e os filhos são especialmente burros, tomando
sempre as decisões erradas, agindo como bichos assustados.
Cruise, depois de testemunhar a primeira aparição
do monstro saído da terra, foge para casa e escapa de
carro com os filhos malcriados em direção a Boston,
onde estaria a mãe deles. Falando assim parece que o filme é um
desastre. Nem tanto. As
cenas de ação são
muito bem feitas e já valem o ingresso (o primeiro ataque
na rua, depois a batalha no rio e depois a batalha campal), há momentos
de bastante suspense (a antena do Monstro procurando no porão,
onde eles se refugiaram junto com um fazendeiro extremista, feito
por Tim Robbins). O problema é que tudo se resolve rapidamente
demais, sem aproveitar direito a ironia da conclusão (que é a
mesma do livro).
Ou
seja, apenas uma fita razoável, que comprova a decadência
de Spielberg, infeliz na escolha de projetos e nesta parceria
com Cruise (que não está nos piores dias como ator,
apesar do personagem tão infeliz).
Ele
não podia renegar tudo que construiu de uma forma
tão ligeira e leviana, simplesmente realizando um filme
para ganhar dinheiro e satisfazer o amigo Cruise. Traindo a si
mesmo, traiu seu público.
Por Rubens Ewald Filho
|