28
de agosto de 2003
O
Início
O Cinema
nasceu como diversão de feira de parque de diversões
popular e só passou a ser considerado Arte em meados do
século vinte, na segunda década, mais precisamente
depois do reconhecimento às obras de Charles Chaplin,
quando seu personagem Carlitos conseguiu sucesso mundial, inclusive
dos intelectuais. Foi chamado desde então de Sétima
Arte, tomando seu lugar ao lado da Arquitetura, Dança,
Literatura, Teatro, Música e Pintura. Curiosamente aproveitando
um pouco de cada uma delas (utiliza textos quase teatrais ou
literários, formação pictórica como
na pintura, tem sempre música e com freqüência
dança). Já não se discute mais essa posição
do cinema, já que ele reúne os requisitos fundamentais:
passar uma emoção estética através
de uma determinada sensibilidade. Ainda que, em cinema, estejam
envolvidos muito mais criadores. Um pintor precisa de uma tela,
um músico de seu instrumento para realizarem sua arte,
o cinema para existir movimento um exército de pessoas, é uma
arte coletiva e colaborativa, em geral sob as ordens de duas
pessoas que são as forças criativas, o produtor
e o diretor, responsáveis em última análise
pelo que se vê na tela. Por isso, para sobreviver, o cinema
precisa ter uma infra-estrutura industrial (equipamentos, estúdios,
laboratórios de som e imagem), o que sem dúvida
o torna a mais complexa das artes e a arte do século vinte
por excelência.
De
todas as Artes, o cinema é a única que tem uma
data de nascimento: 1895. Embora nem todos concordem com isso,
foi convencionado se considerar como seu nascimento oficial a
primeira apresentação que os Irmãos Lumiére,
Louis e Auguste, por iniciativa do pai deles, Antoine, fizeram
no salão indiano do Grand Café, de Paris, em 28
de dezembro, quando apresentaram ao público sua invenção,
o kinematographo (vindo do grego, significando registro da imagem).
Era uma sessão de cinema como se conhece hoje, com platéia,
tela, projetor. Os filmes eram curtas documentários feitos
pelos Lumiére em sua fábrica em Lyon e embora muito
simples, tiveram grande repercussão. Constavam desse o
primeiro lote a saída das Usinas Lumiére (os empregados
saindo do trabalho), a chegada do trem na Estação,
a comédia O Regador Regado (L'Arroseur Arrosé),
um piada em que um homem tenta regar o jardim, mas o fluxo da água é interrompido,
quando ele vai olhar porque olhando para a torneira, fica todo
molhado. A experiência foi um sucesso e em 1897 abriria
em Paris na Porte Saint Denis, o Cinema Lumiére, talvez
a primeira sala do mundo. Não deixa de ser também
sintomático e poético que os inventores oficiais
do cinema se chamassem Lumiére (em francês, Luz).
Na
verdade, durante séculos, inúmeras experiências
anunciavam a chegada do cinema, porque já se sabia do
defeito da vista humana, a persistência da imagem da retina,
que permitia a impressão de um movimento continuo, principio
básico do cinema. No Oriente existiam os teatros de Sombras
(uma série de projeção de vidros transparentes
que serviam para contar histórias e as vezes eram associadas
a magia ou até mesmo bruxaria porque fascinava e assustava
os espectadores). No século 13, na Europa surgiu a Câmera
Obscura, embrião da câmera fotográfica, a
Maquina de Metamorfoses do jesuíta alemão Athanasius
Kircher (1601 1680) e a Lanterna Mágica, criada em 1659
pelo holandês Christiaan Huygens (1629 1695). Houve também
os diversos aparelhos em forma de esfera, ou seja, redondos,
que levaram nomes diversos (Diorama, Panorama, Georama) que levavam
os espectadores a se colocarem no centro de grandes bolas onde
eram projetados pinturas ou desenhos. Havia outra tendência
paralela: os aparelhos que faziam o espectador olhar através
de lentes enquanto se sucediam uma série de imagens, desenhos
ou fotos que giravam rapidamente dando a impressão para
a vista humana de um movimento continuo. Foi Thomas Alva Edison
(1847 1931), o inventor americano da luz elétrica, fonógrafo,
microfone e telégrafo, indiscutível gênio
(teve mais de mil patentes) que criou em 1894 o kinetoscópio,
uma caixa de madeira na qual uma película de 35 milímetros
perfurada gira numa sucessão de fotos sucessivas que dão
a impressão de movimento continuo. A invenção
prenunciava o cinema dos Lumiére, com a diferença
de que as imagens não eram projetadas, apenas vistas individualmente,
quase como se fosse algo clandestino. Isso levou o cinema nos
EUA a ser diversão de parque de diversões, porque
Edison não parecia ver futuro nele. Um dos poucos erros
desse homem brilhante.
Ainda
assim não é possível dizer que urna
pessoa tenha inventado o cinema, já que várias
experiências aconteciam paralelamente em diversas partes
do mundo. Todos brigando entre si, lutando pelo registro de patentes,
o que provocaria nas décadas seguintes uma prolongada
luta por direitos de invenção.
A
Primeira Década e a Guerra Industrial
A invenção
dos Lumiére se espalhou rapidamente
e fez sucesso em todos os lugares do mundo, criando uma demanda
para o novo produto (os cinegrafistas passaram a viajar pelo
mundo registrando para a posteridade de imagens reais - na época
se diziam “naturais”! - de lugares remotos ou reis
e rainhas distantes). Embora alguns já pensassem no aperfeiçoamento
técnico (na Exposição Universal de 1900
apareciam já experimentos com a cor, as telas gigantes...)
a disputa era mesmo para ver quem ficava com o dinheiro das patentes
(cada inventor local tentava registrar como sua as máquinas
criadas, usando os mesmos princípios de Edison e dos Lumiére).
Mas em 1909 já se aceitava como padrão o filme
de trinta e cinco milímetros usado por Edison, enquanto
a Casa Kodak americana, fundada por George Eastman (1854 1932),
foi quem criou o filme em película de nitrocelulose. Industriais
importantes corno Charles Pathé (1863 1957) e Léon
Gaumont (1863 1946), ambos na França, davam uma dimensão
de grande negócios a indústria do cinema.
Mas
o que nos interessa é o desenvolvimento artístico
do cinema. E nesses primórdios alguns nomes não
podem deixar de ser citados:
Irmãos
Lumiére - Eles faziam um cinema basicamente
documentário, mas ao enviar cinegrafistas ao mundo inteiro
em busca de imagens exóticas formaram técnicos
que viraram produtores e distribuidores. Mas logo perderiam seu
lugar para Charles Pathé.
Georges
Mélies (1861 - 1938) - Num extremo oposto surgiu
este diretor francês, considerado como o pai da arte cinematográfica,
o criador da chamada “mise en scéne” (palavra
francesa usada antes para teatro, se referindo a maneira em que
um diretor encena, marca, coloca literalmente em cena um texto
ou uma idéia). Foi o primeiro cineasta a se considerar
um artista. Não era nada documental , encenava suas fitas
como grandes peças teatrais, assumindo a fantasia, a estilização
como no seu filme mais famoso, a “Viagem a Lua”,
de 1902. Mas seu final foi triste, coberto de dívidas,
ficou arruinado em 1914, a maior parte de seus filmes se perdeu
e ele só foi redescoberto pouco antes de sua morte.
Ferdinand
Zecca (1864 - 1947) - Foi um dos pioneiros do cinema francês
que começou imitando Meliés trabalhando
para a Pathé. Mais comerciante que artista.
Edwin
S. Porter (1869 - 1941) - Um dos grandes pioneiros do cinema
americano, realizador
do primeiro grande filme de faroeste que
também foi um dos primeiros filmes narrativos (que contavam
uma história), o famoso “O Grande Roubo do Trem” (The
Great Train Robbery, 1903). Ex vendedor de filmes, cinegrafista
de Edison, dirigiu desde 1899, lançando Griffith no cinema
como ator em 1907. Em 1912, associado a Adolph Zukor, criou a
produtora Famous Players, rodando filmes em Nova York, entre
seus maiores sucessos contratando então a maior estrela
do cinema mudo, Mary Pickford. Abandonou o cinema em 1915. Já experimentava
com o Cinema em Terceira Dimensão e o Cinema Falado. Griffith
e a Linguagem Cinematográfica
Não se pode dizer que David W. Griffith (1875 1948) seja
o criador da linguagem cinematográfica, mas certamente
ele é o pai do cinema conforme conhecemos hoje. Outros
experimentaram antes como a forma de contar uma história
(usando planos gerais, depois closes - planos próximos
-, montagens paralelas, elipses etc.) mas ninguém como
ele sintetizou tudo isso e lhe deu um entendimento universal.
São convenções que foram evoluindo com o
tempo de tal maneira que um selvagem, alguém que nunca
viu cinema, se assistisse um filme atual não entenderia
muita coisa. É que o espectador moderno foi se acostumando
com certas maneiras de contar uma história (como o principio
do chamado flash back, uma volta ao passado. Antigamente era
preciso se mostrar o rosto da pessoa com a imagem se desfocando
de alguma forma para se entender que ela está relembrando
alguma coisa. Hoje em dia, pela própria maneira de contar
a história, já dá para perceber se é passado,
presente ou imaginação) .
Griffith se formou como diretor entre 1908 e 1913, período
em que rodou cerca de 450 filmes de uma bobina (menos de dez
minutos) de todos os gêneros. Em 1915, realiza o primeiro
grande filme, “Nascimento de Uma Nação”/ “Birth
of a Nation”, um grande épico que mostra a Guerra
da Secessão americana pelo ponto de vista dos sulistas,
fazendo o elogio da Ku Klux Klan (organização racista
que defende a supremacia da raça banca perseguindo negros,
que no filme eram feitos com brancos pintados com o rosto de
negro). Por isso, o filme hoje em dia deve ser visto com certo
cuidado. Isso porém não lhe tira o mérito
de ter sido um triunfo popular (durante anos considerado o filme
de maior bilheteria de todos os tempos ), de enorme influência
(criou o hábito do filme de longa metragem, suas inovações
na linguagem cinematográfica foram muito imitadas). Griffith
depois iria ainda mais longe no tamanho da produção
com “Intolerância” (1916), com cenários
gigantescos, milhares de figurantes e uma história complexa
contada de forma paralela quatro tramas diferentes, três
com episódios históricos (A Noite de São
Bartolomeu, Paixão de Cristo, A Queda da Babilônia)
e outro contemporâneo, todos falando de alguma forma de
intolerância e pregando o pacifismo (Griffith teria sido
influenciado pelo filme italiano “Cabiria”, de Giovanni
Pastrone, que contava histórias de halterofilistas heróicos
). Só que o filme foi um grande fracasso e provocaria
a progressiva decadência do diretor. Ele ainda seria um
dos fundadores da produtora United Artists (Artistas Unidos),
junto com o casal Mary Pickford e Douglas Fairbanks e mais Charles
Chaplin, uma tentativa dos astros em controlarem seu destino,
também produzindo e distribuindo seus próprios
filmes. Mas acabaria na miséria e esquecido. De qualquer
forma, a estrutura narrativa que ele inventou serviria a seguir
como modelo para o cinema clássico de Hollywood.
(continua...)
Por Rubens Ewald Filho
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