14
de novembro de
2003
AS
ESCOLAS E MOVIMENTOS CINEMATOGRÁFICOS - 3
McCarthismo
No
final da Segunda Guerra, o mundo se dividiu em dois grandes blocos:
um ocidental, liderado pelos Estados Unidos; outro oriental,
dominado pela União Soviética. Durante a luta contra
os nazistas, Estados Unidos, Inglaterra, França Livre
e outros aliados (inclusive o Brasil, apesar de ser dirigido
por um ditador, Getúlio Vargas) se uniram à União
Soviética, mas sem nunca imaginar a brutalidade do ditador
Stalin (responsável pela morte de milhões de pessoas).
Enquanto os outros países, que acabaram de ser desocupados
pelos nazistas, foram tomados pelos comunistas, criando a chamada
Cortina de Ferro, que dominou durante décadas a Europa
Oriental e metade da Alemanha.
Terminada
a guerra tradicional, começava a chamada Guerra
Fria, uma luta de espiões, propaganda, armas sujas e onde
valia tudo.
Durante
o tempo em que Hollywood era aliada dos russos, alguns filmes
(poucos) foram produzidos para promover a amizade entre
os dois países, eram geralmente românticos, mostrando
o lado bom do povo ("A Canção da Rússia",
de Gregory Ratoff, 43; "A Estrela do Norte", 43, de
Milestone). Quase sempre escritos por roteiristas que haviam
pertencido ao Partido Comunista. Acontece que nos anos trinta,
muitos intelectuais haviam se inscrito no Partido Comunista porque
parecia ser um lugar de luta por melhores condições
de vida para a sociedade. Mas, muitos deles depois se afastaram
e não aceitavam as ordens do Partido. Entretanto, o registro
ficou para atormentá-los.
Quando
começou a Guerra Fria, todo mundo que tinha uma
ligação com os comunistas passou a ser suspeito.
Ainda em 47, houve uma tentativa de membros do Congresso americano
de investigar a chamada infiltração comunista em
Hollywood. Então, um movimento liderado por Bogart, Edward
G. Robinson e outros, conseguiu abafar seu impacto. Mas, por
pouco tempo. Logo depois, surgiu um político demagogo
e perigoso, chamado Joseph McCarthy (1905-1957) que resolveu
ficar famoso perseguindo os possíveis comunistas. Liderou
uma comissão que convidava certas pessoas a depor e denunciar
os colegas. Os que se recusassem poderiam ir para a prisão
por ofensa ao governo. Era uma situação sem saída,
que passou para a história como o período negro
do McCarthismo ou a Caça às Bruxas.
Por
pressão dos políticos, os estúdios foram
obrigados a fazer listas negras, impedindo os suspeitos de trabalhar
(mas, sem receberem explicações), ou até listas
cinzentas (os acusados não podiam ser contratados só porque
podiam ter uma vaga ligação com alguém que
tinha sido comunista).
Alguns
roteiristas recusaram prestar depoimento e acabaram na cadeia
(conhecidos como Os Dez de Hollywood). Outros, aceitaram
depor e renegar o passado, como o diretor Edward Dmytryk, Elia
Kazan (que até hoje é perseguido pelos ex-amigos
por isso) e o ator Sterling Hayden. Entretanto, ser delator não
era uma coisa bonita nem bem aceita. A carreira deles foi reiniciada,
mas ficou marcada para sempre.
Outros
atores, abraçaram a causa nacionalista de braços
abertos (como Ginger Rogers e sua mãe, professora de arte
dramática, Robert Taylor, Gary Cooper e Adolphe Menjou),
muitos ficaram sob suspeita (Lucille Ball e Robinson) e dezenas
tiveram sua carreira estragada, tendo que ir procurar trabalho
na Broadway (como Zero Mostel, Gale Sondergaard, Marsha Hunt,
John Garfield, que morreu de enfarte diante das presões,
etc.) ou morar no exterior (como Joseph Losey, Jules Dassin e
Vincent Sherman).
Mais
grave foi o caso dos roteiristas, como Dalton Trumbo, Adrian
Scott e Ring Lardner, que faziam parte dos Dez de Hollywood.
Sem poder assinar seus trabalhos, trabalhavam com pseudônimos,
ganhando menos, porém sobrevivendo. A caçada terminou
de forma ridícula, com o senador McCarthy sendo desmascarado
como vigarista e censurado pelo próprio Senado, em 54.
Mesmo assim, a lista permaneceu. Dalton Trumbo ganhou um Oscar
ao escrever com pseudônimo o filme The "Brave One" (Arenas
Sangrentas, 56). Ninguém foi ao palco receber o prêmio.
A farsa só acabou, quando Kirk Douglas resolveu dar o
crédito a Trumbo, no filme "Spartacus", em 1960.
Mesmo assim, só em 97, é que foram restaurados
e corrigidos os créditos dos roteiristas que escreveram
sem poder assinar, sob o controle da Lista Negra. O nome Caça às
Bruxas vem de uma relação com a época em
que se perseguiam bruxas na região de Salem, na Nova Inglaterra,
provocando histeria e todos passavam a se acusar mutuamente sem
provas. Como disse, Trumbo antes de morrer, durante o McCarthismo,
não houve heróis, nem bandidos, somente vítimas.
Nouvelle
Vague
A França sempre foi vista pelos americanos com respeito
intelectual. Os países foram aliados durante a Guerra
da Revolução e parceiros na defesa dos Direitos
do Homem, proclamados na Constituição Americana
e, logo depois, na Revolução Francesa. Através
do cinema, Hollywood demonstrou frequentemente o amor e respeito
pela inteligência e percepção francesa. Por
outro lado, os franceses sempre foram apaixonados pelo cinema,
tratando-o com respeito e carinho de arte.
Na
França, foi criada a primeira Cinemateca do Mundo,
organizada por Henri Langlois, que tinha a mania de guardar todo
e qualquer filme. Vendo filmes de todos os tipos na Cinemateca
francesa, foi possível se criar um admirador de cinema,
o chamado cinéfilo, que admira as estrelas, mas gosta
também dos diretores, dos grandes criadores e tem uma
curiosidade insaciável em saber como e porquê foram
feitos os filmes (não confundir com cinófilo, que é criador
de cachorros).
O
cinema francês dos anos cinqüenta, depois de ter
sobrevivido à ocupação nazista, continuava
ainda com os mesmos nomes de prestígio de sempre, fazendo
um cinema artificial e bem-comportado, que os críticos
passaram a chamar de "cinema de papai". Uma
crítica nem sempre justa, porque existiam cineastas
talentosos que faziam belos filmes, como René Clement
e Jean Dellanoy. Mas as mudanças começaram a surgir
a partir de uma revista chamada Cahiers du Cinéma (Cadernos
de Cinema). Nela
se reuniram, nos anos cinqüenta, depois do mentor André Bazin,
um grupo de jornalistas apaixonados pelo cinema americano: François
Truffaut, Jean-Luc Godard, Claude Chabrol, Bertrand Tavernier,
Jacques Rivette e Eric Rohmer (todos cineastas consagrados).
Através desta revista, os jornalistas criaram uma tese
chamada "teoria dos autores". A idéia era a
de que que toda obra cinematográfica, tinha sempre por
trás uma personalidade forte, ou seja a autora da idéia
fundamental, que levava o projeto até o fim. Essa figura
poderia ser um diretor, um produtor e, em certos casos, até mesmo
um ator (como Buster Keaton, que nunca assinava suas fitas).
O fundamental era que a personalidade forte ficasse marcada no
resultado final, mesmo que outros mexessem ou interferissem.
Mostravam
como exemplo disso Orson Welles e sua obra-prima, "Cidadão
Kane", um filme que era essencialmente um trabalho de autor.
E assim escolhiam seu panteon de favoritos, considerando como
grandes cineastas John Ford, Alfred Hitchcock, Jean Renoir, Howard
Hawks e muitos outros, que haviam sido desprezados ou esquecidos
por Hollywood e nem mesmo se consideravam artistas. No Cahiers,
se fez a revisão do cinema americano, sem preconceitos
e com certo distanciamento. Foi importante que durante a Guerra
não pudessem ser exibidos os filmes americanos na França.
Eles só vieram depois, em ordem irregular ("E
o Vento, Levou", só foi passado em 46). Isso acabou dando
uma visão distanciada aos críticos, que descobriram
personalidades e autores, não reconhecidos pela crítica
americana comercial e comprometida.
Os
autores podiam ser produtores (como Val Lewton), realizadores
de fitas B (como Joseph Lewis) e nada consagrados. Valorizavam
até mesmo os musicais de Vincente Minnelli e Arthur Freed,
desprezados como lixo pelo resto da crítica mundial. O
fundamental era o seu empenho pessoal e artístico. Para
o Cahiers, o autor por excelência deveria fazer tudo: escrever
a história, o roteiro, dirigir e escolher os atores, fazer
a montagem e supervisionar o resultado final, ainda que com ajuda
de colaboradores.
E foi assim que fizeram. Em 1959, autores começaram a
estrear na direção com filmes notáveis e
revolucionários. Truffaut, que havia sido delinqüente
juvenil e foi salvo pelo cinema, fez o belo "Os Incompreendidos" (Les
400 Coups), iniciando uma carreira que misturou autobiografia
e imitações de Jean Renoir e Hitchcock. Jean Luc
Godard se inspirou nas fitas B policiais da Monogran - a mais
pobre das produtoras americanas - para realizar "Acossado" (A
Bout de Souffle), com o novo astro imitador de Bogart, Jean Paul
Belmondo, ao mesmo tempo, que quebrava todas as regras da gramática
cinematográfica. Chabrol se revelou um grande contador
de histórias (e o mais prolífico deles), a partir
de "Nas Garras do Vício" e "Os Primos".
No mesmo momento, novos cineastas também estreavam e acabaram
sendo absorvidos pelo movimento, sendo também considerados
do grupo, notadamente o documentarista Alain Resnais ("Hiroshima
mon Amour", com roteiro de Marguerite Duras, experimentava
com o tempo, a memória e a narrativa) e Louis Malle (que
fazia cenas de amor ousadas, em "Os Amantes", com sua
então mulher e musa do movimento, Jeanne Moreau). Até mesmo
o comercial Roger Vadim, que havia revelado sua mulher, Brigitte
Bardot, com "E Deus Criou a Mulher", sucesso mundial,
acabou também na onda.
O
movimento foi batizado de Nova Onda/Nouvelle Vague e acabou tendo
sucesso até comercial, com vários outros
cineastas estreando e fazendo filmes pessoais. Os mais talentosos
prosseguiram em belas carreiras, mas o importante foi que suas
idéias tiveram incrível repercussão em todo
o mundo. Quando o sistema de estúdios desabou, acabou
a figura do chefe de produção, os chamados "moguls",
tiranos, porém que gostavam de cinema. Em seu lugar, entraram
os agentes ou advogados, que estavam mais preocupados com negócios
do que com o produto artístico. Eram homens de marketing,
não de cinema. E com o tempo, Hollywood, teve que aceitar
e absorver os cineastas de uma nova geração, os
quais saíram de escolas de cinema e eram também
autores. Gente como Coppola, Scorsese, Spielberg, Lucas... que
tinham uma visão particular do mundo. Eram autores, como
o Cahiers queria.
Por
outro lado, a reavaliação do cinema americano
que eles fizeram, ainda hoje é aceita como a mais inteligente
e oportuna já realizada (ainda que os americanos não
admitam até hoje, o talento do comediante Jerry Lewis,
que os franceses admiram). Mesmo recentemente, a crítica
francesa tem descoberto cineastas americanos menosprezados em
sua terra (como fizeram com Clint Eastwood).
Free
Cinema
Enquanto
a Nouvelle Vague fazia sucesso na França, acontecia
na Inglaterra um movimento paralelo ainda que de menor influência,
o chamado Free Cinema (Cinema Livre). O Cinema britânico
sempre foi altamente voltado para a América, fazendo filmes
pensando no mercado americano (como aconteceu com o produtor
Alexander Korda, responsável por vários super espetáculos).
Ou então, imitando Hollywood, criando seu próprio
sistema de estrelas, através da Organização
J. Arthur Rank (exibidor que virou produtor, usando como marca
o halterofilista Charles Atlas batendo um enorme gongo). Esses
filmes criaram personalidades famosas na Grã-Bretanha
(o maior astro era Dirk Bogarde, que mais tarde se revelaria
em fitas de Visconti e Losey, excelente ator), mas viajavam mal.
Melhor
recebidas eram justamente as fitas bem inglesas, em geral, comédias até de humor negro. Sátiras, quase
sempre feitas pela produtora Ealing, estreladas por Alec Guiness,
que podia fazer parte de quadrilha que tentava matar velha ("Quinteto
da Morte"), ou roubar pequenas torres Eiffels de ouro ("O
Mistério da Torre"), ou fazer tecido indestrutível
("O Homem do Terno Branco") ou vários papéis
("As Oito Vítimas").
De
qualquer forma, até o fim dos anos cinqüenta,
o cinema britânico era convencional, formal, super censurado
(até hoje ainda existe censura no país) falando
de ricos e ignorando a classe trabalhadora. Uma revista de cinema
chamada Sight & Sound, passou a ter influência e propor
um cinema mais livre, se inspirando também num movimento
teatral contemporâneo, chamado Young Angry Men (os jovens
raivosos). Liderados por John Osborne, esses dramaturgos começaram
a contar histórias sobre operários, gente pobre,
marginais da vida. Ou mesmo, pessoas comuns enfrentando dramas
do cotidiano, nada nobres e suas frivolidades.
Foi
assim que surgiu um grupo de cineastas de talento, que fizeram
sucesso, mesmo sem nunca ter realmente formado uma autêntica
escola. Destacaram-se Lindsay Anderson ("This Sporting Life", "If"),
Tony Richardson ("Odeio Esta Mulher", "As Aventuras
de Tom Jones"), John Schlesinger ("Darling", "Ainda
Resta uma Esperança"), Karel Reisz ("Isadora", "Tudo
Começou num Sábado"). Eventualmente, eles
se renderam às produções americanas. O que
também aconteceu com a geração seguinte
de cineastas ingleses, todos eles surgidos do cinema publicitário
(reputado o melhor do mundo). Com um visual muito forte, de contra
luzes, exemplificado nos trabalhos dos irmãos Ridley e
Tony Scott. Nesta linha, surgiram cineastas como Alan Parker,
Adrian Lyne, John Pytka ("Space Jam").
Easy
Riders
O cinema
americano dos anos cinqüenta foi tão bem
comportado e conservador quanto a década. E continuou
assim até a metade dos anos sessenta, produzindo super
espetáculos musicais baseados em shows da Broadway (decorrência
do sucesso de "A Noviça Rebelde", 65, de Robert
Wise) ou filmes sem maior impacto. Mas a partir de 68, a situação
mudou com a explosão da Contra Cultura, do movimento Hippie
(faça amor não faça a guerra), a oposição
estudantil à guerra do Vietnã, os shows de rock
e os protestos de maio de 68 na França que repercutiram
em toda parte.
Foi
quando Hollywood teve que mudar. Perdidos, sem saber que caminho
tomar, eles descobriram, por pesquisas, que o novo e
grande público do cinema moderno era o jovem. Os com menos
de trinta anos iam mais ao cinema e gostavam de outro tipo de
tema. Não havia mais um único público, mas
públicos diversos e com gostos diferenciados. Haviam os
negros urbanos (os que mais freqüentavam o cinema) que foram
contemplados com os seus próprios heróis e temas,
a partir de Shaft e outros personagens de fitas policiais. Havia
o público feminino (desde então, é a mulher
quem escolhe o filme que irá ver com o namorado no fim
de semana, tendo preferência por comédias leves
e dramas românticos. Em geral, estrelados por galãs
bonitos e atraentes).
E
havia o público masculino, aficionado nos filmes de
ação de todos os tipos, sejam os mais elaborados
até os de artes marciais (chamados então, de kung
fu). Mas,
jovem gostava mesmo era de fitas de terror, que por causa disso
tomavam novo alento. Gostavam também de ver seus
problemas retratados na tela, de preferência por um novo
tipo de astro, menos glamuroso, mas parecido com eles, fosse
com cara de latino (Robert De Niro, Al Pacino, Dustin Hoffman;
os três muito parecidos, embora o último seja judeu
e os outros italianos), fosse até de típico americano
(como Jane Fonda e Robert Redford). Foi a "Primeira Noite
de um Homem" (The Graduate, 67) que revelou a existência
do público jovem, mas não exatamente adolescente,
exigindo temas contemporâneos.
Foi
assim que os estúdios se abriram para uma nova geração
já formada nas escolas de cinema e que penaram para aprender.
Francis Ford Coppola começou dirigindo fitas de mulheres
nuas, os chamados nudies. Depois, fez uma fitinha modesta para
Roger Corman. Aliás, este, produtor de filmes B para serem
exibidos em drive-in (cinemas ao ar livre, onde as pessoas assistem
o filme dentro de um carro, que pode servir também para
namorar. Em geral, preferem fitas de ficção científica,
terror, nada intelectualizadas). Foi Corman quem deu a primeira
chance para muitos cineastas importantes como Martin Scorsese,
Peter Bogdanovich, Jonathan Demme, Peter Fonda, Jack Nicholson
(os dois últimos atores e diretores), Monte Hellman e
Richard Rush. Eram fitas de motoqueiros ou de gângsters
dos anos vinte, quase sempre derivativo de outro êxito
qualquer. Ele próprio também diretor (mais lembrado
por uma série de horror baseado em Edgar Allan Poe), acabou
tendo mais importância como mentor de uma nova geração.
Outro
filme fundamental da época foi "Bonnie e Clyde,
uma Rajada de Baladas", de Arthur Penn. Produzido pelo astro
Warren Beatty, revelando Faye Dunaway, o filme redimensionou
a violência no cinema e teve incrível impacto (de
tal forma que o crítico do New York Times, o maior jornal
do mundo, acabou sendo dispensado quando não entendeu
a fita e fez uma resenha negativa). Seguindo a mesma trilha,
surgia também Sam Peckinpah com "Meu Ódio
Será Tua Herança" e sua violência em
câmera lenta (que lhe deu o título de poeta da violência).
Aos
poucos, as barreiras da censura estavam sendo quebradas. Rodando
em locações, usando linguagem corrente
com muitos palavrões, os novos cineastas exprimiam uma
linguagem particular. Era como desejava o Cahiers du Cinéma
autores de seus filmes, colocando uma visão pessoal, seja
numa saga sobre a Máfia (a trilogia do Chefão de
Coppola, vista como alegoria sobre o big business americano,
o capitalismo selvagem), seja numa aventura policial baseada
em fatos reais ("Operação França",
de William Friedkin).
Esses
autores eram figuras capazes de tudo. Robert Altman era basicamente
um experimentador que gostava de trabalhar no caos.
Depois da Palma de Ouro por "Mash", assinou com a Fox
para quem fez uma série de fitas, quase sempre improvisadas
e difíceis. Acertava quando fazia grandes painéis
com muitos personagens e um único cenário, como
em "Nashville" (sua obra-prima) e "Cerimônia
de Casamento". Mas foram tantos os desastres de bilheteria,
que nos anos oitenta ele era obrigado a trabalhar para a TV e
na França para sobreviver. Mas como talento é difícil
de derrotar, ele retornaria ao sucesso com "O Jogador",
sempre experimentando e errando como antes.
O
mais atrevido e radical desses cineastas, acabou sendo Dennis
Hopper. Ex-colega de James Dean, muito drogado, ele fez com Peter
Fonda, o modesto "Sem Destino" (Easy Rider), que foi
premiado em Cannes e acabou se tornando um super êxito
de notável influência (ao ser o primeiro filme a
mostrar o consumo de maconha e cocaína em cena aberta,
contribuiu muito para a difusão e propaganda da droga).
Era uma alegoria sobre a América da época, proporcionando
a Peter Fonda uma carreira também como diretor, e para
Jack Nicholson, revelado na fita, a ascensão como um dos
astros mais carismáticos e premiados dos últimos
anos. Mas Hopper fez um filme ainda mais difícil e incompreensível,
pouco distribuído ("The Last Movie") e passou
a dirigir ocasionalmente, sobrevivendo como ator fazendo papéis
de maluco ou psicopata.
Outro
ator, que dirigia fazia também uma carreira paralela
na época, era John Cassavetes, trabalhando como ator para
financiar suas fitas experimentais, altamente improvisadas e
estreladas por sua mulher Gena Rowlands e, amigos, como Peter
Falk e Ben Gazzara. Suas fitas premiadas no estrangeiro acabaram
sendo inspiração para o cinema independente dos
anos noventa e para o próprio filho, Nick, que seguiu
seus passos. Mas, ele também morreu relativamente cedo,
vítima do excesso de bebidas.
Outros
não morreram, só perderam o momento criativo.
Peter Bogdanovich era um crítico que começou com
Corman ("Targets") e estourou com "A Última
Sessão de Cinema". Mas tanto insistiu em transformar
em estrela a namorada Cybill Shephard, que sua carreira foi destruída
por fracassos e problemas de ego. Acabou envolvido com uma estrelinha
da Playboy que foi assassinada pelo ex-marido e reduzido a dirigir
para a TV.
Ego
também foi o problema de Friedkin, que realizou o
filme de terror mais famoso da sua geração, "O
Exorcista" e nunca mais acertou. Deixando a suspeita de
que os cineastas, excetuando os gênios, como Ingmar Bergman
ou Akira Kurosawa, não duram mais do que dez anos. É tão
difícil fazer cinema, tão cansativo e exaustivo
que passado seu apogeu, os cineastas costumam decair e ficam
medíocres. Como diz a velha frase: quando morre um cineasta,
ele vira fotógrafo.
Há casos também de diretores que fizeram grandes
filmes, John Frankenheimer, autor de thrillers notáveis
como "Sob o Domínio do Mal" (que previu a morte
dos Kennedys), "O Segundo Rosto" e "Grand Prix".
Mas, que levaria vinte anos para retornar, assim mesmo com fitas
para a TV.
Consistência na carreira tem sido uma coisa rara dentre
os cineastas autores. Terrence Malick que fez dois filmes cults
nos anos setenta ("Terra de Ninguém"/"Badlands" e "Cinzas
no Paraíso"/"Days of Heaven"), sumiria
só para retornar em 98 com a fita de guerra "Além
da Linha Vermelha"/"The Thin Red Line". Talvez
por isso, os americanos admirem tanto Martin Scorsese que, sem
dúvida, tem tido uma carreira coerente, mesmo quando tem
que fazer fitas mais comerciais ("A Cor do Dinheiro", "Depois
de Horas" e "Cabo do Medo") para compensar seus
projetos mais pessoais e polêmicos como "Kundun" (a
vida do Dalai-Lama), "A Última Tentação
de Cristo" e o filme que o revelou e consagrou, "Taxi
Driver". Ainda que para muitos, ele funcione mesmo quando
fala da Máfia e pequenos criminosos ("Cassino", "Os
Bons Companheiros").
Mais
coerente do que ele, só mesmo Woody Allen, que começou
fazendo roteiros para outros ("O Que é Que Há Gatinha?")
e depois virou diretor, aprendendo enquanto fazia um filme. Sua
técnica é fazer filmes baratos com atores famosos
(que trabalham por menos), deixando sempre dinheiro no orçamento
para refazer ao final vinte por cento da fita (que ele não
gostou e quer melhorar). Suas primeiras comédias eram
muito divertidas e estreladas pela namorada Diane Keaton, com
quem ganhou o Oscar por Annie Hall. Claro que não foi
receber e isso provocou uma reação negativa. Mas
depois se uniu a Mia Farrow e começou a alternar dramas
pesados, imitando Bergman com fitas mais ousadas. Aos poucos,
foi perdendo seu público nos Estados Unidos (na Europa,
continua popular), o que só piorou quando foi envolvido
numa briga judicial com Mia, que o acusou de abusar de um filho
deles (na verdade, uma vingança por ele ter se envolvido
e eventualmente se casado com a filha adotiva dela, a coreana
Soon Yi). Nada abalou o prestígio dele. Suas produtoras
faliram (a United e depois a Orion), mas Allen continuou a ser
o único cineasta do mundo a ter total liberdade de trabalho,
sem qualquer pressão, tendo aprovação absoluta
em tudo e podendo rodar um filme por ano.
Seus
filmes podem ser os melhores ou os piores, mas revelam sempre
um autor coerente. Quando dá certo, é maravilhoso,
como em "A Rosa Púrpura do Cairo"; "Manhattan" e
em certos momentos de "Todos Dizem que Te Amo".
Status
semelhante só mesmo o de Stanley Kubrick, que viveu
recluso na Inglaterra e fez os filmes que quiz. Em 98, levou
mais de um ano rodando com o casal Tom Cruise e Nicole Kidman
em "De Olhos Bem Fechados"/"Eyes
Wide Shut".
A diferença
em relação a Allen é que ele fez poucos
filmes. Mas ninguém esqueceu "2001, uma Odisséia
no Espaço" (revolucionário como narrativa
visual e efeitos, colocando o homem no espaço antes da
tecnologia digital), "Laranja Mecânica" e sua
ultra-violência premonitória, as inovações
técnicas de "Barry Lyndon" e o visual de "O
Iluminado". Foi um dos poucos gênios do cinema americano
que continuou trabalhando até o fim do milênio, apesar
de seu prematuro falecimento.
Por Rubens Ewald Filho
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