A HISTÓRIA DO CINEMA - PARTE 5

14 de novembro de 2003

 

AS ESCOLAS E MOVIMENTOS CINEMATOGRÁFICOS - 3

McCarthismo

No final da Segunda Guerra, o mundo se dividiu em dois grandes blocos: um ocidental, liderado pelos Estados Unidos; outro oriental, dominado pela União Soviética. Durante a luta contra os nazistas, Estados Unidos, Inglaterra, França Livre e outros aliados (inclusive o Brasil, apesar de ser dirigido por um ditador, Getúlio Vargas) se uniram à União Soviética, mas sem nunca imaginar a brutalidade do ditador Stalin (responsável pela morte de milhões de pessoas). Enquanto os outros países, que acabaram de ser desocupados pelos nazistas, foram tomados pelos comunistas, criando a chamada Cortina de Ferro, que dominou durante décadas a Europa Oriental e metade da Alemanha.

Terminada a guerra tradicional, começava a chamada Guerra Fria, uma luta de espiões, propaganda, armas sujas e onde valia tudo.

Durante o tempo em que Hollywood era aliada dos russos, alguns filmes (poucos) foram produzidos para promover a amizade entre os dois países, eram geralmente românticos, mostrando o lado bom do povo ("A Canção da Rússia", de Gregory Ratoff, 43; "A Estrela do Norte", 43, de Milestone). Quase sempre escritos por roteiristas que haviam pertencido ao Partido Comunista. Acontece que nos anos trinta, muitos intelectuais haviam se inscrito no Partido Comunista porque parecia ser um lugar de luta por melhores condições de vida para a sociedade. Mas, muitos deles depois se afastaram e não aceitavam as ordens do Partido. Entretanto, o registro ficou para atormentá-los.

Quando começou a Guerra Fria, todo mundo que tinha uma ligação com os comunistas passou a ser suspeito. Ainda em 47, houve uma tentativa de membros do Congresso americano de investigar a chamada infiltração comunista em Hollywood. Então, um movimento liderado por Bogart, Edward G. Robinson e outros, conseguiu abafar seu impacto. Mas, por pouco tempo. Logo depois, surgiu um político demagogo e perigoso, chamado Joseph McCarthy (1905-1957) que resolveu ficar famoso perseguindo os possíveis comunistas. Liderou uma comissão que convidava certas pessoas a depor e denunciar os colegas. Os que se recusassem poderiam ir para a prisão por ofensa ao governo. Era uma situação sem saída, que passou para a história como o período negro do McCarthismo ou a Caça às Bruxas.

Por pressão dos políticos, os estúdios foram obrigados a fazer listas negras, impedindo os suspeitos de trabalhar (mas, sem receberem explicações), ou até listas cinzentas (os acusados não podiam ser contratados só porque podiam ter uma vaga ligação com alguém que tinha sido comunista).

Alguns roteiristas recusaram prestar depoimento e acabaram na cadeia (conhecidos como Os Dez de Hollywood). Outros, aceitaram depor e renegar o passado, como o diretor Edward Dmytryk, Elia Kazan (que até hoje é perseguido pelos ex-amigos por isso) e o ator Sterling Hayden. Entretanto, ser delator não era uma coisa bonita nem bem aceita. A carreira deles foi reiniciada, mas ficou marcada para sempre.

Outros atores, abraçaram a causa nacionalista de braços abertos (como Ginger Rogers e sua mãe, professora de arte dramática, Robert Taylor, Gary Cooper e Adolphe Menjou), muitos ficaram sob suspeita (Lucille Ball e Robinson) e dezenas tiveram sua carreira estragada, tendo que ir procurar trabalho na Broadway (como Zero Mostel, Gale Sondergaard, Marsha Hunt, John Garfield, que morreu de enfarte diante das presões, etc.) ou morar no exterior (como Joseph Losey, Jules Dassin e Vincent Sherman).

Mais grave foi o caso dos roteiristas, como Dalton Trumbo, Adrian Scott e Ring Lardner, que faziam parte dos Dez de Hollywood. Sem poder assinar seus trabalhos, trabalhavam com pseudônimos, ganhando menos, porém sobrevivendo. A caçada terminou de forma ridícula, com o senador McCarthy sendo desmascarado como vigarista e censurado pelo próprio Senado, em 54. Mesmo assim, a lista permaneceu. Dalton Trumbo ganhou um Oscar ao escrever com pseudônimo o filme The "Brave One" (Arenas Sangrentas, 56). Ninguém foi ao palco receber o prêmio. A farsa só acabou, quando Kirk Douglas resolveu dar o crédito a Trumbo, no filme "Spartacus", em 1960. Mesmo assim, só em 97, é que foram restaurados e corrigidos os créditos dos roteiristas que escreveram sem poder assinar, sob o controle da Lista Negra. O nome Caça às Bruxas vem de uma relação com a época em que se perseguiam bruxas na região de Salem, na Nova Inglaterra, provocando histeria e todos passavam a se acusar mutuamente sem provas. Como disse, Trumbo antes de morrer, durante o McCarthismo, não houve heróis, nem bandidos, somente vítimas.

Nouvelle Vague

A França sempre foi vista pelos americanos com respeito intelectual. Os países foram aliados durante a Guerra da Revolução e parceiros na defesa dos Direitos do Homem, proclamados na Constituição Americana e, logo depois, na Revolução Francesa. Através do cinema, Hollywood demonstrou frequentemente o amor e respeito pela inteligência e percepção francesa. Por outro lado, os franceses sempre foram apaixonados pelo cinema, tratando-o com respeito e carinho de arte.

Na França, foi criada a primeira Cinemateca do Mundo, organizada por Henri Langlois, que tinha a mania de guardar todo e qualquer filme. Vendo filmes de todos os tipos na Cinemateca francesa, foi possível se criar um admirador de cinema, o chamado cinéfilo, que admira as estrelas, mas gosta também dos diretores, dos grandes criadores e tem uma curiosidade insaciável em saber como e porquê foram feitos os filmes (não confundir com cinófilo, que é criador de cachorros).

O cinema francês dos anos cinqüenta, depois de ter sobrevivido à ocupação nazista, continuava ainda com os mesmos nomes de prestígio de sempre, fazendo um cinema artificial e bem-comportado, que os críticos passaram a chamar de "cinema de papai". Uma crítica nem sempre justa, porque existiam cineastas talentosos que faziam belos filmes, como René Clement e Jean Dellanoy. Mas as mudanças começaram a surgir a partir de uma revista chamada Cahiers du Cinéma (Cadernos de Cinema). Nela se reuniram, nos anos cinqüenta, depois do mentor André Bazin, um grupo de jornalistas apaixonados pelo cinema americano: François Truffaut, Jean-Luc Godard, Claude Chabrol, Bertrand Tavernier, Jacques Rivette e Eric Rohmer (todos cineastas consagrados).

Através desta revista, os jornalistas criaram uma tese chamada "teoria dos autores". A idéia era a de que que toda obra cinematográfica, tinha sempre por trás uma personalidade forte, ou seja a autora da idéia fundamental, que levava o projeto até o fim. Essa figura poderia ser um diretor, um produtor e, em certos casos, até mesmo um ator (como Buster Keaton, que nunca assinava suas fitas). O fundamental era que a personalidade forte ficasse marcada no resultado final, mesmo que outros mexessem ou interferissem.

Mostravam como exemplo disso Orson Welles e sua obra-prima, "Cidadão Kane", um filme que era essencialmente um trabalho de autor. E assim escolhiam seu panteon de favoritos, considerando como grandes cineastas John Ford, Alfred Hitchcock, Jean Renoir, Howard Hawks e muitos outros, que haviam sido desprezados ou esquecidos por Hollywood e nem mesmo se consideravam artistas. No Cahiers, se fez a revisão do cinema americano, sem preconceitos e com certo distanciamento. Foi importante que durante a Guerra não pudessem ser exibidos os filmes americanos na França. Eles só vieram depois, em ordem irregular ("E o Vento, Levou", só foi passado em 46). Isso acabou dando uma visão distanciada aos críticos, que descobriram personalidades e autores, não reconhecidos pela crítica americana comercial e comprometida.

Os autores podiam ser produtores (como Val Lewton), realizadores de fitas B (como Joseph Lewis) e nada consagrados. Valorizavam até mesmo os musicais de Vincente Minnelli e Arthur Freed, desprezados como lixo pelo resto da crítica mundial. O fundamental era o seu empenho pessoal e artístico. Para o Cahiers, o autor por excelência deveria fazer tudo: escrever a história, o roteiro, dirigir e escolher os atores, fazer a montagem e supervisionar o resultado final, ainda que com ajuda de colaboradores.
E foi assim que fizeram. Em 1959, autores começaram a estrear na direção com filmes notáveis e revolucionários. Truffaut, que havia sido delinqüente juvenil e foi salvo pelo cinema, fez o belo "Os Incompreendidos" (Les 400 Coups), iniciando uma carreira que misturou autobiografia e imitações de Jean Renoir e Hitchcock. Jean Luc Godard se inspirou nas fitas B policiais da Monogran - a mais pobre das produtoras americanas - para realizar "Acossado" (A Bout de Souffle), com o novo astro imitador de Bogart, Jean Paul Belmondo, ao mesmo tempo, que quebrava todas as regras da gramática cinematográfica. Chabrol se revelou um grande contador de histórias (e o mais prolífico deles), a partir de "Nas Garras do Vício" e "Os Primos". No mesmo momento, novos cineastas também estreavam e acabaram sendo absorvidos pelo movimento, sendo também considerados do grupo, notadamente o documentarista Alain Resnais ("Hiroshima mon Amour", com roteiro de Marguerite Duras, experimentava com o tempo, a memória e a narrativa) e Louis Malle (que fazia cenas de amor ousadas, em "Os Amantes", com sua então mulher e musa do movimento, Jeanne Moreau). Até mesmo o comercial Roger Vadim, que havia revelado sua mulher, Brigitte Bardot, com "E Deus Criou a Mulher", sucesso mundial, acabou também na onda.

O movimento foi batizado de Nova Onda/Nouvelle Vague e acabou tendo sucesso até comercial, com vários outros cineastas estreando e fazendo filmes pessoais. Os mais talentosos prosseguiram em belas carreiras, mas o importante foi que suas idéias tiveram incrível repercussão em todo o mundo. Quando o sistema de estúdios desabou, acabou a figura do chefe de produção, os chamados "moguls", tiranos, porém que gostavam de cinema. Em seu lugar, entraram os agentes ou advogados, que estavam mais preocupados com negócios do que com o produto artístico. Eram homens de marketing, não de cinema. E com o tempo, Hollywood, teve que aceitar e absorver os cineastas de uma nova geração, os quais saíram de escolas de cinema e eram também autores. Gente como Coppola, Scorsese, Spielberg, Lucas... que tinham uma visão particular do mundo. Eram autores, como o Cahiers queria.

Por outro lado, a reavaliação do cinema americano que eles fizeram, ainda hoje é aceita como a mais inteligente e oportuna já realizada (ainda que os americanos não admitam até hoje, o talento do comediante Jerry Lewis, que os franceses admiram). Mesmo recentemente, a crítica francesa tem descoberto cineastas americanos menosprezados em sua terra (como fizeram com Clint Eastwood).

Free Cinema

Enquanto a Nouvelle Vague fazia sucesso na França, acontecia na Inglaterra um movimento paralelo ainda que de menor influência, o chamado Free Cinema (Cinema Livre). O Cinema britânico sempre foi altamente voltado para a América, fazendo filmes pensando no mercado americano (como aconteceu com o produtor Alexander Korda, responsável por vários super espetáculos). Ou então, imitando Hollywood, criando seu próprio sistema de estrelas, através da Organização J. Arthur Rank (exibidor que virou produtor, usando como marca o halterofilista Charles Atlas batendo um enorme gongo). Esses filmes criaram personalidades famosas na Grã-Bretanha (o maior astro era Dirk Bogarde, que mais tarde se revelaria em fitas de Visconti e Losey, excelente ator), mas viajavam mal.

Melhor recebidas eram justamente as fitas bem inglesas, em geral, comédias até de humor negro. Sátiras, quase sempre feitas pela produtora Ealing, estreladas por Alec Guiness, que podia fazer parte de quadrilha que tentava matar velha ("Quinteto da Morte"), ou roubar pequenas torres Eiffels de ouro ("O Mistério da Torre"), ou fazer tecido indestrutível ("O Homem do Terno Branco") ou vários papéis ("As Oito Vítimas").

De qualquer forma, até o fim dos anos cinqüenta, o cinema britânico era convencional, formal, super censurado (até hoje ainda existe censura no país) falando de ricos e ignorando a classe trabalhadora. Uma revista de cinema chamada Sight & Sound, passou a ter influência e propor um cinema mais livre, se inspirando também num movimento teatral contemporâneo, chamado Young Angry Men (os jovens raivosos). Liderados por John Osborne, esses dramaturgos começaram a contar histórias sobre operários, gente pobre, marginais da vida. Ou mesmo, pessoas comuns enfrentando dramas do cotidiano, nada nobres e suas frivolidades.

Foi assim que surgiu um grupo de cineastas de talento, que fizeram sucesso, mesmo sem nunca ter realmente formado uma autêntica escola. Destacaram-se Lindsay Anderson ("This Sporting Life", "If"), Tony Richardson ("Odeio Esta Mulher", "As Aventuras de Tom Jones"), John Schlesinger ("Darling", "Ainda Resta uma Esperança"), Karel Reisz ("Isadora", "Tudo Começou num Sábado"). Eventualmente, eles se renderam às produções americanas. O que também aconteceu com a geração seguinte de cineastas ingleses, todos eles surgidos do cinema publicitário (reputado o melhor do mundo). Com um visual muito forte, de contra luzes, exemplificado nos trabalhos dos irmãos Ridley e Tony Scott. Nesta linha, surgiram cineastas como Alan Parker, Adrian Lyne, John Pytka ("Space Jam").

Easy Riders

O cinema americano dos anos cinqüenta foi tão bem comportado e conservador quanto a década. E continuou assim até a metade dos anos sessenta, produzindo super espetáculos musicais baseados em shows da Broadway (decorrência do sucesso de "A Noviça Rebelde", 65, de Robert Wise) ou filmes sem maior impacto. Mas a partir de 68, a situação mudou com a explosão da Contra Cultura, do movimento Hippie (faça amor não faça a guerra), a oposição estudantil à guerra do Vietnã, os shows de rock e os protestos de maio de 68 na França que repercutiram em toda parte.

Foi quando Hollywood teve que mudar. Perdidos, sem saber que caminho tomar, eles descobriram, por pesquisas, que o novo e grande público do cinema moderno era o jovem. Os com menos de trinta anos iam mais ao cinema e gostavam de outro tipo de tema. Não havia mais um único público, mas públicos diversos e com gostos diferenciados. Haviam os negros urbanos (os que mais freqüentavam o cinema) que foram contemplados com os seus próprios heróis e temas, a partir de Shaft e outros personagens de fitas policiais. Havia o público feminino (desde então, é a mulher quem escolhe o filme que irá ver com o namorado no fim de semana, tendo preferência por comédias leves e dramas românticos. Em geral, estrelados por galãs bonitos e atraentes).

E havia o público masculino, aficionado nos filmes de ação de todos os tipos, sejam os mais elaborados até os de artes marciais (chamados então, de kung fu). Mas, jovem gostava mesmo era de fitas de terror, que por causa disso tomavam novo alento. Gostavam também de ver seus problemas retratados na tela, de preferência por um novo tipo de astro, menos glamuroso, mas parecido com eles, fosse com cara de latino (Robert De Niro, Al Pacino, Dustin Hoffman; os três muito parecidos, embora o último seja judeu e os outros italianos), fosse até de típico americano (como Jane Fonda e Robert Redford). Foi a "Primeira Noite de um Homem" (The Graduate, 67) que revelou a existência do público jovem, mas não exatamente adolescente, exigindo temas contemporâneos.

Foi assim que os estúdios se abriram para uma nova geração já formada nas escolas de cinema e que penaram para aprender. Francis Ford Coppola começou dirigindo fitas de mulheres nuas, os chamados nudies. Depois, fez uma fitinha modesta para Roger Corman. Aliás, este, produtor de filmes B para serem exibidos em drive-in (cinemas ao ar livre, onde as pessoas assistem o filme dentro de um carro, que pode servir também para namorar. Em geral, preferem fitas de ficção científica, terror, nada intelectualizadas). Foi Corman quem deu a primeira chance para muitos cineastas importantes como Martin Scorsese, Peter Bogdanovich, Jonathan Demme, Peter Fonda, Jack Nicholson (os dois últimos atores e diretores), Monte Hellman e Richard Rush. Eram fitas de motoqueiros ou de gângsters dos anos vinte, quase sempre derivativo de outro êxito qualquer. Ele próprio também diretor (mais lembrado por uma série de horror baseado em Edgar Allan Poe), acabou tendo mais importância como mentor de uma nova geração.

Outro filme fundamental da época foi "Bonnie e Clyde, uma Rajada de Baladas", de Arthur Penn. Produzido pelo astro Warren Beatty, revelando Faye Dunaway, o filme redimensionou a violência no cinema e teve incrível impacto (de tal forma que o crítico do New York Times, o maior jornal do mundo, acabou sendo dispensado quando não entendeu a fita e fez uma resenha negativa). Seguindo a mesma trilha, surgia também Sam Peckinpah com "Meu Ódio Será Tua Herança" e sua violência em câmera lenta (que lhe deu o título de poeta da violência).

Aos poucos, as barreiras da censura estavam sendo quebradas. Rodando em locações, usando linguagem corrente com muitos palavrões, os novos cineastas exprimiam uma linguagem particular. Era como desejava o Cahiers du Cinéma autores de seus filmes, colocando uma visão pessoal, seja numa saga sobre a Máfia (a trilogia do Chefão de Coppola, vista como alegoria sobre o big business americano, o capitalismo selvagem), seja numa aventura policial baseada em fatos reais ("Operação França", de William Friedkin).

Esses autores eram figuras capazes de tudo. Robert Altman era basicamente um experimentador que gostava de trabalhar no caos. Depois da Palma de Ouro por "Mash", assinou com a Fox para quem fez uma série de fitas, quase sempre improvisadas e difíceis. Acertava quando fazia grandes painéis com muitos personagens e um único cenário, como em "Nashville" (sua obra-prima) e "Cerimônia de Casamento". Mas foram tantos os desastres de bilheteria, que nos anos oitenta ele era obrigado a trabalhar para a TV e na França para sobreviver. Mas como talento é difícil de derrotar, ele retornaria ao sucesso com "O Jogador", sempre experimentando e errando como antes.

O mais atrevido e radical desses cineastas, acabou sendo Dennis Hopper. Ex-colega de James Dean, muito drogado, ele fez com Peter Fonda, o modesto "Sem Destino" (Easy Rider), que foi premiado em Cannes e acabou se tornando um super êxito de notável influência (ao ser o primeiro filme a mostrar o consumo de maconha e cocaína em cena aberta, contribuiu muito para a difusão e propaganda da droga). Era uma alegoria sobre a América da época, proporcionando a Peter Fonda uma carreira também como diretor, e para Jack Nicholson, revelado na fita, a ascensão como um dos astros mais carismáticos e premiados dos últimos anos. Mas Hopper fez um filme ainda mais difícil e incompreensível, pouco distribuído ("The Last Movie") e passou a dirigir ocasionalmente, sobrevivendo como ator fazendo papéis de maluco ou psicopata.

Outro ator, que dirigia fazia também uma carreira paralela na época, era John Cassavetes, trabalhando como ator para financiar suas fitas experimentais, altamente improvisadas e estreladas por sua mulher Gena Rowlands e, amigos, como Peter Falk e Ben Gazzara. Suas fitas premiadas no estrangeiro acabaram sendo inspiração para o cinema independente dos anos noventa e para o próprio filho, Nick, que seguiu seus passos. Mas, ele também morreu relativamente cedo, vítima do excesso de bebidas.

Outros não morreram, só perderam o momento criativo. Peter Bogdanovich era um crítico que começou com Corman ("Targets") e estourou com "A Última Sessão de Cinema". Mas tanto insistiu em transformar em estrela a namorada Cybill Shephard, que sua carreira foi destruída por fracassos e problemas de ego. Acabou envolvido com uma estrelinha da Playboy que foi assassinada pelo ex-marido e reduzido a dirigir para a TV.

Ego também foi o problema de Friedkin, que realizou o filme de terror mais famoso da sua geração, "O Exorcista" e nunca mais acertou. Deixando a suspeita de que os cineastas, excetuando os gênios, como Ingmar Bergman ou Akira Kurosawa, não duram mais do que dez anos. É tão difícil fazer cinema, tão cansativo e exaustivo que passado seu apogeu, os cineastas costumam decair e ficam medíocres. Como diz a velha frase: quando morre um cineasta, ele vira fotógrafo.

Há casos também de diretores que fizeram grandes filmes, John Frankenheimer, autor de thrillers notáveis como "Sob o Domínio do Mal" (que previu a morte dos Kennedys), "O Segundo Rosto" e "Grand Prix". Mas, que levaria vinte anos para retornar, assim mesmo com fitas para a TV.

Consistência na carreira tem sido uma coisa rara dentre os cineastas autores. Terrence Malick que fez dois filmes cults nos anos setenta ("Terra de Ninguém"/"Badlands" e "Cinzas no Paraíso"/"Days of Heaven"), sumiria só para retornar em 98 com a fita de guerra "Além da Linha Vermelha"/"The Thin Red Line". Talvez por isso, os americanos admirem tanto Martin Scorsese que, sem dúvida, tem tido uma carreira coerente, mesmo quando tem que fazer fitas mais comerciais ("A Cor do Dinheiro", "Depois de Horas" e "Cabo do Medo") para compensar seus projetos mais pessoais e polêmicos como "Kundun" (a vida do Dalai-Lama), "A Última Tentação de Cristo" e o filme que o revelou e consagrou, "Taxi Driver". Ainda que para muitos, ele funcione mesmo quando fala da Máfia e pequenos criminosos ("Cassino", "Os Bons Companheiros").

Mais coerente do que ele, só mesmo Woody Allen, que começou fazendo roteiros para outros ("O Que é Que Há Gatinha?") e depois virou diretor, aprendendo enquanto fazia um filme. Sua técnica é fazer filmes baratos com atores famosos (que trabalham por menos), deixando sempre dinheiro no orçamento para refazer ao final vinte por cento da fita (que ele não gostou e quer melhorar). Suas primeiras comédias eram muito divertidas e estreladas pela namorada Diane Keaton, com quem ganhou o Oscar por Annie Hall. Claro que não foi receber e isso provocou uma reação negativa. Mas depois se uniu a Mia Farrow e começou a alternar dramas pesados, imitando Bergman com fitas mais ousadas. Aos poucos, foi perdendo seu público nos Estados Unidos (na Europa, continua popular), o que só piorou quando foi envolvido numa briga judicial com Mia, que o acusou de abusar de um filho deles (na verdade, uma vingança por ele ter se envolvido e eventualmente se casado com a filha adotiva dela, a coreana Soon Yi). Nada abalou o prestígio dele. Suas produtoras faliram (a United e depois a Orion), mas Allen continuou a ser o único cineasta do mundo a ter total liberdade de trabalho, sem qualquer pressão, tendo aprovação absoluta em tudo e podendo rodar um filme por ano.

Seus filmes podem ser os melhores ou os piores, mas revelam sempre um autor coerente. Quando dá certo, é maravilhoso, como em "A Rosa Púrpura do Cairo"; "Manhattan" e em certos momentos de "Todos Dizem que Te Amo".

Status semelhante só mesmo o de Stanley Kubrick, que viveu recluso na Inglaterra e fez os filmes que quiz. Em 98, levou mais de um ano rodando com o casal Tom Cruise e Nicole Kidman em "De Olhos Bem Fechados"/"Eyes Wide Shut". A diferença em relação a Allen é que ele fez poucos filmes. Mas ninguém esqueceu "2001, uma Odisséia no Espaço" (revolucionário como narrativa visual e efeitos, colocando o homem no espaço antes da tecnologia digital), "Laranja Mecânica" e sua ultra-violência premonitória, as inovações técnicas de "Barry Lyndon" e o visual de "O Iluminado". Foi um dos poucos gênios do cinema americano que continuou trabalhando até o fim do milênio, apesar de seu prematuro falecimento.

 

Por Rubens Ewald Filho