A HOLLYWOOD DO ORIENTE

28 de junho de 2004

Hong-Kong - São dois dias para chegar até o Filmart de Hong-Kong, a maior feira de cinema do Oriente. Entendam bem, eu disse feira e não festival. Aqui se compram e vendem filmes. Fui convidado pela organização na esperança de que eu compre filmes chineses e por extensão orientais, para o Telecine onde sou consultor de programação. Mas antes de falar dos filmes, deixa eu falar da viagem. Primeiro oito horas até Joannesburgo, na África do Sul, onde enfrentei uma espera de nove horas pela conexão para Hong-Kong. Graças a Deus, um dia me serviu pagar o cartão Diners (sem merchandising), o que me permitiu ao menos dormir sentado num sofá de um salão vip bem razoável. Depois, foram mais 13 horas pela South African, uma companhia que tem ótimo avião e bom serviço. Inclusive aquelas televisões individuais com grande variedade de ofertas.

Não há lugar pior no mundo para se ver filme do que avião. O som é precário, a tela pequena, a cópia toda censurada (nada de sexo ou palavrões) mas, ao menos nessas telinhas, o resultado consegue ser menos ruim. Fora os filmes grandes, que óbviamente já tinha visto, pude comprovar que o fracasso de A Marca (Twisted) foi merecido. Como um veterano como Philip Kaufman foi capaz de fazer um filme tão bobo, um thriller tão sem graça como esse! O resto não foi muito melhor. Gostei de uma sátira a Hollywood e aos roteiristas chamada A New Suit (mas implico com a mania dos americanos de acharem que tudo que é sobre Hollywood interessa automaticamente a qualquer mortal). E vi duas comédias muito ruins, The Big Bounce com Owen Wilson (que sai direto em home-video pela Warner) que tem um trailer curioso mas a fita é um desastre completo, sem qualquer graça e completamente mal-amarrada. A outra foi com Gene Hackman e o Ray Romano da TV (Everybody loves Raymond), de que nem nunca gostei. Gene faz o ex-presidente americano que acaba entrando na disputa de prefeito de uma cidadezinha junto com Romano num lugar chamado Mooseport (o filme se chama Welcome to Mooseport). Tem uma ou outra piada mais divertida brincando com a figura do presidente mas mesmo assim é bem fraquinha.

A FEIRA

Já estive aqui no Filmart de Hong-Kong há quatro anos e posso afirmar que cresceu muito. Hoje deve ter uns 300 expositores e parece ter ser firmado com a feira para quem negocia filmes no e do Oriente. Ela acontece num imenso e luxuoso Centro de Convenções, paralelamente com outras feiras (uma de bijuterias, outra de educação). Da cidade, tudo que se disser é pouco. Hong-Kong é um show. Tem uma baia belíssima, talvez até mais do que a de Guanabara, certamente mais movimentada, mais luxuosa (seu skyline mudou muito nos últimos tempos, esta ficando colorida, os prédios que antes eram apenas espelhados agora estão usando cores, ou azuis ou até avermelhados. Não critique antes de ver, os orientais adoram poluição visual e a gente vai se acostumando). Fiquei no bairro defronte à ilha de Hong-Kong, onde estão as lojas e os restaurantes, com clima de festa e de centro.

São poucos, porém os brasileiros. Viajei com Carla Niemeyer da Lumière, que está tentando vender os filmes nacionais no exterior. Ela vai ficar uns dias a mais por aqui porque da segunda em diante irá acontecer um festival de filmes brasileiros em Hong-Kong entre eles, Madame Satã (nada tem a ver com o Filmart, é apenas coincidência). Serão exibidos ainda: Eu, tu, Eles; O Auto da Compadecida; O Homem que Copiava; Um Contra Todos; Santo Forte; Castelo Rá-Tim-Bum. Por outro lado, a feira é ótima chance de se conseguir ver os novos filmes do Oriente. Alguns já tinha assistido no último Festival de Cannes, que lhes deu importância especial.

Outra coisa assustadora de Hong-Kong é que os filmes locais saem aqui simultaneamente, nas salas de cinema e junto saem também em DVD, que é para evitar a pirataria que atinge assombrosos noventa e cinco por cento. Por isso, para perder menos, eles preferem lançar o DVD junto (ou no máximo com diferença de uma ou duas semanas). Tremo quando imagino que isso possa acontecer em breve com o resto do mundo. É bem possível. Mas por enquanto vi apenas filmes aqui no Filmart e alguns vou recomendar ao Leon Cakoff, para exibir na Mostra. Tenho gostado especialmente dos filmes coreanos. Para se ver como em cinema tudo pode acontecer.

The President's Barber de Im Chan-Sang - Fiquei muito impressionado com este filme que parece os italianos de Scola. Conta a história de um barbeiro que acaba trabalhando por 12 anos para o presidente da Coréia. Assim consegue fazer uma crítica bastante forte ao sistema de governo, aos abusos de poder, aos golpes e à violência (o próprio filho pequeno do barbeiro é torturado como suspeito de ser espião!). O que é bem forte, num país que ainda não tem uma democracia muito consolidada (e ameaçada pelo vizinho comunista do Norte). Mas tudo funciona, é bem feito, inteligente, cinema de qualidade. E saí com a maior vontade de escrever um roteiro parecido contando a história brasileira... Mas, por favor, podem fazer isso antes de mim...

My Mother, the Mermaid - (Minha mãe a sereia, nada a ver com fita parecida com Cher) de Park Hae-Il - Outra fita com padrão de qualidade, coreana. É sobre o conflito entre mãe e filha, que recrimina nela o fato de continuar vulgar, grosseira e tratar mal o marido, que está ficando doente e cansado. Em crise, a garota vai para a ilha onde a mãe nasceu e pela magia do cinema (não se explica nada direito, até mesmo no final deixam poeticamente no ar) ela vai conviver com sua mãe, quando ela era ainda bem jovem e mergulhava buscando frutos no mar e aprendeu a escrever com o carteiro bonitão local. A ironia de tudo que aquele amor bonito (lembra um pouco O Carteiro e o Poeta) mais tarde irá se amargar. É até um choque confirmar que aqueles jovens que se amam tanto no fundo terminarão tal mal, tão infelizes, tão maus pais. Outra vez uma fita tocante e humana.

The Green Hat - chinês - de Liu Fen Dou - Ganhou prêmio de melhor filme narrativo e cineasta no Festival de Tribeca agora em 2004. Mas não é tudo isso. Um daqueles dramas influenciados por Tarantino, que confundem uma história simples (o filme é a estréia na direção do roteirista de Banhos). São três ladrões de banco que fogem, mas um deles entra em crise quando descobre que a namorada o trocou por outro. Quando está prestes a se matar, pergunta a um policial: O que é amor? E este fica atrapalhado porque está impotente (o Viagra resolve), e descobre que a mulher o está traindo com o professor de natação. Ok, tudo bem, interessante. Mas não era para ganhar prêmio.

Uma Noite em Mongkok - de Derek Yee - O filme informa que Hong-Kong chama-se assim porque quer dizer porto de incenso e que o bairro de Mongkok é o mais populoso do mundo, com mais gente por metro quadrado. Antes disso, conta uma trama policial tradicional sobre uma noite de Natal em que a polícia, com relutância, segue o possível assassino do chefe de duas quadrilhas que estão brigando. O rapaz se envolve com uma prostituta e os dramas vão se desenrolando com tiroteios, correrias, perseguições, amores proibidos e clima trágico (as trilhas musicais orientais é que muitas vezes continuam caindo no brega).

The Ghost de Kim Tae Kyung - Outro coreano, da moda de fitas de terror que continua fazendo sucesso por lá. Tem aquela figura de cabelos longos no rosto como em Ring. E a história não é tão brilhante (é sobre garota que perdeu a memória e tenta entender porquê há um fantasma em busca de vingança que matou duas amigas dela e ameaça uma terceira e ela também). O final é legal, com uma reviravolta inesperada de fato e há também uma insistência em pregar sustos. Ou seja, coreano sabe fazer fitas de terror e é por isso que os americanos estão comprando os direitos para refilmá-los.

Runing for Son - Este drama chinês teve lugar de honra na abertura do Filmart. Mas é muito ruim. Um melô daqueles sobre duas mães disputando um filho no tribunal (a biológica e a que o criou) com reviravolta também ao final. Nem sempre acertam. Mas da uma visão incrível da China moderna (parece ter sido feito de propósito todo em externas).

Thru the Moebius Strip - Está sendo feito aqui na China um desenho animado de longa-metragem, no estilo fantasia cujo maior charme é o desenho de produção do francês Moebius, que tem um traço brilhante. Mostraram os 15 minutos finais e achei muito fraco. Tanto a luta clímax quanto a movimentação dos heróis humanos. Tudo deixa a desejar. A dublagem foi feita por menos famosos com exceção de Mark Hamil e Jean Simmons.

Por hoje é só. Se tiver mais novidades, volto para contar.

Por Rubens Ewald Filho