BYE HONG-KONG, HELLO CAPETOWN

01 de julho de 2004

Só mesmo viajando que a gente quebra certos mitos. Por exemplo, o de que os orientais são educados e gentis. Mentira. Em Hong-Kong, só faltam chutar a gente. Esbravejam mais que os franceses. E isso antes dos chineses virarem donos do mundo. Imaginem quando chegarem lá, vamos ter saudades dos americanos. Outra lenda: de que Paris é a cidade luz e Nova York a cidade que nunca dorme.

Vá tentar arranjar restaurante às onze da noite em qualquer delas que irá quebrar a cara.

O que não fecha mesmo é Hong-Kong, onde fiquei espantado quando fui fazer compras no bairro popular que fechava apenas à meia-noite e pouco. Isso numa feira de rua, com montes de gente. Deve ser por causa do calor amazonense, mas o fato é que até tarde tudo estava aberto, funcionando. Nem Madrid chega a tanto. Outra coisa que gostei foi descobrir que desde a viagem anterior (em 2000), tiveram a idéia de criar a Avenue of the Stars. Faz parte da campanha Hong-Kong Love it, Live it e basicamente tenta fixar a cidade como centro do cinema na Ásia.

Assim construíram no bairro comercial de Tsim Sha Tshui, à beira-mar, uma avenida que traz a lista dos filmes premiados no Festival local, mãos e pés dos astros mais famosos locais (claro que é Jackie Chan que apresenta tudo), numa autêntica réplica da Calçada da Fama de Hollywood. Achei ótima idéia, assim como gostei de ver como eles estão promovendo o cinema e a cidade. Fizeram um folheto, infelizmente apenas em chinês, mostrando o filme famoso e como chegar às suas locações. Aproveitaram assim a idéia que usei algumas vezes na TV, de mostrar os lugares para o público ir visitá-los, unindo cinema com turismo. Só por curiosidade, aqui vai a lista dos filmes citados, embora quase todos sejam inéditos no Brasil: Needing You, C'est la Vie Mon Cherie, Infernal Affairs III, Golden Chic, Heroic Duo, Running on Karma, A I Hate Youso, Gorgeous (com Jackie Chan, esse tem em DVD), Moonlight Express, He's a Woman, She's a Man, Days of Being Wild. Quem quiser saber mais pode clicar www.discoverhongkong.com.

Aliás, a Filmart terminou de forma tranqüila, prometendo ano que vem ser em março junto com o Festival de Hong-Kong (uma boa idéia para unirem forças, como em Cannes).

CAPETOWN

Aproveitando o stopover na África do Sul, resolvi visitar o país de Charlize Theron (que aqui está sendo saudada como role model, verdadeiro ídolo, comparada até mesmo a Mandela! Para ver o bem que um Oscar faz). Estou escrevendo de Capetown, certamente a mais bela cidade do país, depois de ter ido visitar focas e pingüins, de ter dobrado literalmente o Cabo da Boa Esperança; deu para constatar a euforia de todos com o fato de que Hollywood parece ter descoberto mesmo as locações daqui. Colin Farrell e Salma Hayek acabaram de sair daqui, depois de rodarem o filme de Robert Towne, Save it Dust, produzido por Tom Cruise (e o mais curioso é que todos aqui estão falando bem de Farrell, que desta vez parece ter se comportado).

E agora quem está chegando é Nicolas Cage, para estrelar uma fita de aventura.

Nem por isso, a South Africa deixa de trazer as cicatrizes do apartheid, que manchou tantos anos sua civilização. Há apenas dez anos que ele acabou e não há aparente animosidade entre a população, que não é composta apenas de loiros (muitas aqui tem cara de Charlize, claro que pioradas) e negros, mas também muitos muçulmanos (que vieram como escravos, conta a história, pensando que iriam para a América; foram enganados e sofreram o diabo por aqui).

Mas se Capetown é uma cidade bonita, também é perigosa (os hotéis não deixam a gente sair a pé pela cidade à noite, tem que pegar táxi, e dizem que Pretoria/Joannesburgo ainda é pior). E recordista de Aids (que o governo recusa a assumir).

Estamos em pleno inverno (muito vento, céu azul, temperaturas como no Brasil) e a cidade não está cheia. Hoje finalmente consegui ir até um shopping, Victoria Wharf (porque também aqui não há mais cinemas de rua, todos eles foram para shoppings).

E tive o prazer de descobrir um circuito de cinemas de arte (existem seis no país todo) com 6 salas de boa qualidade, excelente projeção, preço razoável (o câmbio é favorável, um Real compra três Rand, a moeda local). Por honra da firma, vi um filme local, chamado Forgiveness (Perdão), que foi rodado em alta-definição, e estrelado por outra glória local, Arnold Vosloo (que fez A Múmia, nos filmes americanos). Não é bom ator e o problema básico do filme é seu elenco irregular. Outro é a culpa de todo o país com as mágoas no passado, que tenta resolver o que ficou mal-solucionado. No caso, um policial com traumas tenta falar com a família do rapaz negro que ele matou no exercício da função (torturando, em outras palavras). A família de pescadores não contou que ele era terrorista (porque tinha vergonha) e agora tem dificuldade de perdoar o ex-policial (porque tanto remorso, nunca se explica). Tanto que chamam os ex-companheiros dele para virem matá-lo. O final só pode ser trágico, e apesar dos elogios dos críticos locais (são todos iguais, sempre protegendo o cinema nacional de cada um!) o filme não convence.

Mas felizmente assisti dois outros filmes muito interessantes, que quero comentar e indicar.

Um deles é britânico, The Mother, e foi dirigido por Roger Michell, o mesmo de Notting Hill. A história até que pode lembrar bastante Alguém Tem Que Ceder, com Diane Keaton.

É sobre uma mulher de bastante idade (não se diz quanto, mas ela aparenta mais de sessenta) que fica viúva. É uma pessoa fria, que nunca cuidou direito dos filhos, nem teve uma vida memorável ou feliz. Fica com a filha, que se ressente dela, e acaba se envolvendo com o namorado desta, um sujeito ainda bonitão (Daniel Craig) e sem escrúpulos, que transa com ela na maior. E a senhora fica maluca, se submete até a certas humilhações (o outro entra por esporte e sem-vergonhice, ela não respeita nem o fato da filha ser apaixonada por ele, e o filho ser amigo do rapaz).

O notável da fita é justamente isso. Nada é bonitinho, ninguém é bonzinho ou simpático. São normais. Ou seja, até desagradáveis, egoístas, falsos e falhos. Hoje em dia tudo que é filme faz justamente o oposto deste, que não glamouriza os fatos nem as pessoas (a mulher é francamente nada atraente, e ela mesma comenta isso). Mas talvez por isso mesmo seja tão humano e tão tocante. Não sei se será exibido no Brasil, mas o público feminino irá ficar abalado.

O outro fracassou nos EUA (é da Focus) e está esperando vaga no Brasil, talvez na esperança de que consiga alguma coisa nos Oscars por causa do prestígio do roteirista Charlie Kaufmann (Adaptação, Quero ser John Malkovich). Acho muito interessante este filme, chamado Eternal Sunshine of the Resteless Mind, dirigido por Michael Gondry (fez uma fita antes fracassada chamada Human Nature, mas é famoso pelos music videos de Bjork). É um absurdo que o público rejeite Jim Carrey fora de suas comédias tradicionais. Por que não aceitam que ele é um ótimo ator, não precisa fazer caretas? O roteiro também não é perfeito (se atrapalha bastante com tramas paralelas, principalmente uma com o médico Tom Wilkinson, que tem um caso com a enfermeira Kirsten Dunst), mas sempre é instigante, diferente e curioso. Na verdade, ele não tem coragem de fazer um final triste que seria até mais funcional e adequado. Mas tem suas sacadas, como apresentar uma versão de como o casal se conheceu como uma espécie de prólogo do filme (depois tudo será melhor explicado), procura usar astros famosos em papéis pequenos (tem até o Hobbit Frodo fazendo adequada aparição). O forte porém é o casal central, Carrey e a bela e boa atriz Kate Winslet. A história é sobre um médico que descobriu um método de apagar a memória de alguém que se deseja esquecer. Quando Carrey descobre que Kate esqueceu dele, entra em pane e topa fazer o processo. Só que no meio, percebe que foi enganado por um rival e tenta reverter o processo, provocando problemas na máquina (e provocando lembranças meio surrealistas). É verdade que o filme fica melhor comentado do que visto, porque tem algumas derrapadas de ritmo, como se o diretor tivesse medo de ficar sentimental ou romântico (o que aliás explica o fracasso do filme, mexe com amor e romance e foge deles como o diabo da cruz). Mas usa muito bem efeitos especiais e não tem como não comover a gente com a memória do romance que vai se apagando aos poucos. Erra em ser frio, distanciado, intelectualizado.

Mas é dos filmes mais interessantes que poderemos ver este ano no Brasil. Aguardem.

 

Por Rubens Ewald Filho