23
de agosto de
2005
Era
um filme quase desconhecido, mas quando ouvi sobre o tema, já pensei:
isso tem cara de Oscar. E estava certo: Hotel Rwanda,
concorreu aos Oscars de melhor ator (Don Cheadle, que é muito
versátil e um dia pode chegar lá), coadjuvante
(a talentosa Sophie Okoneko, que tem pai judeu) e roteiro (do
diretor irlandês, Terry George). Infelizmente não
fez sucesso lá fora e também não deve ir
bem por aqui, onde continua o preconceito contra os filmes: 1)
sobre negros; 2) sobre tragédias.
Esta é daquelas
histórias reais, chocantes da
qual a gente mal ouviu falar na época - ou mesmo agora
- e que conta um feito de heroísmo dentro de uma tragédia
pouco divulgada, que aconteceu na África: a matança
em Rwanda, perto do Congo, em 94, na época em que outro
caso semelhante estava chamando mais a atenção,
na Bósnia/Sérvia. Ambos são matanças
tribais, em que gente de um mesmo país, faz limpeza racial,
sabe Deus por que razão. No caso africano, é ainda
mais grave porque não há interesses econômicos
envolvidos, e por isso a ONU ou mesmo os EUA são francamente
criticados no filme por não terem interferido, ou feito
algo mais eficaz para impedir o massacre de cerca de 800 mil
pessoas. Foi uma horrível guerra civil, ainda quase desconhecida
(pensei em Gritos do Silêncio que fez algo
parecido com o Laos) só agora revelada neste filme. Pena
que George (roteirista e diretor de Mães em Luta),
tenha feito um filme frio, neutro, até medíocre
sobre um assunto explosivo. Quero dizer sem grande talento.
Conta
a história de um gerente de hotel belga (Jean Reno
aparece um pouco como o dono da rede Sabena) chamado Paul Rusesabagina
(Don Cheadle) que salvou a vida de cerca de mil e duzentas pessoas
quando os escondeu e, através de truques, jogadas e muita
corrupção, conseguiu impedir que eles fossem massacrados
pelas milícias.
Como
o filme explica, foram os belgas quem começaram
o problema quando dividiram os habitantes do país em duas
etnias (o que não era verdade), os mais altos e bonitos
e os mais pobres e feios, criando um ódio mortal entre
os hutus e os tutsis, que se diferenciavam pelo formato do nariz,
altura e tom de pele. Paul é hutu e bem-sucedido, mas é casado
com uma tutsi, e na verdade o país é um caos, porque
há rebelião dos dois lados. Mas do lado do governo,
os civis tiveram acessos a armas de fogo e saíram matando
as pessoas, inclusive mulheres e crianças (a cena mais
forte é quando eles pegam uma estrada e vão passando
por cima de cadáveres).
É coisa
de gritar ou chorar, mas o filme fica numa banal história
de hotel sitiado com lamúrias da esposa,
traição dos colegas e total falta de clima. Nick
Nolte faz muito mal o chefe da ONU local, que não tem
poder ou armas (funciona para dar informações,
para fazer a história caminhar). O maior mérito
do filme é o trabalho do ator Don Cheadle (também
em Doze Homens e Outro Segredo), que se parece
um pouco com Pelé e sempre foi um intérprete versátil
e competente. Ou seja, não chega a ser o grande filme
que o assunto merecia.
Mas é corajoso, importante, sério, bem interpretado
e tem cenas inesquecíveis (a mais forte é a da
neblina, com o jipe andando na estrada). Por tudo isso, merece
ser conferido.
Por Rubens Ewald Filho
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