16
de outubro de 2005
Não é um
filme fácil, nem digestivo, nem descartável.
Descrevê-lo como um soco no estomago seria
redundante, já que estamos falando de um trabalho
do mesmo diretor que fez Cidade de Deus.
Basta dizer que é outra porrada, outra denuncia,
outro filme que tem a coragem de dizer alguma coisa
num momento em que tudo no cinema se torna cada vez
mais imbecil e corriqueiro. O Jardineiro
Fiel é uma
filme de convicções, de palavras fortes,
de fatos cruéis e verdadeiros. Mas também
infelizmente, é daqueles filmes que você não
pode comentar sem entrar em alguns detalhes que podem
revelar momentos da trama e estragar surpresas. Nesse
caso, pule a crítica e deixe para lê-la
ao final, já com a certeza de que Meirelles,
para nosso orgulho (digo dos brasileiros) e alegria
acertou na escolha do projeto. Foi
para a Inglaterra, e de lá rodar na África
e conseguiu um resultado espantoso (que teve nos
EUA excelentes críticas e uma bilheteria bem
respeitável até, para sua temática
por volta de US$ 30 milhões). E não
me surpreenderia, se por acaso levasse algumas indicações
ao próximo Oscar.
Ralph
Fiennes, que é um ator frio, distanciado,
bem britânico (que funciona quando faz amantes
passivos como em O Paciente Inglês e
no ainda mais cruel nazista de A Lista de
Schindler que o revelou), é a perfeita
escolha para interpretar um diplomata de carreira,
totalmente burocrático Justin Quayle que se
encanta com uma jovem rica e ativista (Rachel Weiz,
de A Múmia).
Mal o filme começa ela já é assassinada,
durante uma viagem perto de um lago no interior da África
(o filme foi feito basicamente no Quênia, em
Nairobi, que logicamente tem muito a cara do Brasil). Há má vontade das autoridades em investigar
o caso e impor uma resolução apressada
(assalto de bandidos).
Dentro
de uma estrutura clássica de flash-backs
(como eles se conheceram, as possíveis infidelidades
e suspeitas, os desencontros, a gravidez dela) e
de investigações (que vão ficando
cada vez mais complicadas e perigosas), não
chega a haver surpresas, ou grandes revelações
que já não tenham sido acenadas desde
o começo. (O título é que como
bom inglês, o herói se preocupa mais
com o seu jardim, com o destino de suas plantinhas
do que com a vida de seres humanos).
Basicamente é um caso de corrupção,
de pessoas em altos cargos e posições,
onde os vilões são os grandes laboratórios
farmacêuticos prevendo prováveis futuros
surtos ou epidemias de certas doenças (por
exemplo, a tuberculose) resolvem utilizar os pobres
da África para fazer experiências, usá-los
como cobaias humanas. O que é totalmente verossímil
e chocante.
Tem algo a ver com Hotel Rwanda, ao
deixar claro que o mundo não se incomoda que
estejam ocorrendo holocaustos naquele continente,
porque eles pouco representam economicamente. O dinheiro é que
manda e africano, ainda mais pobre, pode ser sacrificado,
ainda mais num mundo super populoso. E pior que isso,
são negros.
Construído como um thriller o filme não
teria funcionado caso não fosse a firmeza
da narrativa, que alterna momento mais tradicionais
com outros com aquela câmera solta e livre à moda
do diretor (que levou junto o mesmo ótimo
fotografo de Cidade de Deus ainda
que o filme tenha sido montado na Inglaterra por
Claire
Simpson, a mesma de Platoon).
Não
sei muito mais o que dizer do filme, ele me impressionou
muito.
Acho que Meirelles escapou das ciladas que aguardam
qualquer estrangeiro trabalhando fora de sua casa
e ambiente.
Fez um filme de denuncia, com cara de história
de amor.
Tomara que consiga atingir um público o mais
amplo possível.
É um belo trabalho.
Por
Rubens Ewald Filho