JORNALISMO DE CINEMA E VIDEO

05 de maio de 2004

Há algum tempo os jornalistas que cobrem a área de Cinema e Home Vídeo estão tentando se organizar, numa espécie de Associação (que talvez seja chame AJOCINE). É que não há um órgão representativo da classe, nem a nível internacional (para fazer parte de um júri internacional é preciso se ser filiado a uma organização internacional, o que poderia ser feito agora através desta associação, que também teria essa missão junto aos festivais nacionais). Até para se voltar a dar importância aos críticos de cinema. Se vocês perceberem, em todo festival, agora quem vota são os cineastas, o que explica os resultados geralmente esdrúxulos. Mas essa associação teria também a missão de dialogar com as distribuidoras, já que os jornalistas sentem-se infelizes com o tratamento recebido por parte destas, tanto no agendamento e controle de pré-estréias (datas que se sobrepõem, excessivo rigor na entrada, filmes que deixam de ser exibidos).

Na verdade, já chegaram a me convidar a liderar a Associação, convite que recusei (no máximo, fazer parte do Conselho), por falta de tempo e mesmo de paciência.

Não é uma briga que estou disposto a comprar, até porque sempre foi difícil esse relacionamento com as distribuidoras. Não por pressões ou por antipatia. Ao contrário. Por apatia. Descaso. O que fica mais claro quando o mercado aumenta, com inúmeros sites dedicados a cinema, com os quais ninguém ainda sabe lidar direito.

Outra razão porque evitei me envolver é porque eu mesmo ainda não resolvi esse problema, pessoalmente. Como veterano do mercado de Cinema e um dos criadores do mercado de Home Vídeo, sempre tive que brigar pelo básico, para conseguir informações, que em última análise está promovendo e ajudando o distribuidor.

E dá vontade de dizer para os que agora se profissionalizam, - Se agora é ruim, não imaginam como já foi. Passei todos esses anos, e muitos guias de vídeo e agora DVD, assistindo cópias de péssima qualidade. Não é à toa que nunca pude fazer qualquer avaliação da qualidade de som ou mesmo imagem, porque sempre vi VHS de serviço, com imagens de quinta categoria (não bastasse a má qualidade da imagem, vinha sempre com um enorme timecoder e outras marcas de distribuidora, com a desculpa de que era preciso evitar a pirataria). Alguns chegavam a ser impagáveis ou exasperantes (havia mensagens periódicas que cruzavam a tela, e outras que simplesmente cortavam trechos importantes de filmes – como os DVDs de serviço da Flashstar, agora).

Ou seja, você tinha que avaliar o filme a partir de imagens precárias e sua obrigação era aceitar.

Mas, além disso, era preciso pedir e muitas vezes implorar para que essas fitas chegassem até você, como se fossem jóias preciosas. Nunca consegui entender essa filosofia. Essa pobreza na divulgação para a imprensa, que em última análise dá um enorme espaço (não pago) para os lançamentos, é uma mídia espontânea. O custo de uma fita ou DVD é ínfimo perante o resultado.

E se hoje em dia a imprensa não dá o mesmo destaque para o DVD que dava para o vídeo é por duas razões:

1) O declínio da grande imprensa. Todos os principais órgãos estão em crise financeira e diminuíram seu espaço disponível.

2) No começo do DVD houve um controle muito grande dos discos enviados para a imprensa. O que hoje só piorou.

Ou seja, as próprias distribuidoras, com sua mesquinhez, mataram a galinha dos ovos de ouro.

Historicamente, quanto maior a empresa pior o serviço. As distribuidoras nacionais e pequenas são as mais generosas, até porque sabem o valor da imprensa na divulgação e avaliação de seus títulos. E numa coisa muito importante, prestígio, fama de qualidade, respeito.

Todo mundo sabe que filmes clássicos não vendem muito, mas eles são divulgados na imprensa, e ganham prêmios, e conferem prestígio à distribuidora. Mesmo assim, várias delas recusam-se a lançar os filmes importantes que a matriz lança nos Estados Unidos, abrindo assim espaço para as firmas piratas, que simplesmente copiam esses filmes impunemente.

E esses clássicos logicamente deveriam ser espalhados pela imprensa especializada, até como política de relações públicas. O que nunca sucede, a não ser no Natal, quando acham que estão fazendo uma grande gentileza nos disponibilizando um filme em DVD.

Nem posso reclamar muito, pessoalmente, porque o tempo criou amigos e respeito.

Sou sempre bem tratado, mas isso não impede que metade das distribuidoras não me envie nada. Ou apenas material precário. Eu tenho que comprar ou alugar metade do que tenho que assistir (para as colunas ou para os livros).

O mais espantoso é que isso sucede de forma rotineira nos Estados Unidos, onde os jornalistas são sempre tratados com a maior delicadeza. Paoula Abou Jaoude me contou que agora, no fim do ano, reclamou das fitas da FOCUs, que mesmo com as restrições impostas pela MPAA, lhe mandou tudo (depois ela soube que a pessoa que tinha lhe ligado era apenas o CEO, o Presidente da Companhia!). Pois a cada entrevista que ela faz, recebe a indefectível camiseta (faz meses que não chega alguma, e quando isso acontece é sempre do pessoal do home vídeo, ou do Colégio Bandeirantes), brindes (os mais curiosos e feitos especialmente para a ocasião; os poucos que surgem aqui, em geral da Warner, são sempre modestos e muitas vezes distribuídos para amigos, e não jornalistas), além do material necessário para se trabalhar um título (incluindo o CD da trilha musical, que entre nós é um a cada dois anos). Ou seja, o que é bom para os EUA não é bom para nós. Até porque há um conceito moral cristão complicado (ganhar material promocional pode dar a impressão de que você esta sendo comprado ou subornado).

E nenhuma formação política (seria muito simples simplesmente boicotar a firma que não envia o material. No entanto, a norma para todos nós é não brigar com a notícia. Saiu o filme sempre se noticia, mesmo se não o pudermos vê-lo em casa, em DVD).

A situação tem muitas ramificações, mas se resume nisso: é humilhante para um jornalista ficar implorando, ou correndo atrás daquilo que, por lógica, deveria estar ao seu dispor.

É ele, em geral, que está fazendo o favor, e não vice-versa. Mas não devíamos nem falar em favor. É uma situação de duas mãos: quanto melhor armado, melhor informado, melhor o jornalista fará seu serviço. Claro que há exceções (a Europa é impecável, a Elaine Munhoz, idem).

Mas o erro em geral é do próprio mercado e dos jornalistas que não se fazem respeitar.

Embora não conheça nenhum deles que seja corrupto ou desonesto. São todos profundamente apaixonados por cinema e felizes por estarem trabalhando na área.

Talvez seja justamente esse o problema. Como trabalham também por prazer, não compram briga, evitam criar casos, ficam felizes de já ter acesso aos filmes, mesmo que precariamente.

Quem sabe esse desabafo posso trazer alguma luz. Alguma melhora.

Também para os outros. Que nada mais seria do que a profissionalização do mercado.

 

Por Rubens Ewald Filho