MANDERLAY (Manderlay)
 


20 de novembro de 2005

A expectativa depois de Dogville era muito grande, pelo segundo capítulo da trilogia que o diretor e roteirista Lars Von Trier prometeu fazer sobre os Estados Unidos da América (o terceiro deve se chamar Washington). Novamente seguindo o mesmo esquema de rodar em estúdio, em cenários parcos e estilizados, com uma história altamente polêmica e um final inesperado (na verdade, uma pessoa mais experiente desta vez será capaz de matar a charada. Ao menos quem conhece os seres humanos bem. Mas de qualquer forma o filme tem uma moral bastante chocante, não apenas atacando os EUA, mas universal).

Nicole Kidman deveria fazer os papéis centrais da trilogia, mas depois do primeiro desistiu (Trier é um tirano, muito difícil), e foi substituída por uma novata ruiva, a filha do diretor Ron Howard, que parecia ter talento, Bryce Howard (de A Vila), interpretando o mesmo personagem. O problema é que ela não tem a mesma presença, beleza ou carisma. E isso prejudica sensivelmente o filme.

Este não é o único problema da fita, que foi iniciada com John C. Reilly no papel de Dr. Hector, mas ele foi contra uma cena em que se matava um burro de verdade e largou tudo (foi substituído por Zeljko Ivanek). Mais tarde, Trier resolveu cortar a cena para evitar polêmicas que atrapalhariam a mensagem central da fita, que basicamente é sobre escravidão. Atores britânicos interpretam 9 dos 12 papéis centrais de escravos, porque os americanos em geral preferiram fugir de um filme como este. Bryce interpreta o mesmo personagem de Nicole, Grace, que escapou de Dogville e viaja junto com seu pai gangster (Willem Dafoe, no lugar de James Caan). Só que eles param numa fazenda onde encontram uma velha agonizante (a venerável Lauren Bacall, que parece precisar de grana, porque faz tudo que é filme), e fazem uma descoberta aterradora: em Manderlay ainda existe a escravidão (apesar de estarem nos anos 30). Grace resolve então ficar uns tempos por ali e, com a ajuda de alguns capangas do pai, resolve não apenas libertá-los, mas também administrar a fazenda, desta vez com todos livres. E sua surpresa aumenta quando eles relutam em aceitar as novas regras, têm problemas de toda sorte, ou seja, a democracia não é fácil, como sucedeu, por exemplo, na antiga União Soviética: as pessoas sentiam saudades da ditadura, de serem tuteladas e protegidas, ainda que também exploradas.

Ou seja, a moral duvidosa é que o ser humano gosta de ter chefes, patrões, donos, tem medo da autodeterminação, da liberdade (porque sempre se paga um preço). Esta lição é contada de forma um pouco estendida (mas menos que em Dogville), com um bom elenco e algumas reviravoltas. Pena que o filme não consiga superar dois problemas: o fato de que o estilo de narração deixou de ser novidade e que Bryce não segura sozinha um filme como este. No elenco, Isaac de Bankolé tem a melhor presença, como o sedutor Timothy (por quem Grace tem uma atração).

Quanto à acusação de que Trier é antiamericano, ele faz o possível para pôr lenha na fogueira (no final, coloca como trilha Young Americans, de David Bowie), fazendo a acusação óbvia e evidente de que os brancos americanos exploram os negros (e o caso recente de New Orleans só confirma mais isso).

Por Rubens Ewald Filho

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