MAR ADENTRO

11 de fevereiro de 2005

 

Fiquei emocionado várias vezes, com lágrimas nos olhos e dor no peito.

E fiz uma coisa rara: voltei a assistir o filme menos de uma semana depois. Que filme bonito, sensível, pesado mas ao mesmo tempo um hino à vida e um convite ao suicídio. Se alguém tinha dúvida ainda de que o diretor chileno/espanhol Alejandro Amenábar, que até agora tinha feito fitas de terror tipo Os Outros, é um grande realizador, pode ficar tranqüilo. Não é à toa que este trabalho ganhou 14 prêmios Goyas, o Oscar espanhol (inclusive filme, ator e direção), além de ter ganhado o Globo de Ouro de filme estrangeiro, o prêmio de melhor ator em Veneza, ator e diretor no European Film Awards. Amenábar sabe contar uma história, tirar grandes interpretações (o elenco é fantástico, sem falhas), criar grandes momentos. Fez um filme nada comercial. A história real de um espanhol, Ramon Sampedro que, depois de passar 28 anos tetraplégico (por causa de um acidente parecido com o de Feliz Ano Velho, mergulhando num lugar raso numa praia), quer ter o direito de se matar com dignidade.

E abre um processo para conseguir isso, com o aval das cortes de justiça. Uma história difícil de contar, porque fala de assuntos desagradáveis, em particular a morte. Mas não mostra apenas isso, conta também a história de duas mulheres que amaram Ramon; primeiro uma jovem simplória com dois filhos, e principalmente uma advogada que tenta ajuda-lo, porque ela também sofre de uma doença degenerativa que vai deteriorando, e que aos poucos vai deixando-a sem memórias (embora ela seja responsável por publicar suas cartas-poemas, pouco antes dele morrer). Talvez por ser tão pesado, o diretor coloca na história uma mulher confidente que engravida e dá à luz (ou seja, alguma esperança), e conta com tanta felicidade e ternura como a família de Ramon cuida dele, e opõe-se às suas idéias de suicídio. Ainda que tenha tomado algumas liberdades para tornar o protagonista mais humano e acessível (dizem que o herói nunca teve a crise de choro que se vê no filme, mas o diretor achou necessário esse momento). Mas certamente é um filme que incomoda e faz pensar, mas também coloca toda a situação com muita poesia (em alguns momentos ele tira o ator da cama com situações imaginárias, utilizando música clássica: há uma cena mágica quando ele se vê voando até o mar). Falta falar do ator Javier Bardem, que mais uma vez dá um show.

Aqui no Brasil não percebem que ele esta falando com sotaque galego, muitos nem sabem que ele compôs um tipo totalmente diferente de si: careca, mais velho, com o corpo massacrado por anos de imobilidade. É um grande trabalho, melhor até do que Antes que Anoiteça (que lhe deu indicação ao Oscar®). A Academia indicou o filme apenas como melhor estrangeiro e uma indicação de maquiagem (que parece querer dizer que a criação é mais do maquiador do que do ator, o que não é verdade). Para mim, é o melhor filme da safra e Javier deveria ganhar todos os prêmios.

Por Rubens Ewald Filho

(fotos: Teresa Isasi © 2004 Fine Line Features)