PAIXÃO DE CRISTO

17 de março de 2004

Religião não se Discute. Se Respeita.

E qualquer filme que chega com uma mensagem de discórdia, desunião, preconceito, é mal-vindo. Mesmo quando já rendeu cerca de 400 milhões de dólares nos EUA.

O que só prova que Mel Gibson, seu diretor e financiador, é um homem mais esperto e malandro do que deixava transparecer. Melhor marketeiro do que realizador, ele fez um filme fundamentalista e violento, que não funciona, em muitos aspectos. Talvez não seja tão anti-semita quanto se temia (até porque foi cortada a cena mais contundente, aquela em que se dizia que o Sangue de Cristo poderia cair sobre os judeus, culpados por sua morte). Mas deixa as coisas no ar, por uma razão muito simples: nada é explicado, aprofundado. O filme tem clima de trailer, clip, MTV.

Começa já no Monte das Oliveiras e não explica nada. Não coloca no contexto histórico, sócio-econômico da época. Prega para os já iniciados. Quando os judeus começam a pedir a morte de Cristo diante de Pilatos, faz pouco sentido porque não vimos a briga de Cristo no templo, nem conhecemos as razões pelas quais desejam matá-lo a qualquer custo. Nenhum dos personagens tem existência humana e verossímil. Nenhum ensinamento é aprofundado (ainda que ocorram alguns rápidos flash-backs, eles são inconsistentes). E as cenas de violência acabam se tornando banais e por vezes até ridículas (quando fica evidente que o corpo do ator está coberto por uma armadura de látex, que simula ferimentos, mas o deixa desengonçado). Mesmo a Ressurreição que pensei que fosse a apoteose do diretor, é tratada com ligeireza. As bilheterias do filme vêm apenas provar uma velha lição: nada como ameaçar proibir um filme para torná-lo um sucesso.

Mel Gibson tem se comportado tanto como idiota (e já faz tempo, desde uma década atrás quando começou a repudiar e rejeitar gays) que fica difícil lhe dar algum crédito.

Acho mais possível ele estar sofrendo de algum delírio messiânico, achando que foi tocado por algum Espírito Santo e que tem a missão divina de fazer uma fita como essa.

Se bem que louco não é, porque não está queimando dinheiro, ao contrário, o está fabricando.

Suas opções de realizador são curiosas. Fez o filme em línguas mortas, os soldados romanos falam latim popular e todo mundo mais fala aramaico. Tudo surge então legendado em português. Com se tratam de línguas mortas, que todos aprenderam foneticamente, fica difícil falar em interpretação (até porque tudo é histérico, gritado, declamado, para dar pausas e sem esquecer o uso intrusivo de uma trilha musical constante). A fita já começa, sempre com câmera na mão, luz escura (do grande fotógrafo Caled Deschanel), com Cristo em crise e observado por um diabo andrógino (a bela Celentano), que nada tem a ver com a história, está ali só para dar um toque pessoal do diretor (entre outros toques animalescos, temos um fantasma que surge certa hora, uma pomba que voa no meio de outra cena, um corvo que ataca na cruz e um leopardo com Pilatos, se não me engano. Não me pergunte porque esse zoológico). Enfim, Cristo já esta sendo traído por Judas e logo começará sua paixão.

A verdade é que romanos serão tão violentos e cruéis quanto os judeus, ou até piores. E por menos razões, pura selvageria (as cenas não me comoveram, talvez por precisar estar mais envolvido com os personagens e ter mais tempo para entrar na histária. Ou simplesmente porque tudo me pareceu falso e por vezes caricatural. Na Via Crucis, a situação não melhora muito (o personagem melhor desenvolvido é o Cirineu, que ajuda Cristo e este nem lhe dá um obrigado).

O elenco é composto por italianos ou atores do Leste Europeu (o que faz Poncio Pilatos é o melhor, embora seja ridículo ter uma cena sem mais nem menos, onde ele quer discutir com a esposa o que é a Verdade!). Maria é uma atriz romena que não tem maior luz, enquanto a linda Mônica Bellucci faz figuração de luxo como Maria Madalena.

Não consigo falar em interpretação de Jim Caviezel como Cristo, porque seu olhar foi modificado na pós-produção (taparam-lhe logo de cara um olho e o outro ficou cor de mel) e seu corpo ficou recoberto de chagas de látex. E com nariz falso, por vezes lembra Caco Ciocler. Ou seja, é um Cristo convencional, bonitão, caucasiano, acima de polêmicas. Justo o contrário do filme, que resulta menos do que prometia.

Por Rubens Ewald Filho