QUANTO VALE OU É POR QUILO?

17 de junho de 2005

Sou grande admirador do trabalho do diretor Sérgio Bianchi, que conseguiu criar um estilo e um espaço próprio. Parece-me que ele é atualmente o único cineasta contestador deste país, já que todos estão mais ou menos conformes com a situação ou comprometidos com ela. Mas Bianchi prossegue na sua luta, naturalmente enfrentando os problemas decorrentes de sua audácia (tais como ter este seu filme muito mal-lançado, incompreendido pela crítica e ignorado pelos jornais).

Embora seja dos seus melhores filmes, de uma certa maneira assusta as pessoas desacostumadas com tanta ferocidade (e me pareceu que desta vez ele utilizou menos o humor como arma, ainda que presente, mas não aberto e constante). Mas, sem dúvida, é seu melhor filme, tanto como acabamento (a fotografia, a montagem são impecáveis), quanto como condução de atores (fica visível como ele protegeu seu elenco, que aliás é um “quem é quem” do cinema brasileiro, reunindo amigos de fitas anteriores, junto com o indefectível Caco Ciocler, Herson Capri - nunca melhor - até Claudia Mello - uma atriz magnífica e pouco aproveitada. Em geral, me pareceu que Sérgio usou muito bem os atores, mesmo quando eles não tem muitos recursos).

É verdade, porém, que o filme tem menos comunicação do que “Cronicamente Inviável”, até mesmo por causa da temática que é mais obscura e intelectualizada. As idas e vindas, entre passado e presente, talvez tenham prejudicado o ritmo. O fato é que o resultado é menos divertido e contundente que o filme anterior (ainda que este tenha um final - melhor dizendo dois -, porque depois dos primeiros letreiros, há uma alternativa - ambos extremamente ferozes e até mesmo discutíveis, na figura do rapaz, Silvio Guindane, que se torna bandido e depois corrupto, mas ainda é encarado como herói). Outro problema: o título é complicado e pouco comercial. Mas, definitivamente, é um filme para se assistir e discutir, porque é isso mesmo que pretende: polêmica. A proposta é levantar suspeitas sobre as ONGs (Organizações Não Governamentais), que encontram maneiras de desviar verbas e aferir lucros mesmo quando estão com a desculpa de ajudar os pobres.

Isso é mostrado através da ação de uma dessas ONGs, que está ameaçada de ser denunciada por duas funcionárias negras que descobrem a corrupção. O roteiro faz um paralelo com fatos reais, tirados de arquivos, mostrando também como no passado, durante a escravidão, no século XVIII, se conseguia também explorar de uma maneira ou outra os mais frágeis, no caso a população negra, mesmo quando alforriada. Com eficiente recriação de época, se faz um paralelo entre as duas situações, que afinal de contas não são assim tão diferentes. Acho que o filme merecia uma análise detalhada (e de quanto se pode falar isso atualmente, ainda mais no Brasil?) e de muito melhor sorte. Parece que ele vai fazer outro filme agora e, para a saúde do cinema nacional, é preciso que Sérgio continue a filmar, que não mude, que continue contestador e implacável. Que bom que ele existe e tem tanto talento.

Por Rubens Ewald Filho