10
de setembro de
2004
O maior
elogio que se pode fazer é que O Redentor não se
parece com coisa nenhuma. Não tem precedente, ou similar.
Por isso, revela um autor, um cineasta brasileiro de personalidade
e estilo próprio. O que há muito tempo não
sucedia. É verdade que Cláudio Torres já tinha
demonstrado talento e originalidade em seu episódio do
filme Traição (98). E não há dúvida
que descende de boa estirpe, que por sinal está toda no
filme: a mãe Fernanda Montenegro e o pai Fernando Torres
como atores, a irmã Fernandinha Torres como co-roteirista
e em ponta como atriz. Quem sai aos seus...
Por
outro lado, há alguns problemas. O maior é que
o filme não é ainda conhecido como deveria, corre
o risco de competir com o sucesso de Olga, precisa de tempo para
ser descoberto. O segundo, os próprios produtores (Globo
Filmes e a ilustre Conspiração Filmes) também
perceberam, é um filme difícil de classificar como
gênero (tanto que o press release faz várias tentativas,
a propósito). Infelizmente o público, hoje em dia
mais do que nunca, raciocina em bloco e precisa de balizas. Enfim,
emburreceu.
O Redentor é inteligente e pessoal,
mas não especialmente fácil, nem de resumir. Começa
como uma comédia de costumes, até porque Cláudio
procurou utilizar atores ligados à comédia em papéis
que vão se tornando cada vez mais dramáticos, por
vezes trágicos. Aproveitando a naturalidade e mesmo o
humor que eles trazem aos personagens. Como em Crepúsculo dos Deuses, o herói, o jornalista
Célio Rocha (Pedro Cardoso), já está morto
quando começa a fita e passa a relatar sua história.
Portanto, tudo é possível, o filme perde qualquer
obrigação de ser realista. E realmente, cada vez
mais, vai se tornando um delírio, uma fantasia. Acontece
que Célio foi colega de infância de um hoje corrupto
construtor de imóveis, Otávio Sabóia (Miguel
Fallabella), que nunca entregou o prédio de apartamentos,
que hoje fica perto de uma grande favela.
E no
qual o pai de Célio comprou uma unidade, tentando
realizar o sonho bem brasileiro da casa própria. Agora
esse prédio foi invadido pelos favelados, enquanto Sabóia
ameaça se jogar de um prédio e convoca o antigo
amigo para ajudá-lo numa série de complicadas negociatas.
Inclusive fazendo uma reportagem com uma bela favelada posando
na cobertura do prédio (a sempre bela Camila Pitanga;
aliás, para tirarmos isso logo do caminho, todo o elenco
está ótimo). A situação vai se complicando,
Célio vai parar na cadeia, mas a presença constante é a
figura do Redentor, ou seja, o Cristo Redentor que zela pelo
Rio de Janeiro e seus habitantes. E mais não dá para
resumir.
Misturando
implacável sátira a momentos
de farsa, tragédia e melodrama, o filme vai em espiral,
sem tropeços. Já disseram que é do tipo
ame-o ou deixe-o. Talvez nem tanto, simplesmente porque mesmo
os que não embarcarem na da histária, certamente
ficarão impressionados com a excelente produção.
Tudo é impecável, em particular a finalização,
o uso de efeitos digitais. Não há a menor dúvida
da qualidade do filme brasileiro, atualmente. Mas pode se criar
uma sensação de estranheza, de caos criativo, que
pode provocar uma certa rejeição. Saí do
cinema na certeza de ter assistido uma fita, no mínimo,
interessante, possivelmente brilhante. E de ter testemunhado
a revelação de um jovem grande cineasta.
Confirmem.
Por Rubens Ewald Filho
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