UM BRASILEIRO EM NOVA IORQUE
 


16 de outubro de 2005

Já tinha achado uma porrada, tanto Hotel Rwanda, quanto O Jardineiro Fiel, quando, de repente, aparece este O Senhor das Armas (mais bonita seria a tradução literal do original, “O Senhor da Guerra”), que consegue ser ainda mais terrível, mais violento, mais pesado, com mais denúncias, mais barbaridades, sobre o ser humano e o momento atual. Se dos outros você sai chocado, deste sai carregado. Atônito. Não que tudo aquilo que o filme denúncia seja novidade. Mas nunca se viu antes um filme sobre o tema (traficantes de armas) de maneira tão explícita, tão clara. E principalmente, tão cínica.

Enquanto O Jardineiro Fiel tem um herói de boa fé e uma história de amor para sustentá-lo, este não passa de uma conferência, uma palestra ilustrada sobre os males dos vendedores de armas. Aliás nada mais adequado para esta época de “Referendum” (deviam até mesmo tornar o filme obrigatório para qualquer um, antes de votar). Mesmo assim, poucos terão coragem de assistir a esta barra pesada. Me convenceu a votar em Não, já que, de uma forma ou de outra, as pessoas erradas sempre estarão armadas. E muitas vezes pelas próprias pessoas que se dizem defensores da verdade e justiça.

Eu admiro bastante o diretor neozelandês Andrew Niccol (que escreveu os roteiros de O Show de Truman e de O Terminal, e escreveu e dirigiu Simone e Gattaca). Mas sua habilidade como roteirista deixa a desejar, já que o filme basicamente é uma conferência, dada por um herói altamente cínico de origem russa Yuri Orlov (Nicolas Cage num de seus melhores momentos), que demonstra porque ele faz seus negócios com toda frieza, sem se envolver nas possíveis conseqüências, ou mesmo com a vitima. Chega a elaborar um inimigo, um honesto agente da Interpol (Ethan Hawke), simplesmente para ter algum conflito dramático, mas erra ao não conseguir justificar as ações nem da mulher do herói, a modelo que é ex-atriz frustrada (Bridget Moynahan), e muito menos a do irmão (Jared Leto de Alexandre), que podia muito bem se viciar em drogas, mas jamais seria levado naquela última missão (o filme se esforça em tornar o herói solitário, sem o exército de advogados e pilantras que forçosamente teria que o rodear).

Imigrante no bairro de “Little Odessa”, Yuri tem um pai que se faz passar por judeu (para viver melhor por ali), mas um dia decide ficar rico e começa a se envolver na venda de armas para países e grupos emergentes, sem ideologias. A melhor coisa que pôde lhe acontecer é quando acaba o comunismo russo, e criam-se dezenas de pequenas nações: todas têm que se armar, tornando-se beligerantes entre si. Enquanto isso, na África, tribos liquidam outras, ainda mais quando Yuri fica amigo de um ditador (fictício) da Libéria (o excelente ator Eamonn Walker de Oz “e Koma).

São tantos os horrores que testemunhamos, tão claras as denúncias dos altos escalões, que vou lhes poupar os detalhes. O pior de tudo é que tudo que o filme mostra e denúncia, aparenta ser a verdade. De forma indiscutível. E apocalíptica.

Naturalmente este é um filme que não podia ser sucesso de bilheteria, nem será celebrado como deveria. O fato dele existir já é um milagre e deixa a gente com esperança de que, apesar das evidências, talvez nem tudo ainda esteja perdido.

Por Rubens Ewald Filho

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