TARTARUGAS PODEM VOAR

22 de julho de 2005

Realizado pelo mesmo diretor do belo Tempo de Embebedar Cavalos, este filme é uma estranha co-produção do Iraque com seu inimigo tradicional o Irã, rodado com dinheiro francês, num campo de refugiados curdos perto da Turquia e acaba sendo o primeiro filme sobre a invasão americana do Iraque que assistimos aqui.

É um filme de extraordinário impacto, mas sem dúvida barra pesada. Basta dizer que na primeira seqüência acompanhamos uma bela adolescente que se aproxima de um precipício e depois de ligeira hesitação salta para a morte (depois no resto do filme em flash-back, ela irá tentar a morte outras vezes, assim como irá tentar matar o seu filho cego, que ela detesta porque nasceu do estupro que ela sofreu quando ainda menina foi atacada pelo exército inimigo). Assim não se pode dizer que não deixou claro do que se trata.

Vencedor do Grande Prêmio do festival de San Sebastian, do Urso de Vidro e Prêmio da Paz no Festival de Berlim, Melhor filme do Festival do México, este filme de titulo poético certamente é um dos mais tocantes e fortes deste ano. É tanta coisa que impressiona, que e difícil começar a comentar. Antes de tudo, a temática. No acampamento de refugiados curdos, um rapazinho apelidado de Satélite tenta ganhar dinheiro comandando um grupo de garotos, quase todos órfãos que ganham a vida desmontando minas terrestres (que depois revendem para atravessadores que as revendem para a ONU). Ele tem auxiliares fiéis (um deles, tem um defeito numa das pernas, o outro só fala chorando, ambos interpretados por atores amadores extraordinários). Mas está interessado numa pré-adolescente chamada Agrin, que anda com uma criança cega e o irmão dela que perdeu os dois braços numa explosão de minas (novamente todos são amadores e notáveis atores). O filme acompanha a corte que faz Satélite à garota, que reluta em aceitá-lo, traumatizada pelo passado. Tudo isso sucede durante os dias que precedem a invasão americana do Iraque, e é muito curioso, quando todos correm para ver a invasão pela televisão, acessando canais que são inclusive proibidos pelo governo. Para dar um clima mais estranho, o menino sem braços também tem visões e intuições (que geralmente se cumprem). Com um mínimo de orçamento e um máximo de sensibilidade, “Tartarugas” não tem a rudeza de imagens de muitos similares. Chega até a ser bonito em sua simplicidade.

Não faz qualquer ataque a Bush ou aos americanos, mas devia ser obrigatório para qualquer um envolvido na situação, em particular os americanos (o filme foi exibido por lá com boas criticas mas nenhum sucesso). De qualquer forma, vai estar na minha lista dos melhores do ano com certeza.

Por Rubens Ewald Filho