05
de dezembro de 2004
O
recente lançamento da série de TV Twin Peaks em DVD, no
Brasil, é uma boa oportunidade para sabermos um pouco
mais sobre a sua bela trilha sonora e seu compositor, Angelo
Badalamenti - habitual colaborador do cineasta David Lynch.
ANGELO
BADALAMENTI E A MÚSICA DE TWIN PEAKS
Filho
de pai italiano e mãe norte-americana, Badalamenti
nasceu em 1938 no Brooklyn, Nova York. Tendo crescido ouvindo ópera
e música clássica, ele estudou na prestigiada Eastman
School of Music, e posteriormente na Manhattan School of Music.
Sua entrada no mundo das trilhas sonoras ocorreu em 1986, quando
o diretor David Lynch o contratou para trabalhar no filme Veludo
Azul (Blue Velvet). Originalmente trazido para treinar a atriz
Isabella Rosselini em suas cenas de canto, Badalamenti acabou
também assumindo funções de compositor.
Além disso, ele fez uma ponta no filme como o pianista
que acompanha Isabella na sua interpretação da
canção título. Após mais alguns scores,
incluindo A Hora do Pesadelo 3 (Nightmare on Elmstreet 3) e Férias
Frustadas de Natal (National Lampoons Christmas Vacation), chegou
a vez do cult televisivo Twin Peaks.
Na
minha opinião esta é a melhor obra de Badalamenti,
e sua contribuição para a série é quase
tão importante quanto à do diretor e co-criador
David Lynch. O CD norte-americano de Twin Peaks foi um dos primeiros
que comprei, porém este álbum, pelo que me recordo,
chegou ao Brasil somente em LP, em 1991, aproveitando a exibição
da série. A péssima veiculação, pela
Rede Globo, da criação de David Lynch e do produtor
Mark Frost, colaborou para que ela não tivesse aqui a
mesma repercussão que teve nos EUA. Contudo a sua trilha
sonora, também aqui no Brasil, acabou sendo um sucesso
entre os apreciadores da boa música, e não me refiro
apenas aos fãs de trilhas sonoras. A música de
Twin Peaks teve boa aceitação pelo público
porque, além de extremamente eficiente como reforço
dramático aos aspectos peculiares da trama, sendo muito
mais que uma mera peça acessória no seriado, ela
pode ser perfeitamente apreciada também fora do contexto
para o qual foi composta. Em suma, é facilmente percebida
como música da melhor qualidade, tenha você assistido à série
ou não.
Badalamenti
foi trazido ao projeto antes mesmo da filmagem de qualquer cena,
e Lynch, além de fornecer as letras para
as canções, teve participação ativa
junto ao compositor na criação dos temas instrumentais.
O diretor solicitou a ele que criasse um tema principal que fosse,
ao mesmo tempo, dark e belo, com variações melódicas
que sugerissem ao espectador o clima bucólico da cidadezinha
de Twin Peaks e o suspense da trama. O resultado é o inesquecível "Twin
Peaks Theme", um dos mais belos temas de abertura já compostos
para a TV. A música nos transmite a beleza e a tranqüilidade
do lugar, porém possui um tom melancólico que nos
sugere que este não é o paraíso que aparenta
ser: seus habitantes possuem muitos e sombrios segredos.
Outra
peça de resistência da trilha sonora é "Laura
Palmer's Theme", dedicada à jovem cuja morte dá início à trama
da série. Durante a sua criação, Lynch pediu
a Badalamenti que se imaginasse em uma floresta à noite,
caminhando entre as árvores até avistar subitamente
uma bela moça. A composição resultante inicia
lenta, sombria e grave, com uma abertura pesada à base
de sintetizadores que é recorrente em outras faixas do
CD, mas progressivamente atinge um momento de beleza arrebatadora
quando o piano interpreta uma melodia suave. Posteriormente a
música volta aos tons sombrios, enfatizando a vida dupla
que a personagem mantinha. Quando, no episódio piloto,
o tema acompanha a revelação do rosto azulado do
cadáver de Laura, ele ajuda a criar um dos grandes momentos
da história da televisão.
Outra
personagem, a maluquete Audrey Horne, tem em "Audrey's
Dance" um tema mais do que apropriado, ouvido pela primeira
vez na série quando ela, para atrair a atenção
de um grupo de empresários suecos, ensaia uma lânguida
dança, como se estivesse em transe. A bateria sutil de
Grady Tate, os sopros de Al Regni e Eddie Daniels, complementados
pelos sintetizadores de Badalamenti e Kinny Landrum, marcam o
clima cool jazz de "Freshly Squezed", que sofrem acréscimo
de guitarras, sempre em vibrato, em "The Bookhouse Boys". "Night
Life in Twin Peaks" e "Love Theme from Twin Peaks" funcionam
mais como música incidental tradicional em vários
episódios, esta última sendo uma variação
do tema de Laura Palmer. Outro tema instrumental de destaque é "Dance
of The Dream Man". Apresentando o sax tenor de Al Regni,
o tema é ouvido quando, no antológico primeiro
sonho do Agente do FBI Dale Cooper, o anão que fala de
trás para a frente começa uma dança bizarra.
Nessa época Badalamenti e Lynch (escrevendo letras) trabalharam
com a cantora Julee Cruise no seu álbum de estréia,
Floating Into the Night, que continha as canções
da série. Porém algumas delas, como "Rockin'
back Inside my Heart" e "The World Spins" não
foram incluídas no álbum de Twin Peaks. No CD da
trilha sonora, Cruise é ouvida na bela "The Nightingale" (a
cantora inclusive aparece em um episódio, interpretando
esta canção), na qual se destacam os acordes em
vibrato das guitarras de Vinnie Bell e Eddie Dixon. Ela faz o
vocais também na lúgubre "Into The Night" e "Falling",
esta a versão vocal do tema principal. Angelo continuou
a compor a música da série até o final de
sua segunda e última temporada.
Em
1992, Badalamenti e Lynch retornaram à cidadezinha
de Twin Peaks com o filme Twin Peaks - Os Últimos Dias
de Laura Palmer (Twin Peaks:Fire walk With Me), uma injustamente
malhada pela crítica prequel da série de TV que
recebeu outra brilhante trilha sonora do compositor. O filme é uma
visão ainda mais sombria dos eventos que estavam por trás
da série, com uma canção, "A Real Indication",
com a participação do próprio Badalamenti
nos vocais. Outros destaques da trilha são outra colaboração
com Julee Cruise, a bela "Questions in a World of Blue",
e "Pink Room", que tocava tão alto no filme
que tiveram que colocar legendas nas falas dos atores.
Angelo
também colaborou no segundo álbum de Cruise,
The Voice of Love. A partir daí ele continuou atuando
em outros projetos para a televisão nos filmes seguintes
de David Lynch, como o recente Cidade dos Sonhos (Mulholland
Dr.). Porém, é a sua música plena de beleza
atemporal de Twin Peaks, um dos melhores trabalhos já compostos
para a televisão em todos os tempos, que realmente pode
ser chamada de sua obra-prima.
Ok
pessoal, nos vemos na próxima coluna, com novidades
sobre lançamentos em DVD no exterior. Até lá!
Por Jorge Saldanha
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