07
de novembro de 2004
O
ano de 2004 ainda não acabou, mas desde já pode ser
considerado um dos mais tristes para a música do Cinema.
Nada menos do que quatro importantes compositores de trilhas
sonoras faleceram, nos deixando uma obra expressiva e inesquecível.
A seguir, um pequeno perfil dos grandes maestros falecidos este
ano.
2004,
UM ANO TRÁGICO PARA A MÚSICA DO CINEMA
MICHAEL
KAMEN
Nascido
no dia 15 de abril de 1948 em Queens, Nova York, EUA, Michael
Kamen estudou na famosa Julliard School of Music, onde
se destacou como compositor e até instrumentista, tocando
trompete e oboé. Como membro fundador da New York Rock & Roll
Ensemble, Kamen obteve sucesso nos anos 70 como arranjador,
produtor e músico, trabalhando com uma variada gama
de artistas que incluíam Queen e Kate Bush. Ele foi
o diretor musical da turnê de David Bowie "Diamond
Dogs", e foi essencial para o sucesso do álbum
do Pink Floyd "The Wall". Apesar de ter contato com
a música de cinema desde 1976, o primeiro sucesso de
Kamen no ramo veio em 1983, quando compôs o score para
a clássica parábola de ficção científica "Brazil".
Desde então, seus extensos créditos incluíram
filmes como as séries de filmes de grande sucesso "Duro
de Matar” e "Máquina Mortífera”, "Highlander" (1986), "Robin
Hood: Príncipe dos Ladrões" (1991), "Don
Juan De Marco" (1995), "X-Men" (2000), a aclamada
série de TV "Band of Brothers" (2001), e o
western de Kevin Costner "Pacto de Justiça" (2003).
Além de suas trilhas para o cinema, Kamen compôs
uma série de canções de sucesso, especialmente "Everything
I Do I Do For You", "All For One" e "Have
You Ever Really Loved A Woman" para Bryan Adams. Ele também
compôs elogiados trabalhos eruditos - um concerto de
guitarra para Eric Clapton, um concerto de saxofone para David
Sanborn, uma sinfonia chamada "S&M", que combinou
a San Francisco Symphony Orchestra e a banda de rock Metallica,
e uma peça para a National Symphony in Washington intitulada "The
Old Moon in the New Moon's Arms", criada para comemorar
a virada do milênio. Seu score para o filme "Mr.
Holland's Opus" (1995) levou à criação
da Mr. Holland's Opus Foundation, uma organização
sem fins lucrativos que busca apoiar o ensino da música
para pessoas carentes, nas escolas dos Estados Unidos. Em 2003,
Kamen revelou que sofria de esclerose múltipla, e que
planejava engajar-se em uma nova campanha para combater a doença.
Infelizmente, este novo projeto nunca chegou a se concretizar.
Inesperadamente, Kamen faleceu vítima de um ataque cardíaco
no dia 18 de novembro de 2003 na sua residência em Londres,
deixando sua esposa, Sandra Keenan-Kamen, e duas filhas, Sasha
e Zoe. Além de seu trabalho, Michael Kamen será sempre
recordado, por quem o conheceu pessoalmente, pela sua personalidade
efusiva e jovial.
JERRY
GOLDSMITH
Tendo sido um dos mais prolíficos
compositores norte-americanos do meio, listar apenas uma parte
das trilhas compostas por Jerry
Goldsmith é uma tarefa árdua. O público
e os críticos em geral sem dúvida mencionariam “Patton:
Herói ou Rebelde?”, “The Sand Peebles”, “A
Pach of Blue”, “Instinto Selvagem”, “Lancelot”,
além de sua inestimável contribuição
para filmes de ficção científica, terror
e fantasia, como “Jornada nas Estrelas”, “Planeta
dos Macacos”, “Fuga do Século 23”, “A
Profecia” (único Oscar por ele conquistado), “Alien”, “O
Vingador do Futuro”, etc. Ao longo do tempo, Goldsmith
formou uma escola no meio musical cinematográfico, e mesmo
tendo formação clássica nunca teve receio
das inovações, sendo o primeiro compositor a manter
uma seção fixa de instrumentos eletrônicos
em sua orquestra. Jerrald Goldsmith nasceu em Los Angeles em
29 de fevereiro de 1929, e aprendeu a tocar piano aos 6 anos
de idade. Depois de estudar no Dorsey High School e Los Angeles
City College durante os anos 40, incluindo aí um semestre
de aulas sobre música de cinema com o lendário
Miklos Rosza, juntou-se ao departamento musical da CBS em 1950.
Inicialmente em um papel secundário, passou em seguida
a compor em tempo integral para o rádio e, posteriormente,
TV. Sua entrada no cinema deu-se no final dos anos 50 a convite
de Alfred Newman, e após um começo hesitante, teve
um crescimento surpreendente nos anos 60 ao agarrar todos os
tipos imagináveis de assuntos, com alto domínio
estilístico. Na TV, suas obras incluem trilhas e temas
para “Além da Imaginação”, “Dr.
Kildare”, “Viagem ao Fundo do Mar”, “O
Agente da U.N.C.L.E.”, “Os Waltons”, “Barnaby
Jones”, “QB VII” e outros mais. Em 1995, o
compositor (e também já falecido) Fred Karlin produziu
um inestimável documentário em VHS sobre a obra
de Goldsmith. Nele temos trechos de suas músicas e clipes
de filmes, depoimentos de colegas, músicos, diretores,
amigos, de seu filho Joel e de sua esposa Carol, que participou
como vocalista em algumas das trilhas de Jerry. Alternadamente,
acompanhamos as sessões de gravação da partitura
de “O Rio Selvagem”, do diretor Curtis Hanson. É difícil
de acreditar que um compositor de qualidade e com um trabalho
no cinema que abrange não só as trilhas já citadas,
mas também a trilogia “Rambo”, “Gremlins” I
e II, “L. A. Confidential”, “A Múmia”, “O
13º Guerreiro” e “O Homem Sem Sombra”,
tenha sido tão pouco prestigiado pela Academia de Hollywood.
Sua última indicação foi em 1998, por “Mulan”.
Em 2003 Jerry teve sua partitura musical para “Linha do
Tempo”, de Richard Donner, rejeitada. Sua última
trilha original foi a do filme “Looney Tunes: De Volta à Ação”.
No dia 21 de julho de 2004, após anos travando uma silenciosa
batalha contra o câncer, Jerry Goldsmith faleceu em sua
residência, dormindo.
DAVID
RAKSIN
Nascido a 4 de agosto de 1912, na Filadélfia, David Raksin,
renomado compositor, regente, arranjador e orquestrador, também
era um dos principais porta-vozes da comunidade musical de Hollywood.
Raksin descobriu o casamento entre a música e o cinema
assistindo a seu pai reger a orquestra que acompanhava os filmes
mudos exibidos no Metropolitan Opera House de Filadélfia.
Aos 22 anos, George Gershwin recomendou Raksin para a famosa
equipe Harms/Chappell, que arranjou praticamente todos os espetáculos
da Broadway naquele tempo. Em 1935, Raksin recebeu um convite
para ajudar Charlie Chaplin com o score de seu filme “Tempos
Modernos”. Com pouco mais de uma semana de trabalho, Chaplin
despediu Raksin por insubordinação. Porém,
graças à intervenção do renomado
Alfred Newman, Chaplin voltou atrás, e acabou tornando-se
um grande amigo do jovem compositor. No ano seguinte, a Philadelphia
Orchestra, regida por Leopold Stokowski, interpretou uma peça
de sua autoria, “Montage”. Em 1944, Raksin criou
um belo tema que seria sua composição mais conhecida,
para o filme de Otto Preminger “Laura”. A música
caiu no imediato agrado do público, que exigiu uma gravação
comercial. Em poucos meses, 5 artistas diferentes lançaram
versões vocais de Laura, uma das canções
mais gravadas da história. Nos anos e décadas que
se seguiram, Raksin compôs scores para mais de 100 filmes,
destacando-se “Forever Amber” (1947), “Force
of Evil” (1948), “The Bad and The Beautiful” (1952), “Separate
Tables” (1958), “Too Late Blues” (1962) e “Wild
Penny” (1968). Para a TV, Raksin compôs para mais
de 300 programas individuais, inclusive o tema da popular série
dos anos 60 “Ben Casey”, e várias partituras
de telefilmes, como a do famoso drama sobre o holocausto nuclear “The
Day After” (1983). Raksin também foi presidente
da Society for the Preservation of Film Music (1992-1995), e
recebeu da entidade o prêmio pelo Conjunto de sua Obra
em 1985. Em 1995, foi eleito para a presidência da ASCAP.
Em outubro de 1966 Raksin esteve no Brasil, e fez uma apresentação
durante o Primeiro Festival Internacional da Canção
Popular, realizado no Maracanãzinho. Na lista de convidados
especiais do evento estavam, além de Raksin, grandes nomes
como Henry Mancini, Johnny Mandel e Nelson Riddle. Mas foi Raksin
que recebeu a maior ovação do público, quando
subiu ao palco e cantou Laura (com letra em português),
acompanhando-se ao piano. David Raksin faleceu no dia 09 de agosto
de 2004, aos 92 anos de idade, vítima de um ataque cardíaco.
ELMER
BERNSTEIN
Nascido na cidade de Nova York no dia 04
de abril de 1922, Elmer Bernstein resolveu dedicar-se à música
aos 12 anos de idade. Estudou piano, e logo atraiu a atenção
de Aaron Copland, que fez com que o jovem estudasse com um
de seus pupilos, Israel Sitowitz. Isto abriu caminho para que
Elmer pudesse estudar composição com Roger Sessions
e Stefan Wolpe. Elmer começou a dar recitais ao final
de sua adolescência, e aos 21 anos, prestou o Serviço
Militar. De uniforme, sua habilidade ao piano lhe seria de
pouca valia, mas em virtude de seu grande conhecimento da música
americana, ele foi transferido para o Serviço de Rádio
das Forças Armadas, onde se tornou arranjador, e em
breve, compositor de músicas incidentais para produções
radiofônicas. Em 1949 foi convidado pelo serviço
de rádio das Nações Unidas para compor
uma partitura, para celebrar o armistício conseguido
pela ONU em Israel. O programa foi transmitido pela NBC, e
foi ouvido pelo estimado escritor/produtor Norman Corwin, que
contratou Elmer para compor o score de um de seus dramas de
rádio. Este, por sua vez, foi ouvido por um executivo
da Columbia Pictures, que convidou-o a musicar dois filmes, “Saturday's
Hero” e “Boots Malone”, ambos em 1951. Nos
primeiros anos de Bernstein em Hollywood, seus trabalhos limitavam-se
a filmes menores, até que uma grande produção
surgiu em seu caminho – “Os Dez Mandamentos”,
o épico de 4 horas de duração de Cecil
B. DeMille. Victor Young, que compusera a maior parte das trilhas
dos filmes anteriores de DeMille, havia falecido, e o produtor/diretor
necessitava de alguém que criasse uma partitura no estilo
que fora consagrado por Young. Elmer provou que era capaz de
fazê-lo, e ao mesmo tempo criar um estilo nitidamente
próprio. “O Homem do Braço de Ouro” (1956),
considerada a primeira grande partitura a utilizar o jazz,
valeu a Elmer sua primeira indicação ao Oscar.
Desde então, Elmer Bernstein compôs uma longa
série de memoráveis trilhas cinematográficas.
A música de Bernstein criou um novo estilo, quando a
trilha de “Sete Homens e um Destino” (1960) definiu
o som dos westerns. Durante as décadas de 60 e 70, ele
compôs para os últimos sete filmes de John Wayne.
Agraciado com vários prêmios por seu trabalho
no cinema, TV, teatro e rádio, Bernstein teve 13 indicações
ao Oscar, recebendo-o em 1967 pelo score de “Positivamente
Millie”, de George Roy Hill. Bernstein também
compôs para algumas das comédias de maior sucesso
dos anos 70 e 80, como “O Clube dos Cafajestes”,
de John Landis, “Apertem os Cintos, O Piloto Sumiu” e “Os
Caçafantasmas”. Bernstein, além de seu
trabalho no cinema, achou tempo para dedicar-se a outras atividades:
foi Presidente da Los Angeles Young Musicians Foundation por
10 anos; em 1968, foi diretor da San Fernando Valley Symphony
Orchestra; e, em 1969, tornou-se Presidente do Composers and
Lyricists Guild of America, lutando pelos direitos autorais
de seus membros. Elmer Bernstein faleceu no dia 18 de agosto
de 2004, em sua residência na Califórnia, aos
82 anos. Sabia-se que ele estava doente há tempos, mas
a causa da sua morte não foi revelada.
Então é isso, pessoal. Se fisicamente estes grandes
homens não mais estarão entre nós, a sua
grande obra seguirá eternizada em filmes, discos e, principalmente,
no coração dos seus milhares de fãs.
Jorge
Saldanha
Adendo:
já estava encerrando a matéria quando
foi divulgado falecimento do compositor Gill Melle, aos 72 anos
de idade, vítima de um ataque cardíaco. Certamente
ele não é tão conhecido como os demais acima
citados, e nem teve tanta importância para a música
do cinema. De qualquer modo, é dele a trilha original
de um dos melhores filmes baseados em um livro de Michael Crichton,
O Enigma de Andrômeda. E quem acompanhou as séries
de TV norte-americanas dos anos 70, terá lido seu nome
nos créditos de programas como Galeria do Terror e Kolchak:
Os Demônios da Noite. Que ano...
(fotos: arquivo/divulgação)
|