ZAPEANDO
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22 de agosto de 2005

No final do ano chega a aguardada refilmagem do clássico King Kong, do diretor Peter Jackson, e antes disso o filme original será relançado pela Warner em um caprichado DVD. Portanto, é bem provável que logo você comece a ouvir falar (e ler) sobre animação “stop motion” e Ray Harryhausen. Nesta coluna, conheceremos a obra do responsável pela popularização desta técnica.

 

RAY HARRYHAUSEN, O MESTRE DA ANIMAÇÃO STOP MOTION

Qualquer um que tenha assistido King Kong (1933), Simbad e a Princesa (1958) ou Fúria de Titãs (1981) viu magníficos exemplos de uma das mais antigas técnicas de efeitos especiais do cinema: a animação quadro a quadro (stop motion animation), também conhecida por animação dimensional. Por essa técnica, um pequeno modelo articulado é fotografado em seqüência, enquanto um animador muda um pouco sua posição entre cada foto. Ao ser exibida uma após a outra, como em um desenho animado, tem-se a ilusão de que o modelo move-se por conta própria. Apesar de remontar aos primórdios do cinema, dois nomes popularizaram essa técnica: o falecido Willis O´Brien e Ray Harryhausen, sendo que este elevou-a à categoria de arte. Ray Harryhausen nasceu em 29 de junho de 1920 em Los Angeles, Califórnia. Ao assistir King Kong*, quando tinha 13 anos, Harryhausen apaixonou-se pelo filme e elegeu Willis O´Brien, o autor de seus efeitos especiais, como o maior de seus ídolos.

Também apaixonado pela ficção científica, conheceu seu melhor amigo Ray Bradbury, o aclamado autor do clássico livro Crônicas Marcianas, muito antes de ambos realizarem seus sonhos de infância. Os dois nunca trabalharam juntos, o que é uma pena, já que as visões poéticas de Bradbury casariam perfeitamente com as imagens cinemáticas de Harryhausen. Foi nos anos 30 que Harryhausen realizou seus primeiros experimentos de animação, com a câmara de um amigo emprestada. Iniciou um ambicioso projeto chamado Evolução, mas decidiu abandoná-lo quando Disney lançou Fantasia*. Após servir no exército e realizar alguns curta-metragens institucionais, Harryhausen pôde finalmente utilizar intensamente sua técnica, na série Pupetoons produzida por George (Guerra dos Mundos*) Pal. Com o dinheiro ganho produziu alguns curtas, Mother Goose Stories. Mas seus sonhos começaram a se concretizar a partir do dia em que foi à casa do mestre Willis O´Brien, para exibir seus primeiros trabalhos. O´Brien reconheceu aquele talento emergente, a ponto de, em 1946, convidar o jovem para ajudá-lo a criar mais um gorila para as telas, Mighty Joe Young (O Monstro do Mundo Perdido). O filme, que não repetiu o sucesso de bilheteria de King Kong mas hoje é considerado um pequeno clássico e foi refilmado em 1998 (no Brasil recebeu o título Poderoso Joe*), garantiu o Oscar de efeitos especiais para Willis O´Brien.

Harryhausen, após sua incursão inicial em Hollywood, foi convidado por Jack Dietz para seu primeiro trabalho integral em um longa metragem, The Beast From 20.000 Fathoms (O Monstro do Mar). A partir dele, Harryhausen passou a desenvolver a técnica de combinar o modelo animado com atores e cenas em movimento, que ao ser aperfeiçoada passou a ser conhecida como Dynarama, ou Dynamation. Coincidentemente, o filme foi inspirado em um conto do amigo Ray Bradbury, The Fog Horn (A Sereia de Nevoeiro). No filme, um pré-histórico Rhedossauro é descongelado por uma explosão nuclear e viaja sob o mar até Nova York para causar pânico e destruição, devorar policiais e ser morto em um parque de diversões pelo novato Lee Van Cleef. O filme foi um inesperado sucesso de bilheteria em 1952. Em 1953, através de um amigo comum, Harryhausen conheceu aquele com quem teria uma duradoura colaboração, Charles H. Schneer. O resultado inicial desta nova parceria foi It Came From Beneath The Sea (O Monstro Do Mar Revolto, sobre um polvo gigantesco que ataca São Francisco) e Earth Vs. The Flying Saucers (A Invasão dos Discos Voadores, cuja cena memorável é a de um disco voador colidindo com o Capitólio de Washington) para a Columbia. Para a Warner Bros, Harryhausen criou em 1956 algumas cenas de dinossauros para o semi-documentário The Animal World, uma das primeiras produções escritas e dirigidas por Irwin Allen.

Quando Schneer fundou sua própria companhia (Morningside Productions), em 1957, Harryhausen pôde fazer 20 Million Miles To Earth (A Milhões de Léguas da Terra), cuja idéia estava desenvolvendo há alguns anos. No filme, uma espaçonave retorna de Vênus trazendo um ovo de uma criatura nativa, o Ymir. A nave acaba caindo nas costas da Itália, o ovo se descasca e o então pequenino Ymir começa a crescer até tornar-se um gigante. Capturado pelo Exército, é aprisionado no zoológico de Roma para estudos. Consegue fugir e trava um feroz combate com um elefante. Sua última batalha contra o exército ocorre no Coliseu de Roma. O filme marcou o início da colaboração da dupla Schneer-Harryhausen com o diretor Nathan Juran, que continuou em The 7th Voyage Of Sinbad e First Men In The Moon. A boa bilheteria do Ymir permitiu a Harryhausen e Schneer embarcarem em uma viagem mais ambiciosa, através dos contos das 1.001 noites: The 7th Voyage of Sinbad (Simbad e a Princesa*). Com belas locações na Espanha, o filme mostra Simbad (Kerwin Mathews) e sua tripulação viajarem à misteriosa ilha de Colossa, a fim de libertar sua amada princesa do feitiço do mago Sokurah (Torin Thatcher). Pela primeira vez, Harryhausen criou toda uma galeria de criaturas animadas quadro a quadro, como o Ciclope, o Pássaro Roca, a Mulher Serpente, etc. Apesar do orçamento reduzido e das interpretações no máximo razoáveis, o filme é repleto de grandes momentos pontuados pela excepcional música do lendário compositor Bernard Herrmann, destacando-se o perfeitamente sincronizado duelo de Kerwin Mathews com o esqueleto. Para esta cena, Herrmann compôs um concerto de castanholas e xilofone, que soa como ossos batendo.

Em 1959 Harryhausen mudou sua base de operações para a Inglaterra, em razão de lá haver um novo processo de efeitos especiais à base de sódio. O primeiro produto dessa nova fase foi The Three Worlds Of Gulliver (As Viagens de Gulliver), e novamente Harryhausen reuniu-se com Kerwin Mathews e Bernard Herrmann. Apesar de não repetir o sucesso de Simbad, este filme, o primeiro no qual ele utilizou o processo de sódio, é inigualável na combinação de imagens, especialmente nas cenas de Gulliver em Lilliput. A animação quadro a quadro, apesar de fazer-se presente, não foi o destaque, e Harryhausen teve a oportunidade de aprofundar-se em uma variedade de outros efeitos. A primeira realização dos anos 60 da dupla Schneer-Harryhausen foi Mysterious Island (A Ilha Misteriosa), baseada na novela de Júlio Verne. Os fãs apreciaram bastante as cenas com as criaturas gigantes (um caranguejo, algumas abelhas, um pássaro e um polvo pré-históricos), além de mais uma vibrante trilha de Bernard Herrmann. Encerrada a produção, mesmo antes da estréia de A Ilha Misteriosa, Harryhausen já trabalhava naquele que ele considera seu melhor filme, Jason And The Argonauts (Jasão e o Velo de Ouro). O processo de produção foi exaustivo (dois anos), em que Harryhausen encarregou-se praticamente de todos os detalhes, desde o esboço dos personagens até a escolha do elenco e das locações (cenas foram filmadas na Itália e Grécia). Apesar de mostrar uma galeria de monstros mitológicos que incluía o gigante de bronze Talos, as Harpias e a Hidra de Sete Cabeças, como em Simbad a cena mais lembrada é um duelo com esqueletos, que novamente foi musicada vibrantemente por Herrmann.

Posteriormente, ao longo dos anos 60, Harryhausen realizou mais alguns filmes que, apesar de serem tecnicamente impecáveis, não repetiram o sucesso de seus predecessores. Dessa fase, que incluiu First Men In The Moon (Os Primeiros Homens na Lua*, baseado em H. G. Wells), The Valley Of Gwangi (O Vale do Gwangi, a retomada de um antigo projeto de Willis O´Brien, em que cowboys descobrem um Alossauro vivo no início do século) e One Million Years B. C. (Mil Séculos Antes de Cristo), talvez este último tenha tido mais destaque. Uma produção da Hammer inglesa, este foi o filme que lançou a seminua mulher das cavernas Raquel Welch à fama. Na trama, duas tribos pré-históricas competem entre si e combatem dinossauros - segundo Harryhausen, essa “infidelidade científica” é secundária, e serviu bem aos propósitos do filme. De qualquer sorte, esses dinossauros somente foram superados em 1993, com as feras digitais de Jurassic Park. Já nos anos 70, buscando recuperar a magia dos velhos tempos, a dupla Schneer-Harryhausen resolveu retornar às 1.001 noites com The Golden Voyage Of Sinbad (A Nova Viagem de Simbad*). Novamente com locações na Espanha, o filme traz uma nova galeria de criaturas bizarras, como o Homúnculo, a estátua da deusa Kali, o Centauro de um olho só e o Grifo. John Phillip Law substituiu Kerwin Mathews no papel principal. Tom Baker, então famoso na Inglaterra por sua atuação na série cult Dr. Who, fez o mago Koura, e a musa da fantasia dos anos 70, Caroline Munro, era a mocinha raptada pelo terrível Centauro. Apesar de não chegar aos pés do primeiro Simbad, esta seqüência ainda ofereceu muita diversão graças à magia dos efeitos especiais e à música do veterano Miklos Rosza, que compôs uma trilha digna dos antigos clássicos de aventura.

Quase ao final dos 70, Sinbad And The Eye Of The Tiger (Simbad contra o Olho do Tigre*) encerrou a trilogia, e infelizmente foi o mais fraco da série. Apesar de Patrick Wayne interpretar um Simbad superior ao de John Phillip Law, o filme em si deixou a desejar. A concepção das criaturas foi fraca (a melhor talvez tenha sido a Morsa gigante), e bem mais interessante que elas foram as beldades Jane Seymour e Tarin Power tomando banho nuas em um rio. Também, a pouca receptividade do filme deve-se em parte à época de seu lançamento, 1977. Foi no ano do estouro de Guerra nas Estrelas, que ofuscou os monstros pré-históricos e mitológicos e colocou na moda os filmes espaciais. O velho Harryhausen, no entanto, não desviou-se de seus princípios. Em seu último filme, Clash of The Titans (Fúria de Titãs*, 1981), Harryhausen voltou ao seu período favorito, a antiga Grécia, com um orçamento maior que o normal, utilizando todas as técnicas que aprendeu com o passar dos anos. Contando o tempo de filmagem com atores, o veterano técnico e sua equipe trabalhou 2 anos neste último épico, animando figuras mitológicas como Pégaso, Calibos e a Medusa. O filme narra a luta do herói Perseu para conquistar a mão da bela Andrômeda, enfrentando em seu caminho homens, monstros e deuses. Além da animação quadro a quadro, o filme teve outros efeitos impressionantes, como o maremoto provocado por Kraken, que destruiu a cidade de Argos.

Apesar de não ter realizado mais filmes, limitando-se a realizar pequenas pontas em filmes (como na refilmagem de Mighty Joe Young) e documentários para seus DVDs, Ray Harryhausen deixou um inigualável legado no cinema, e como seu mestre Willis O´Brien, foi o ídolo e a inspiração de jovens que dedicaram toda seu esforço e criatividade à arte da animação dimensional. Para muitos, e principalmente para nomes como Jim Danforth (Quando os Dinossauros Dominavam a Terra), David Allen (O Enigma de Outro Mundo*, O Jovem Sherlock Holmes) e Phil Tippett (O Império Contra-Ataca*, Robocop*, Jurassic Park*), um novo mundo foi descoberto nesses filmes fantásticos, que foram exibidos nas melhores matinês de todos os tempos. Ray Harryhausen ganhou o Oscar em 1991 (Prêmio Gordon E. Sawyer), pelos avanços que proporcionou nas técnicas de efeitos visuais especiais. Peter Jackson, demonstrando todo o seu respeito pelo veterano mestre, convidou-o para ser consultor de efeitos visuais em sua versão de King Kong. Mais do que uma tarefa, uma bem merecida homenagem a este velho senhor que maravilhou milhões de espectadores, por muitas décadas.

* Filmes lançados em DVD no Brasil

Meus caros, já chega por esta coluna. Na próxima, conheçam os novos lançamentos em DVD que estão chegando no Primeiro Mundo. Até lá!

Por Jorge Saldanha