02
de janeiro de 2005
Na
primeira coluna de 2005, faço um pequeno retrospecto da
história da Música no Cinema de Hollywood, e chego à conclusão
de que não se fazem mais trilhas sonoras como antigamente.
E você, o que acha?
ESTAMOS
TESTEMUNHANDO - E OUVINDO - O FIM DE UMA ERA
Quando
da queda do Muro de Berlim e da derrocada da União
Soviética, fatos que em princípio consagraram a
vitória do capitalismo democrático, houve um pensador
norte-americano que afirmou, categoricamente, que a história
havia chegado ao seu fim. Exageros à parte, e após
2004 ter sido um ano em que importantes compositores do cinema
faleceram (fato que já foi objeto de uma coluna anterior),
fiquei pensando se não poderia haver um conceito análogo
em relação às trilhas sonoras.
A Era
de Ouro da música no cinema iniciou quando, no
advento do som, compositores eruditos europeus estabeleceram-se
na Meca do Cinema - Hollywood -, lançando as bases do
que seria a tradicional trilha sonora incidental dos filmes.
Assim, na década de trinta, a partir da partitura original
para King Kong, de Max Steiner, mestres como o próprio
Steiner, Erich Wolfgang Korngold, Franz Waxman e Miklos Rozsa
criaram obras grandiosas, na melhor tradição
do romantismo europeu. Importantes maestros norte-americanos
seguiram
seus passos nos anos quarenta: Alfred Newman, David Raksin,
Victor Young e, para mim o mais genial deles, Bernard Herrmann,
imprimiram
seu estilo pessoal à música da Sétima
Arte, colaborando para definir de forma eloqüente a grande
trilha sonora orquestral como hoje a conhecemos, e cujos trabalhos
ainda
hoje servem de exemplo aos compositores que trabalham no ramo.
Já nos
anos cinqüenta, ao lado de muitos veteranos,
novos talentos surgiram para revigorar a música do cinema.
Mesmo dominando amplamente a linguagem sinfônica, compositores
como Alex North, Elmer Bernstein e Leonard Rosenman começaram
a agregar às trilhas sonoras outras linguagens, principalmente
o jazz. Os anos sessenta marcam a ascensão, na Europa,
de nomes como Nino Rota, Michel Legrand, John Barry, Ennio Morricone
e Maurice Jarre (todos eventualmente acabando por compor também
para produções de Hollywood), e nos EUA, compositores
versáteis como Henry Mancini, Jerry Goldsmith, Lalo Schifrin,
Jerry Fielding, Quincy Jones e John Williams, surgem no cenário
musical cinematográfico carregando um grande arsenal de
estilos. É a época em que as grandes trilhas orquestrais
cedem boa parte de seu espaço a trabalhos calcados principalmente
no jazz e no rock, ou mesmo em sonoridades vanguardistas, atonais
e, ainda, eletro/eletrônicas. E, nas raras ocasiões
em que um diretor possuía liberdade criativa para exigir
uma trilha sonora sinfônica, ela normalmente era extraída
de obras pré-gravadas (exemplo clássico: 2001,
no qual Stanley Kubrick rejeitou uma partitura original de Alex
North em favor de uma seleção de músicas
eruditas). Mestres como Herrmann ou Rozsa eram contratados apenas
esporadicamente, por diretores que admiravam suas obras. De qualquer
sorte, a década de sessenta foi um fervilhante caldeirão
criativo para as artes em geral, e a música do cinema,
independentemente do estilo adotado, não foi exceção.
Até meados
da década de setenta, as trilhas sonoras
permaneceram dominadas por ritmos pop/eletrônicos. Filmes
blaxploitation, policiais e de kung fu dominavam o mercado, até que
a partir de 1975, com o Tubarão da dupla Steven Spielberg/John
Williams, iniciou a era dos blockbusters, e com ela teve início
o resgate da música orquestral. Contudo, o retorno deste
estilo ainda à época considerado, por muitos, como
uma forma antiquada de musicar um filme, consolidou-se de fato
em 1977 com duas produções de ficção
científica que marcaram época: Star Wars, de George
Lucas, e Contatos Imediatos do Terceiro Grau, de Spielberg, ambas
tendo John Williams como compositor. Para o primeiro filme Williams
criou uma partitura essencialmente de aventura, na melhor tradição
das trilhas de capa-e-espada de Korngold; já no segundo
o compositor baseou-se em elementos mais sombrios e atonais,
mas em ambas a orquestra era a força motriz da música.
E, a partir daí, e entrando na década de oitenta,
uma nova e criativa fase da música sinfônica teve
início.
Hollywood
foi tomada de assalto por uma leva de filmes de cunho fantástico,
que via de regra possuíam
grandes e estupendas trilhas sonoras. Nesse período prolífico,
que estendeu-se pelo menos até o final da década
de oitenta, nomes de compositores até então praticamente
desconhecidos brilharam nas telas: é a era de James Horner,
Basil Poledouris, Danny Elfman, Michael Kamen e Alan Silvestri,
entre outras revelações. Paralelamente, veteranos
como Williams e Goldsmith continuavam a produzir muitas partituras
de qualidade, em variados gêneros cinematográficos.
No entanto, a partir dos anos noventa, começamos a notar
que o formulismo crescente das produções de Hollywood
estava instalando-se também em suas trilhas originais.
Hoje esta é uma realidade, e apesar de termos compositores
do calibre de Elliot Goldenthal, James Newton Howard e Howard
Shore, que buscam não apenas compor partituras funcionais,
mas também criativas, a procura que mais cresce é por
trilhas sonoras imediatamente digeríveis pelo público,
que se enquadrem em padrões facilmente reconhecíveis.
Ou sendo ainda mais específico, que sejam parecidas umas
com as outras. E ainda assim, é raro que essas músicas
caiam no gosto popular, a ponto de sairmos do cinema assobiando
ou cantarolando uma delas.
Excelentes
compositores, como Bruce Broughton ou Cliff Eidelman, raramente
recebem oportunidades em grandes projetos. Vivemos
o império da Media Ventures de Hans Zimmer & Cia.
(produção em série, trabalho em equipe - é difícil
dizer quem compôs o que!), da reciclagem interminável
de James Horner (de material próprio e alheio), da falta
de inspiração de Danny Elfman, do afastamento progressivo
de John Williams das trilhas sonoras (o compositor cada vez mais
se dedica a outros trabalhos), da rejeição de grandes
trabalhos, como Linha do Tempo, de Goldsmith, e Tróia,
de Gabriel Yared, substituídos por partituras mais "da
moda". Isso tudo, aliado às recentes mortes de nomes
importantes como David Raksin, Elmer Bernstein, Jerry Goldsmith
e Michael Kamen, me deixam uma impressão de "fim
de festa". Tudo o que surge, agora, já não
mais possui aquele sabor do novo, da inventividade.
É
significativo, portanto, que duas das melhores trilhas sonoras
recentes tenham raízes firmemente fincadas no passado.
O melhor da música de Kill Bill está no genial
uso de uma seleção de músicas extraídas
de filmes e séries de TV dos anos sessenta e setenta,
já o score de Os Incríveis, do jovem Michael Giacchino, é na
sua maior parte uma estupenda homenagem às trilhas de
John Barry para os filmes de James Bond. E estes certamente são
dois exemplos positivos (aliás, adoro estas duas trilhas).
De resto, para cada A Vila, de James Newton Howard, temos dez
Piratas do Caribe. A música que ouvimos nos filmes está cada
vez mais previsível (muitas vezes nem tanto por falta
de criatividade do compositor, mas por exigência de diretores
e executivos), e desconfio que obras como a excepcional trilogia
do Senhor dos Anéis, composta por Howard Shore, serão
cada vez mais raras. Portanto, não ousaria repetir que,
também na música do cinema, chegamos ao fim da
História. Afinal, ela certamente continuará, enquanto
os filmes necessitarem de música. Mas tenho certeza de
que estamos testemunhando - e ouvindo - o final de uma Era.
Pessoal,
para início de ano, já escrevi demais.
Até a próxima coluna, com mais novidades de lançamentos
em DVD no exterior.
Por Jorge Saldanha
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