26
de junho de 2005
BATMAN
BEGINS tem sido unanimemente considerado o melhor filme do Homem-Morcego.
Mas há um aspecto no qual a nova produção
não consegue superar o filme de 1989: a trilha sonora
incidental.
BATMAN:
SINFONIA DAS TREVAS
BATMAN,
dirigido em 1989 por Tim Burton, mesmo com Michael Keaton e outros
problemas, até agora era considerado a melhor transposição
do personagem para as telas. Um dos pontos altos do filme era
sua exuberante partitura orquestral injustamente ignorada na
entrega dos prêmios Oscar de 1990, que foi o primeiro trabalho
de grandes proporções de Danny Elfman. Elfman,
que já havia trabalhado com Burton em Pee Wee´s
Big Adventure (1985) e Beetlejuice (1988), teve sucesso ao retratar
musicalmente tanto o universo gótico materializado pelo
diretor, como também o obscuro e ambíguo perfil
psicológico do Homem-Morcego. Em vários momentos
notamos que Elfman tira seu chapéu para seu ídolo,
o compositor Bernard Herrman (sem dúvida uma das lendas
da história da música de cinema). Os destaques
deste trabalho são encontrados na ao mesmo tempo sombria
e desafiante marcha que abre o CD, "The Batman Theme"; "First
Confrontation", uma faixa com uma base rítmica orquestrada
com cordas, piano e fagotes, sobre a qual se desenvolve um motivo
cromático que se reparte entre o resto dos instrumentos; "Batman
to the Rescue", que se apóia em um eficaz desenvolvimento
do tema principal, com um importante papel a cargo da percussão
e linhas descendentes para sopros e metais; "Roasted Dude",
um tributo ao Coringa; no pausado mas tenso tratamento monotemático
de "Bat Cave"; "Childhood Remenbered", carregada
de um efetivo clima nostálgico; "Attack of the Batwing",
outra faixa baseada no tema de Batman, com um final grandioso
sublinhado por sinos; e "Waltz to the Death", uma valsa
temperada com doses de loucura. Para completar, a Sinfonia of
London, regida por Shirley Walker, interpreta o score como se
fosse uma obra-prima – o que, no que se refere à música
de cinema, certamente é.
Quinze
anos e quatro filmes progressivamente piores depois, foi confirmada
a realização de um novo longa-metragem
de BATMAN. No filme de 1989, Elfman estabeleceu o padrão
musical para a franquia: um tema forte, marcante, embutido em
partituras orquestrais exuberantes. Este padrão foi seguido
mesmo nos filmes musicados por Elliot Goldenthal e na Série
Animada, a cargo da competente Shirley Walker. O diretor escolhido
para a nova produção que reinventaria Batman, Christopher
Nolan, havia feito ótimos filmes mas que não tiveram
scores de expressão, e finalmente quando divulgou-se que
a partitura de BATMAN BEGINS seria composta por Hans Zimmer e
James Newton Howard, o espanto foi geral. O que esperar de uma
parceria inesperada como esta? Desde a minha primeira audição
tive certeza de uma coisa: a trilha original de BATMAN BEGINS
rompeu com a tradição musical dos filmes anteriores
- é outra espécie de criatura. Para começar,
no que parece ser uma maldição dos atuais filmes
do gênero, ela não tem “o” tema, aquela
assinatura musical marcante que fica gravada na nossa cabeça
quando saímos do cinema. E isso, para mim, já tira
alguns pontos do trabalho que, segundo dizem, teve um tema de
Howard descartado pelo diretor Nolan. Aliás, nos créditos
do CD não fica identificado quem compôs o que.
Mesmo
assim, quem conhece o trabalho prévio dos dois compositores
não terá dificuldades em identificar segmentos
criados por um ou por outro. Da
parte de Zimmer, temos trechos que remetem a Chuva Negra, Zona
Mortal, Hannibal e Além
da Linha Vermelha; da parte de Howard, ouvimos sonoridades
que lembram, por exemplo, Corpo Fechado e A
Vila.
O score apresenta dois motivos dominantes: o de Batman, mais
sombrio e ameaçador,
inicia com uma cadência lenta (obtida com efeitos de percussão
eletrônica) que imita o bater de asas de um grande morcego;
e o de Bruce Wayne, melancólico e ao mesmo tempo esperançoso,
que representa a busca para superar seus medos e o complexo de
culpa, além de servir como tema romântico nas cenas
divididas com a personagem Rachel Dawes. “Vespertilio”,
a música que abre o CD, é ouvida na introdução
do filme, onde a cadência percussiva do tema do morcego
recebe o acompanhamento de violinos e acordes bitonais interpretados
pelos metais, que se repetem. Aparentemente esta é uma
faixa onde os dois compositores trabalharam a quatro mãos.
Já “Eptesicus”, no trecho que acompanha a
cena do assassinato dos pais do garoto Bruce Wayne, possui cordas
e piano característicos de Howard. Mas quando a composição
passa a descrever o treinamento marcial de Bruce com Ducard,
a música claramente é de Zimmer, já que
tanto em melodia como em orquestração poderia muito
bem pertencer aos scores de Além da Linha Vermelha ou
O Último Samurai. “Myotis”, que em sua primeira
metade é lenta e atmosférica, transforma-se em
típica música de ação de Zimmer,
com sua habitual combinação de sintetizadores e
orquestra, a partir do momento em que Bruce confronta Ra's Al
Gul e os ninjas da Liga das Sombras. Ao seu final, entra uma
versão do motivo de Bruce, interpretado pelas cordas. “Barbastela” é uma
faixa triste, com uma voz de soprano secundada pela seção
de cordas e o piano típicos de Howard, que ao seu final
ganha metais, percussão eletrônica e transforma-se
no tema de Batman. “Artibeus”, que acompanha as imagens
provocadas pela droga alucinógena do Espantalho, é uma
peça atonal baseada em cordas, digna de um filme de horror,
e meu palpite é que seja de autoria de Howard. “Tadarida”,
introduzida por cello, cordas e a voz de soprano, também
me soa como obra principalmente de Howard, mas logo ganha efeitos
eletrônicos misturados ao motivo do morcego, a fim de marcar
o primeiro encontro de Batman com o Espantalho. Do
mesmo modo, a parte inicial de “Macrotus”, uma interpretação
do motivo de Bruce com violinos e piano lembrando algo da música
de A Vila, é claramente de Howard. Já o segmento
que segue, com sintetizadores, tem a marca de Zimmer. “Antrozous”,
iniciada com a cadência das asas do morcego, é outra
faixa de ação típica de Zimmer, mais do
que similar às que ouvimos em Chuva Negra. “Molossus” é a
melhor faixa de ação do score, ouvida no confronto
de Batman com os ninjas de Ra’s Al Gul em Gotham. Com base
eletrônica e metais que, ocasionalmente repetindo o refrão
do morcego, conduzem a melodia, é outra composição
que leva a marca de Zimmer. Howard, com seu piano e cordas, retorna
em “Corynorhinus”, composição ouvida
quase ao final do filme e que em parte serve como acompanhamento
romântico para Bruce e Raquel. O score encerra-se com “Lasiurus”,
uma faixa atmosférica e progressivamente dramática,
que ao final de seus sete minutos de duração, após
ter atingido seu clímax, irá encerrar o álbum
com o bater de asas do morcego.
Então, tendo ouvido esta trilha sonora no filme e no CD,
posso chegar a duas conclusões: a primeira, é de
que o score dá um suporte adequado à atmosfera
criada por Nolan em BATMAN BEGINS, já que se trata de
música sombria, na maior parte do tempo visando criar
uma ambientação de ameaça ou melancolia
(o diretor provavelmente optou por música que não
fosse demasiadamente exuberante, intrusiva); a segunda, é de
que parte de sua eficácia é perdida quando ouvida
em CD, isolada das imagens. Ou seja, cumpre a função
primordial de uma trilha sonora, que é a de servir bem
ao filme, mas revela não ser uma experiência auditiva
particularmente interessante em disco - ainda que preservando
qualidades. Aliás, me pergunto do porquê deste filme
ter necessitado mais de um compositor. No disco fica mais do
que claro que tanto Howard como Zimmer trabalharam com o “pé no
freio”, seja pelo trabalho conjunto, seja por orientação
do diretor. Ambos, isoladamente, já criaram obras mais
criativas e palatáveis, mesmo ouvidas isoladamente em
CD. Para o bem ou para o mal, BATMAN BEGINS marca as transformações
que foram feitas pela Warner para tentar recuperar sua valiosa
franquia, e sem dúvida é um ótimo filme
que nos faz quase que esquecer completamente as realizações
anteriores. Mas pelo menos no aspecto musical, certamente sentirei
saudades do tema musical quase wagneriano do filme de 1989.
Bom
pessoal, por hoje já escrevi bastante. Na próxima
coluna, voltamos com os lançamentos em DVD que chegarão
lá fora. Até lá!
Por Jorge Saldanha
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