24
de abril de 2005
A trilogia
Matrix acabou, e mesmo que, ao final, muitos tenham se decepcionado
com a conclusão da saga de Neo, Trinity e Morfeu, ela
entrou para a história do cinema e tornou-se um referencial
em diversas mídias. Na coluna de hoje vamos comentar sobre
as trilhas incidentais da saga, criadas pelo compositor Don Davis.
MATRIX:
A AVENTURA MUSICAL DE DON DAVIS
A
criação dos irmãos Andy e Larry Wachowski,
Matrix, tomou o mundo de assalto em 1999. Naquela ocasião,
dois álbuns da trilha sonora foram lançados separadamente:
um mais comercial incluindo canções rock / techno
de cantores e grupos como Marilyn Manson, Rob Zombie e Rage Against
The Machine, que sem dúvida teve amplo sucesso comercial
(mesmo que algumas tenham sido apenas inspiradas pelo filme,
nele não sendo ouvidas); e outro da gravadora Varèse
Sarabande com meros 30 minutos da trilha sonora incidental composta
pelo então desconhecido Don Davis. Mesmo com a estupenda
utilização da techno instrumental “Spybreak” do
grupo Propellerheads, utilizada em uma seqüência de
ação que tornou-se imediatamente clássica,
em termos musicais é o poderoso score de vanguarda de
Davis que melhor costura as imagens do filme. Com suas harmonias
dissonantes e orquestrações inovadoras, a partitura
de Davis inicia com a introdução do tema de duas
notas ascendentes/descendentes interpretadas por metais, que é a
assinatura musical da série ouvida no início de “Main
Title / Trinity Infinity”. A partir daí, a música
de Davis passa a sublinhar de forma excepcional o deslumbramento
e as ameaças inerentes ao mundo da Matrix. Em “The
Hotel Ambush”, onde juntamente com a orquestra ouvimos
sintetizadores e percussão, Davis dá o primeiro
passo em um conceito que seria melhor desenvolvido nas continuações:
a integração dos ritmos eletrônicos e orquestrais.
Destaco também o tema de amor de Neo e Trinity, que se
não ganhou no CD uma faixa específica, destaca-se
como um dos raros momentos melódicos da partitura.
Já em 2003, o compositor Don Davis teve um ano atarefado:
ele compôs mais de seis horas de música para a franquia
Matrix – duas continuações, Matrix
Reloaded e Matrix Revolutions, a coletânea Animatrix e o game Enter
the Matrix. Para a primeira seqüência a chegar às
telas, Matrix Reloaded, tanto a música eletrônica
como Davis voltaram na trilha sonora. Desta vez o consumidor
foi beneficiado pela decisão da Warner Records de lançar
um CD duplo, onde o primeiro disco contém as canções
utilizadas no filme ou por ele inspiradas, e o segundo, as músicas
da trilha incidental. E tudo isso com um importante bônus
- preço equivalente ao de um CD simples. O primeiro disco,
sem surpresa, é irregular, apesar de na minha opinião
ser bem mais satisfatório que a coletânea do filme
original, uma vez que inclui mais faixas instrumentais, a cargo
de Paul Oakenfold, Fluke e Rob Dougan. Mas para mim o melhor
está no segundo disco, que infelizmente possui apenas
41 minutos de duração e omite grande parte do trabalho
de Davis, a fim de dar espaço para o conteúdo em
CD-ROM - dispensáveis prévias de Matrix
Revolutions e do game Enter The Matrix. Entre o score incluído, destacam-se
os 17 minutos de “Matrix Reloaded Suite”, onde Davis
reúne os principais temas do filme (com a exceção
do “Main Title” e “Trinity Dream”, que
abrem o CD em faixas próprias). O dinâmico score
que Davis compôs para o primeiro filme era realmente muito
bom, entretanto sofria de uma limitação conceitual
- tinha de ser um tanto quanto frio e pobre em harmonia. Para
Reloaded o score é estruturalmente mais rico e complexo,
demonstrando que os irmãos Wachowski deram a Don Davis
maior liberdade criativa. Além disso, o compositor não
se limitou a retrabalhar os temas originais e a repetir o padrão
musical estabelecido; até certo ponto ele fez isso, mas
também desenvolveu seus temas e criou músicas mais
elaboradas, épicas e melódicas. E há, ainda,
outro fator que distingue este score. No filme original, muito
pouco da música orquestral foi combinada com os ritmos
eletrônicos, ouvidos normalmente nas cenas de luta ou de
ação. Desta vez temos tanto orquestra como música
eletrônica, juntas, em boa parte das faixas. Em “Chateau” Rob
Dougan utilizou samples orquestrais, porém, o melhor vem
depois. Don Davis combinou a orquestra com a música eletrônica
em duas longas composições, nas quais o ritmo techno
foi providenciado por Juno Reactor, liderado pelo compositor
Ben Watkins. A primeira faixa desta bem sucedida colaboração,
que poderia a princípio soar-nos estranha, é “Mona
Lisa Overdrive”, onde nos seus 10 minutos de duração
podemos ouvir afiadas intervenções da orquestra
sobre os ritmos e sons eletrônicos. Adicionalmente, é nesta
faixa em que o coral é ouvido pela primeira vez no álbum,
ajudando a tornar esta criação memorável.
A combinação de estilos segue na frenética “Burly
Brawl”, que acompanha o confronto do herói Neo contra
o vilão agente Smith e seus mais de 100 clones. Conforme
a luta torna-se mais e mais louca (e surrealista), Davis faz
sua música seguir o ritmo cada vez mais acelerado da ação,
extraindo da orquestra uma performance admirável.
Para
o capítulo final da trilogia, Matrix Revolutions,
Davis criou a mais intensa, épica e tocante música
ouvida na série, em uma muito interessante e sólida
evolução musical do trabalho originalmente criado
para o filme de 1999. Desta vez a música orquestral de
Davis, luxuriante, é o foco central da atenção,
com os sons pop e eletrônicos relegados a um plano muito
secundário. O álbum de Revolutions apresenta mais
de uma hora de música, com quase 50 minutos da partitura
orquestral de Don Davis interpretada por mais de 200 instrumentistas
e vocalistas. A única canção incluída é a
deslocada “In My Head”, interpretada por Pale 3,
ouvida no clube do personagem Merovingian. Há duas score
tracks de Davis novamente em parceria com Juno Reactor, e uma
versão remix do trio para “Neodämmerung” (“Nevra”)
com nove minutos de duração, ouvida durante os
créditos finais, na qual foram utilizados coral e vocais
femininos étnicos. É necessário ressaltar
que, desta vez, mesmo nas faixas em colaboração
com Juno Reactor, é o trabalho de Davis que prevalece.
O compositor gravou mais de duas horas de música original,
e a maior duração da partitura foi necessária
devido às épicas seqüências de batalha
mostradas ao longo do filme. Como nos casos anteriores, temos
muita música faltando no CD, porém o último álbum
da franquia é completo o suficiente para satisfazer à grande
maioria dos ouvintes. Em “Logos/Main Title”, o conhecido
tema musical da série abre o score. A orquestração
da seqüência dos créditos principais é ligeiramente
diferente da ouvida nos filmes anteriores, desta vez o tema é mais
dramático, representando os eventos capitais que conduzirão
a trilogia ao seu final. “The Trainman Cometh” e “Tetsujin”,
faixas com a colaboração de Juno Reactor, são
essencialmente o score de Davis com acompanhamento mínimo
de sintetizadores. A primeira faixa marca a curta aparição
inicial do tema de Neo e Trinity, uma das melhores criações
do score original. A segunda nos mostra um atraente uso dos tambores
Kodo, antes do ritmo eletrônico começar. “Men
in Metal” apresenta uma versão mais militar do tema
de Zion que foi ouvido pela primeira vez em Reloaded, no momento
em que vemos os “Mechwarriors” da última cidade
humana livre preparando-se para a batalha.
“Niobe's
Run” é música de ação
no melhor estilo Matrix, iniciando com acordes de suspense que
logo em seguida são substituídos pelo mote das
Sentinelas, que se desenvolve em uma estimulante música
de perseguição. “Woman can Drive” é uma
faixa de ação soberba que acompanha a agitada corrida
da nave pilotada por Niobe rumo a Zion, conduzida por cordas
rápidas e metais em alto volume. “Moribund Mifune” e “Kidfried” são
os melhores exemplos da música de batalha de Davis, ouvida
no grande ataque das máquinas a Zion. A primeira composição
inicia com coral e violinos dramáticos, encerrando-se
com um triste trompete que anuncia a morte do bravo guerreiro.
Na segunda, a música é interpretada com a orquestra
a plena força, e atinge níveis intensos de emoção
quando alguns atos heróicos são praticados na tela. “Saw
Bitch Workhorse” descreve, de forma poderosa, algumas visões
de pesadelo na Cidade das Máquinas, além de pontuar
o confronto de Neo com as Sentinelas. Mas, definitivamente, a
melhor faixa de ação do score é “Neodämmerung”,
que inicia com o coral entoando cânticos em sânscrito,
com um piano percussivo de acompanhamento. A faixa acompanha
a luta final entre Neo e o Agente Smith, combinando harmonia
e elementos atonais, com a orquestra interpretando de forma brilhante
alguns dos temas principais do filme. A faixa seguinte, “Why.
Mr. Anderson?”, é uma composição dramática
que descreve o último destino de Neo e Smith. Em um nível
mais melódico, “Trinity Definitely” é uma
faixa emocionante que, após uma melancólica introdução,
nos presenteia com a mais tocante e triste versão do tema
de amor da série, destacando-se as interpretações
de violoncelo e trompa. Outro destaque nesta área é “The
Road to Sourceville”, que acompanha a jornada de Neo e
Trinity até a Cidade das Máquinas, com um belo
trabalho de cordas e metais. A última faixa da partitura, “Spirit
of The Universe”, emprega toda a orquestra com coral. A
voz de um garoto soprano e uma harpa ressaltam os tons religiosos
da mensagem final do filme, antes que o tema de duas notas nos
leve a uma última, e estrondosa, intervenção
da orquestra.
Em
resumo, o trabalho de Davis na trilogia Matrix combina com sucesso
até agora inigualável a música dissonante,
harmônica, melódica e épica da orquestra
com ritmos eletrônicos, polindo os temas dominantes da
série e, ao final, demonstrando ser um trabalho que merece
destaque entre a melhor música de cinema criada a partir
do final dos anos 90.
Ok
pessoal, por hoje é só. Na próxima coluna,
mais novidades sobre os lançamentos em DVD no exterior.
Até lá!
Por Jorge Saldanha
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