ZAPEANDO
 
 

15 de janeiro de 2006

Na coluna de hoje voltamos a analisar algumas trilhas de séries recentes de TV, que vêm sendo lançadas em DVD no Brasil e no exterior. Desta vez, as selecionadas são duas produções de ficção científica.

 


AS TRILHAS DA TELINHA PARTE 2: STAR TREK: ENTERPRISE E STARGATE: ATLANTIS

 

STAR TREK: ENTERPRISE – Música composta e regida por Dennis McCarthy A série de TV Enterprise, exibida no Brasil pelo canal pago AXN e também lançada em DVD (sua quarta e última temporada chega aqui no final deste mês), surgiu com a intenção de injetar sangue novo na franquia de Jornada nas Estrelas. Se ao final as histórias não inovaram muito, já que o que vemos é uma mistura da Série Clássica com A Nova Geração, no aspecto musical Enterprise causou enorme alvoroço graças à decisão dos produtores Rick Berman e Brannon Braga de utilizar, na abertura, uma canção pop. Para começar, a própria abertura da série é diferente: se nas anteriores víamos a nave cruzando o espaço, nesta assistimos a uma montagem de cenas, a maior parte delas reais e que retratam momentos decisivos da conquista espacial pelos norte-americanos. E, heresia suprema, os temas orquestrais de Alexander Courage, Jerry Goldsmith e Dennys McCarthy foram substituídos pela canção "Where My Heart Will Take Me", de Diane Warren, na interpretação do jovem cantor de ópera Russell Watson (que, a partir da terceira temporada, recebeu um novo e controvertido arranjo, meio country). Quando soube da utilização desta música na série, não gostei nada da idéia. Porém com o tempo, após ter assistido várias vezes a abertura, confesso que passei a gostar da música de Warren. Não há como negar, ela se encaixa perfeitamente na abertura dos episódios e soa ótima no CD (importado), onde se faz presente em duas versões: a primeira é longa ("Album Version"), a segunda é a ouvida na TV, mais curta ("TV Version"). Além de sua melodia cativante, "Where My Heart..." possui uma bela letra que retrata fielmente o espírito da série. Mas o álbum, além da canção-tema, apresenta um bom score composto por Dennis McCarthy para o episódio-piloto da série, "Broken Bow".

São conhecidas as limitações que o produtor Rick Berman impôs aos compositores que passaram a trabalhar nas séries de TV da franquia, a partir de algumas temporadas da Nova Geração, e que levaram até mesmo o compositor Ron Jones a desligar-se da equipe, brigado com o produtor. Já McCarthy, mesmo sabendo que sua música não poderia assumir muito destaque nos episódios, continuou a compor para as séries, tendo produzido scores de qualidade tanto para a TV como para o filme Generations, e até mesmo recebido prêmios pelo seu tema de Deep Space Nine. A música incidental de "Broken Bow" em parte insere-se no "padrão Berman", sendo ambiental e não buscando sobressair-se à ação. Contudo, há momentos em que a partitura, por méritos genuínos, consegue destacar-se. Interpretada pela mesma orquestra utilizada desde a primeira temporada da Nova Geração (1987), a partitura é eficientemente vibrante ("Klingon Chase-Shotgunned", "Temporal Battle") e emotiva ("New Enterprise", "New Horizons") nos momentos certos. Nestes últimos, o ponto alto é o tema criado por McCarthy para o personagem principal da série, o capitão Archer. É uma composição que representa o espírito de aventura e os bons princípios que impulsionam o capitão em suas jornadas, interpretado via de regra pelos metais, trompa e com a atraente adição de uma gaita de boca. O tema ganha uma versão completa, com roupagem mais pop, na faixa "Archer's Theme", que é ouvida em versão reduzida nos créditos finais de cada episódio. Ao final, este CD de Enterprise (que possui uma seção multimídia contendo uma apresentação ao vivo de Russel Watson), pelos méritos de sua cativante canção-tema e do próprio score de McCarthy, resulta em uma audição até mais satisfatória do que a burocrática trilha de Jerry Goldsmith para o mais recente filme da série, Nêmesis.

 

STARGATE: ATLANTIS – Música composta por Joel Goldsmith. Stargate: Atlantis, cuja primeira temporada recentemente foi lançada em DVD nos EUA, é uma série de TV derivada de Stargate SG-1 (ambas exibidas no Brasil pelo canal pago Fox) que, por sua vez, baseou-se no longa-metragem dirigido em 1994 por Rolland Emmerich, Stargate. O filme marcou o primeiro grande trabalho de David Arnold, e ainda é considerado um dos melhores (se não o melhor) scores do jovem compositor britânico. A série SG-1, lançada em 1997 e ainda em produção, aproveitou o tema principal do filme, que para ela foi adaptado por Joel Goldsmith – filho do saudoso Jerry, até agora relegado a produções de menor importância e programas de TV – que também compôs um tema inédito para os créditos finais e trilhas incidentais para o piloto e vários episódios, nos quais adaptou outros temas do filme. Já Stargate: Atlantis, surgida em 2004, foi a oportunidade de Joel Goldsmith criar para a franquia um trabalho completamente desvinculado das composições de David Arnold, ainda que, talvez para conservar a unidade temática, certos acordes remetam a elas. Neste sentido, talvez não seja mera coincidência o fato de Joel utilizar o orquestrador e regente habitual de Arnold, Nicholas Dodd. Com a estréia do segundo ano da série, o selo norte-americano Varèse Sarabande lançou um álbum contendo a trilha incidental do episódio piloto, e nele é fácil constatar que Joel, conscientemente (em homenagem ao seu ilustre pai) ou não, seguiu a ilustre tradição e o estilo de Jerry Goldsmith, em uma música orquestral que não dispensa, eventualmente, samplers e eletrônicos. Só para lembrar, Joel já havia absorvido perfeitamente o estilo paterno quando com ele dividiu as responsabilidades pela partitura de Star Trek: First Contact, cujo CD infelizmente omite boa parte de sua ótima contribuição. Indiscutivelmente o destaque do álbum de Stargate: Atlantis é o esplêndido tema central que inicia o CD, e que valeu a Joel uma indicação ao Emmy. Ainda que os stacattos iniciais continuem recordando a música do filme original, logo temos uma nova e bem desenvolvida melodia, associada à equipe exploradora da abandonada cidade de Atlântida, entoada de forma épica pelas trompas e completada por uma seção de coral - na realidade, emulada com qualidade por sintetizadores.

Não há muito mais a dizer, exceto que a indicação ao Emmy foi justíssima, uma vez que, com seu pouco mais de um minuto de duração, se trata de um dos melhores temas compostos nos últimos anos para a televisão. Além de estar presente no “Main Title”, este tema encontra uma excelente versão de cordas na última faixa CD, que por sua vez marca o epílogo do episódio piloto da série. Portanto, no que se refere ao tema, Joel demonstrou ter realizado um trabalho de categoria superior. Felizmente, Joel demonstra ter se inspirado o suficiente para criar outras composições de temática variada e que conseguem transmitir todas as harmonias associadas à nova série. Assim, temos música étnica (“Tayla’s Village”, que lembra seu trabalho para a minissérie Helen of Troy), segmentos com um senso épico digno de cinema (“The Rising”) e até mesmo agradáveis melodias introspectivas como “Atlantis Awakes”, esta totalmente interpretada por eletrônicos. Há também material de ação, como em “Rogue Drone” ou “The Rescue”, onde Joel adota padrões rítmicos notadamente baseados no trabalho paterno, e ainda que não sejam tão elaborados são utilizados de modo extremamente efetivo. Dos trabalhos de Joel Goldsmith até hoje editados em disco, Stargate: Atlantis é sem dúvida o melhor. E em que pesem as semelhanças com obras de Jerry, elas não diminuem suas qualidades. Até porque Joel é o legítimo herdeiro de um dos maiores compositores que já trabalharam em Hollywood, e apesar de sua produção irregular, com este trabalho mostra ser bem superior a tantos “clones” de Jerry Goldsmith que volta e meia aparecem por aí.

 

Leitores, por hoje encerramos. Na próxima coluna estaremos de volta com novos lançamentos em DVD que estão chegando no exterior. Até lá!

Por Jorge Saldanha