30
de janeiro de 2005
O lançamento
em DVD do filme Van Helsing no Brasil, no final de 2004, nos
dá a oportunidade de ouvirmos a estupenda trilha sonora
de Alan Silvestri em 5.1 canais. Este é um daqueles casos
em que vale mais a pena OUVIR o DVD do que assisti-lo!
VAN
HELSING: FILME MEDÍOCRE, TRILHA MUSICAL EXCELENTE
Todos
sabem que o compositor Alan Silvestri forjou sua carreira em
partituras de ação, criadas para filmes como
a trilogia De Volta para o Futuro, Predador, O Segredo
do Abismo e O Juiz. Mesmo que, nesse filmes, o compositor tenha demonstrado
talento para ir além dos padrões estabelecidos
para o gênero, também criando melodias belas e inspiradas,
foram seus temas fortes e acompanhamento percussivo para seqüências
movimentadas, lapidados em um estilo inconfundível, que
atraíram a grande maioria de seus fãs. Para o filme
anterior do diretor Stephen Sommers, O Retorno da Múmia,
ele criou um dos melhores scores de toda a sua carreira para
um filme de aventura, mas digamos que, no gênero, ele foi
um mero aperitivo para este Van Helsing - O Caçador de
Monstros. Desde o lançamento do filme e do CD com sua
trilha sonora, muito se tem discutido sobre o valor desta trilha
sonora, como ouvida no filme ou separadamente, em disco. Se por
um lado fica claro que, no filme, ela em muito colabora para
que a produção adquira o tom exagerado e alucinante
que a caracteriza, em disco ela se consagra como uma das trilhas
de ação mais eletrizantes e opulentas que surgiram
em anos.
O
filme retrata os combates do reinventado caçador de
vampiros Van Helsing (Hugh Jackman em caracterização
muito diferente do velho médico imaginado por Bram Stoker
em sua obra máxima) contra os clássicos monstros
da Universal - o vampiro Drácula, a Criatura de Frankenstein
e O Lobisomem - todos igualmente atualizados com tecnologia de
ponta de Hollywood, o que não significa exatamente melhorados.
O problema começa com o fato de que o filme carece de
qualquer pingo de sutileza, clima ou suspense ao retratar a ameaça
destas criaturas e o esforço do herói em combatê-las.
Após uma interessante introdução em preto-e-branco,
uma bela homenagem de Sommers aos velhos filmes de horror, vem
o confronto de Van Helsing com o extravagante Mr. Hyde digital,
que dá o tom do que será o filme a partir dali.
A ênfase passa a ser a aventura praticamente non-stop,
uma série quase interminável de diálogos
mais gritados que falados e cenas de ação totalmente
criadas em computador, com seu ritmo frenético elevado às
alturas pela massiva partitura musical. Por essa razão
muitos advogaram que o filme necessitaria música que fosse
na direção contrária, uma "anti-música" que
atenuasse os rompantes do diretor e dos técnicos da ILM
e da Weta. Na minha opinião o score de Van Helsing, por
seus próprios méritos, é excelente, e não
acredito que tenha havido qualquer equívoco no trabalho
do compositor, tendo Silvestri entregue exatamente a música
que Sommers queria. O incômodo é que a visão
do diretor sobre o filme era a de, deliberadamente, apostar no
exagero, no excesso, e Silvestri apenas fez a sua parte - de
forma exemplar, diga-se de passagem. Suas orquestrações
dramáticas e arranjos para o coral podem não ser
complexas ou originais, mas dentro da proposta e do modo como
o projeto foi encarado, são admiráveis.
No
aspecto temático, temos dois ou três temas ou
motivos bem distintos para caracterizar Van Helsing e seus oponentes.
O herói recebe alguns acordes sombrios, dado o mistério
que cerca seu passado, mas é principalmente representado
nas cenas de ação por uma fanfarra heróica,
similar à do protagonista de The Mummy Returns. Contudo, é da
galeria de vilões que vem o motivo recorrente mais forte
da trilha, e ele é introduzido já na curta faixa
de abertura, "Transylvania", onde toda a ação transcorre em preto-e-branco. Nela temos a primeira interpretação
do tema de Drácula e suas Noivas, onde sobre um ritmo
cadenciado e percussivo o coral entoa cânticos em latim. É um
tema forte, com o qual Silvestri procurou compensar a fraca personificação
do Conde. Esta é somente a introdução para
uma série de composições de ação,
raramente interrompidas por algum momento de quietude ou suspense. "Burn
it Down!" é igualmente ouvida na seqüência
em preto-e-branco, no momento em que o Monstro de Frankenstein é encurralado
em um moinho prestes a ser incendiado pela turba. A música
inicia sutil e pausadamente, para logo em seguida a orquestra
retornar com força total, em mais uma dramática
versão do tema dos vampiros. As faixas "Journey To
Transylvania" e "Transylvanian Horses" apresentam
outro tema que é um dos pontos altos do score, um motivo
de "viagem" ouvido nas andanças de Van Helsing
por paisagens belas e, às vezes, amedrontadoras. No filme
ele é ouvido pela primeira vez quando ele chega a Paris,
no rastro de Mr. Hyde. É uma interessante combinação
de coral, orquestra, violão e acompanhamento eletrônico.
A última composição torna-se especialmente
atrativa, onde a este motivo, agrega-se a fanfarra heróica
de Van Helsing e o tema dos vampiros, que acompanha o ataque
das Noivas à carruagem conduzida pelo herói - uma
das mais eficientes cenas de ação do filme.
Em "Attacking Brides" Silvestri lança mão
da orquestra e do coral em intervenções intensas,
para acompanhar o primeiro encontro de Van Helsing com as Noivas.
Aqui há um interessante uso das cordas, acompanhadas da
percussão e dos metais, em um crescendo de suspense até chegarmos
a um memorável - e maciço - epílogo. "Dracula's
Nursery", em seu primeiro terço de duração,
contém alguns dos raros momentos de quase silêncio
e sutileza do score, ao acompanhar Van Helsing na sua descoberta
do "berçário" de Drácula. Outro
dos meus momentos preferidos da trilha de Van Helsing surge em "All
Hallow's Eve Ball", na forma de uma valsa gótica
com vocal feminino e violinos fantasmagóricos, que acompanha
o baile de máscaras de Drácula. Ao final, esta
notável composição muda radicalmente com
a intervenção do herói, com a percussão
e o coral conduzindo até os metais que interpretarão
mais uma vez a fanfarra de Van Helsing. "Final Battle" é outra
estrondosa música de ação que acompanha
o confronto decisivo de Helsing e Drácula - sem surpresa,
os temas do herói e do vilão se cruzam na conclusão,
em um duelo próprio. A última faixa, "Reunited", é a única
essencialmente emotiva e lírica presente no CD, e também
a solitária representação que nele temos
da música relativa à personagem Anna e à ligação
da família Valerious com o Vaticano. Muitos notaram neste
motivo, que ao final do filme assume tons definitivamente religiosos,
uma acentuada semelhança com o tema do Graal de Indiana
Jones e a Última Cruzada, criado por John Williams. De
fato há uma grande semelhança entre as duas composições,
especialmente na interpretação das cordas, mas
estou longe de achar que Silvestri tenha plagiado Williams. Creio
que no máximo ele tenha "tirado o chapéu",
homenageado seu colega. De modo análogo, dizem que a introdução
de O Vingador do Futuro, de Jerry Goldsmith, idêntica à de
Conan, O Bárbaro, foi uma homenagem ao compositor Basil
Poledouris (e ao Schwarzenegger, astro dos dois filmes). Em Van
Helsing, reparem na utilização da música
para uma temática religiosa semelhante à de A Última
Cruzada - Jesus -> Cálice Sagrado -> Vaticano. Ou
seja, aqui pode ter acontecido algo parecido, uma referência
direta à obra de um colega, de objeto similar.
Acima
de tudo, considero este trabalho um seguimento natural e, até mesmo, superior, ao realizado por Silvestri em
O Retorno da Múmia. Com a vantagem que, desta vez, o álbum
da trilha sonora contém todo o material temático
do filme e a representação musical de seus principais
momentos (no CD de The Mummy Returns todo o segmento final do
filme, com a aparição do Escorpião Rei e
o confronto dentro da pirâmide, foi omitido). Isto que
o CD de Van Helsing, em uma época em que são cada
vez mais comuns discos com quase 80 minutos de duração,
não chega aos 43 minutos, já que também
inclui uma seção multimídia para CD-Rom
(basicamente material publicitário do filme, do game e
do gibi). Uma futura versão expandida, incluindo momentos
mais reflexivos para contrabalançar a adrenalina presente
na maior parte das faixas, pode ser desejável. Mesmo assim,
a edição importada da Decca revela uma das mais
agradáveis e dinâmicas trilhas originais que já ouvi.
E ao final, tenho até que agradecer a Stephen Sommers,
já que a extravagância chamada Van Helsing rendeu
um score que, além de ser um dos melhores de 2004 (injustamente
não indicado ao Oscar), poderá mesmo consagrar-se,
no futuro, como um clássico do gênero.
Ok
pessoal, vamos ficando por aqui. Na próxima coluna,
mais novidades sobre lançamentos em DVD no exterior. Até lá!
Por Jorge Saldanha
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