Memoria REF: Amor, Sublime Amor (West Side Story)

Veja a resenha sobre o filme que Rubens mais assistiu na vida, ele nos brinda com uma verdadeira aula

10/09/2019 15:17 Por Rubens Ewald Filho
Memoria REF: Amor, Sublime Amor (West Side Story)

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Amor, Sublime Amor (West Side Story)

EUA, 1961. Musical clássico. Widescreen 2.20:1. 155 min.

Diretor: Robert Wise e Jerome Robbins. Elenco: Natalie Wood, Richard Beymer, Russ Tamblyn, Rita Moreno, George Chakiris, Simon Oakland, John Astin, Ned Glass.

Sinopse: No fim dos anos 50, no bairro Oeste de Nova York, duas gangues de jovens, de porto-riquenhos os Sharks e de poloneses e outras origens, os Jets, lutam pelo controle do lugar. Mas Tony, um rapaz que largou a gangue dos Jets se apaixona por Maria, irmã do líder dos Sharks, provocando a tragédia.

Comentários: Na vida real, você não sai na rua cantando e dançando. Feliz ou infelizmente porque era bem capaz de ser preso como louco. Mas isso pode acontecer num palco de teatro, sem causar surpresa porque em cena aberta tudo é estilizado, sugerido. Uma escada pode ser um castelo, uma cadeira uma casa. No cinema tudo é mais realista e por isso quase nunca funcionam na tela grande os maiores shows da Broadway. É preciso criar o clima certo de fantasia, que torne verossímil o fato de que os personagens naquele momento não têm outra saída para se expressarem, se não cantarem ou dançarem. E por isso que muitas vezes o diretor utiliza algum truque para não causar essa estranheza (no caso de Cabaret, Bob Fosse faz com que a maior parte das canções acontecerem num palco ou num jardim de cervejaria alemã ou comente algum momento dramático. Em Chicago, tudo é visto pelo ponto de vista de alguém, em geral a heroína). Mas até aquele momento a mais bem sucedida transposição desses shows para o cinema foi sem dúvida West Side Story. Primeiro porque sua trama é universal, uma atualização da história de Romeu e Julieta, de Shakespeare, transposta para o Lado Oeste de Nova York, onde havia o conflito permanente entre gangs de americanos de outras origens e portoriquenhos (numa região em decadência, onde as casas foram derrubadas e hoje existe o Lincoln Center). Depois porque a trilha musical é das mais espetaculares, escrita pelo grande maestro e compositor Leonard Bernstein 1918-1990 (Um Dia em Nova York) com letras do estreante Stephen Sondheim,hoje em dia uma lenda e o maior compositor da Broadway. O filme é um caso raro de um trabalho assinado por dois diretores. Robert Wise 1914-2005 (A Noviça Rebelde, além de ter sido o montador de Cidadão Kane e dirigido outros grandes filmes) realizou a maior parte do trabalho, mas deixou a coreografia e principalmente o prólogo dançado nas mãos do mesmo artista que concebido o espetáculo para o o palco, Jerome Robbins (1918-98). O problema é que Robbins foi despedido em meio a produção, simplesmente para baratear os custos. Ele ficou magoado para o resto da vida (mas Wise não teve culpa).

West Side Story começa de uma forma brilhante, com uma overture musical, com a tela mostrando apenas riscos e diferentes cores (uma criação genial do mestre criador de títulos Saul Bass o mesmo que também inventou os letreiros finais brilhantes, formado por placas de transito e concluindo apenas com “End”, Fim e não “O Fim”). Aos poucos o espectador vai montando o quebra cabeça no que se revela ser uma reprodução do skyline, dos prédios de Nova York.

a câmera do alto, de um avião, atravessa o Rio Hudson e devagar vem se aproximando e situando a ação no Lado Oeste da Cidade. Na trilha se houve depois apenas os assovios da gang que chamam os companheiros. Um zoom e pronto lá estão os jovens dessas gangs. Nos primeiros dez minutos do filme não há diálogos, tudo é narrado pela dança, pelos movimentos dos atores, que claro que é uma disputa por território, pelo domínio da região. Tudo mostrado apenas através da linguagem corporal. Essas sequências foram rodadas em demolições reais e também em estúdio.

Embora Robbins não tenha acompanhado toda a filmagem, ele teve tempo de preparar a heroína que faria Maria, a única estrela muito famosa do elenco Natalie Wood (1938-81), que havia sido estrela infantil e depois morreria num caso mal explicado de afogamento num iate. Embora tivesse aprendido balé quando criança ela não era exatamente uma dançarina. Mas se sai muito bem, numa encantadora dança num telhado, quando Robbins lhe deu apenas alguns simples passos, que ela interpreta com graça e naturalidade. Natalie fez o filme pensando que iria cantar com sua própria voz e realmente ela chegou a ser pré gravada. Testaram duas musicas com a voz dela e fica evidente que não funcionava, não tinha o devido alcance e além de tudo era estridente. Tiveram que dublá-la posteriormente, ou seja, a dubladora teve que seguir os lábios de Natalie. A voz pertence à Marnie Nixon, que se tornou assim a mais famosa dubladora do cinema (tendo feito também o serviço para Deborah Kerr em O Rei e Eu, Audrey Hepburn em My Fair Lady e aparecido como freira em A Noviça Rebelde e também Rita na sequência do Quinteto).

Marnie não prejudicou a presença luminosa de Natalie, ao contrário a ajudou, porque o filme é repleto de achados visuais, como uma passagem de tempo, Natalie como Maria acabou de cantar I Feel Pretty e se exibe em seu vestido branco, dando voltas que vão saindo de foco até que de repente já estamos no salão de danças do ginásio, onde as duas gangs se enfrentam num autentico duelo coreográfico. A figura mais fraca do filme é Richard Beymer, que faz o herói Tony. Uma vez perguntei a Wise porque ele tinha sido escolhido - sempre pensando que seria caso de alguém! Mas Wise justificou sua escolha dizendo que era o melhor que tinha disponível naquele momento. E é verdade. Era um rapaz bonitão que não fez grande carreira porque acabou caindo na cilada das drogas. É dublado nas canções, inclusive na lendária música Maria por Jim Bryant. O momento mais bonito do filme é dele e Natalie, quando o casal se vê em lados opostos do salão e do enquadramento em Widescreen. E tudo ao redor deixa de existir, some, como se apenas os dois se encontrassem e conversassem, dançando delicadamente até o primeiro beijo.

As honras dramáticas ficaram por conta dos coadjuvantes, ambos premiados com o Oscar, o ex-corista George Chakiris e a magnífica porto-riquenha Rita Moreno, uma das poucas pessoas em toda a História que ganhou todos os principais prêmios, o Oscar, o Tony, o Grammy e o Emmy. É ela que está num dos melhores números, o satírico America, o “show stopper”, onde se mostra que tudo está na America desde que você seja branco e rico. Rita canta com sua própria voz a não ser na música A Boy Like That já ao final, quando teve que ser ajudada por Betty Wand (que dublou Leslie Caron em Gigi). Mas Rita não gosta e reclama do resultado, dizendo que a interpretação dela na voz não corresponde ao que ela esta demonstrando em seu rosto. Uma curiosidade: Chakiris era o único do elenco central que tinha já feito a peça mas em Londres e noutro papel, o de Riff. Quem fica com o papel aqui é Russ Tamblyn, ainda vivo e pai da atriz Amber Tamlyn. Russ tinha sido ator infantil e depois juvenil na Metro em filmes de sucesso como Sete Noivas para Sete Irmãos e O Pequeno Polegar (Sua voz também foi dublada na The Jet Song por Tucker Smith, que faz o papel de Ice). Russ não era exatamente um dançarino mas um ginasta e por isso sua coreografia é mais em cima de saltos mortais e sua especial simpatia (com o passar do tempo perdeu o tipo e a carreira).

Outro detalhe curioso: Natalie Wood usa um bracelete no seu pulso esquerdo por ela tinha se machucado anos antes, ainda criança quando fez o filme The Green Promise quando caiu de uma ponte durante tempestade. Isso lhe deixou um osso sobressalente e ela usou esse bracelete em todos os seus filmes virando marca registrada.

É importante se registrar que o filme foi o primeiro a mostrar lutas de gangs de rua e que foi o primeiro musical a tratar de temas sérios (e o primeiro ato termina com duas mortes e a conclusão não tem um final feliz). A produção original da Broadway estreou no Winter Garden Theater em 26 de Setembro de 1957 e durou 732 performances. Foi indicado, mas não ganhou o Premio Tony Award de 58 de Melhor Musical, perdeu para The Music Man. Na verdade, só o sucesso espetacular do filme que ficou anos em cartaz em cidades como Buenos Aires e Paris que o tornou um clássico, já varias vezes remontado. Os papeis centrais do show eram vividos por Larry Kert, Carol Lawrence e a hoje ainda famosa Chita Rivera, como Anita. Um detalhe curioso: o plano original era fazer um Romeu e Julieta entre rapaz católico e uma garota judia e se chamar "East Side Story". Mas coincidiu com um boom da emigração vinda de Puerto Rico no fim dos anos 1940/ 1950 e assim mudaram de bairro. Os direitos de filmagem foram comprados pelos Irmãos Mirisch por $375,000 dólares. Apenas 6 membros do elenco original aparecem no filme: Carole D'Andrea (Velma), David Winters (no filme A-Rab, na Broadway: Baby John), Jay Norman (filme: Pepe, peç: Juano), Tommy Abbott (Gee-Tar), Tony Mordente (filme: Action, peça: A-Rab), William Bramley (Oficial Krupke).

É preciso fazer menção especial ao trabalho notável de fotografia e direção de arte que justamente procurou estilizar os sets, pintando-os de cor quente, ou tornando-os mais poéticos do que a dura realidade dos bairros pobres. O fotografo foi Daniel L. Fapp (1904-86), que fez também A Inconquistável Molly, Fugindo do Inferno, Cupido não tem Bandeira de Billy Wilder). O diretor de arte (ou desenhista de produção foi Boris Leven, 1908-86 que já comentamos aqui em New York, New York. Falta mencionar os figurinos são incríveis, mais quentes e com muito roxo para os latinos, branco para Maria quando é virgem, vermelho quando ela se torna mulher. A responsável é Irene Sharaf 1910-93 também de New York, New York.

Não há dúvida: nunca se viu antes e mesmo depois num filme uma coreografia tão brilhante. Por exemplo, na sequência Cool, em que a gang dança para não explodir em violência. Mas tem questões em torno disso. Quem escreveu o roteiro original foi o falecido Arthur Laurents que nunca aceitou as mudanças feitas pelo roteirista Ernest Lehman (o mesmo que esteve em Noviça Rebelde, Intriga Internacional, A Embriaguez do Sucesso, todos eles já comentados aqui). Temos que admitir que o filme é melhor que a peça, dramaticamente mais ajustado e muito cinemático. (Aliás, a peça foi montada em São Paulo no Teatro Alfa por Jorge Takla).

As mudanças mais celebres da transposição eram rejeitadas por Laurents, mas para mim são perfeitas. Assim I Feel Pretty vem mais cedo antes da briga e trocaram de lugar, o Cool e Gee, Officer Krupke. Cool (ou seja, eles precisam descarregar a tensão após a briga mortal) é depois da Rumble (Briga) e Gee, Officer Krupke, uma canção satírica sobre delinquência juvenil vem antes (isso também dá chance para o personagem de Riff tem outro numero, no palco quando ela é apresentada ele já morreu. O que ajuda também a participação do então astro Tamblyn).

West Side Story foi premiado com 10 Oscars: de Melhor Filme, Direção (única vez em que dois foram premiados, até o caso recente dos irmãos Coen em 2008 por Onde os Fracos Não Tem Vez), um especial para a Coreografia de Robbins, Atores Coadjuvantes (Rita e George), Fotografia, Figurinos, Direção de Arte, Montagem, Arranjos Musicais (Saul Chaplin, Johnny Green, Irwin Kostal). Só não ganhou a indicação para melhor roteiro para Lehman (para se desculpar a Academia lhe daria anos depois um Oscar especial pela carreira). Foi ainda premiado pelos críticos de Nova York, Sindicato dos diretores e roteiristas e Globo de Ouro de musical, coadjuvantes (Chakiris e Rita).

Para mim, West Side Story sempre teve uma importância muito grande e o coloquei sempre entre meus melhores filmes de todos os tempos (alias ainda esta na lista disputando a liderança com 2001 e Fellini Oito e Meio). Eu o assisti quando ainda era adolescente e por isso fui muito influenciado, foi a trilha sonora dos meus anos teen (junto com a Bossa nova e Sylvinha Telles).Tem problemas como o dueto entre Maria e Anita no quarto que fica operístico e Richard Beymer que é fraco como Tony (imagino o que teria acontecido se Wise tivesse conseguido sua opção inicial, Elvis Presley).

Mas ainda me toca muito. Acho que é o filme mais revi na vida. O que me irritava muito é que quando estreou no Brasil o público nacional que odiava musicais (por estranho que pareça quase todos eles tiveram canções cortadas) ou vaiava ou saia no meio.

Mesmo sendo sem dúvida um musical quase perfeito e que marcou toda uma geração, que nunca vai esquecer o primeiro encontro entre Tony e Maria. Quando os dois se vêem em lados opostos do salão, de repente para eles o mundo não mais existe. Só o amor (à primeira vista dos dois). Um momento mágico do amor no cinema.

O que me assusta agora: Steven Spielberg anunciou que irá fazer uma nova versão do filme! Deus nos livre e guarde! Em filmes perfeitos não se mexe...

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Sobre o Colunista:

Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho é jornalista formado pela Universidade Católica de Santos (UniSantos), além de ser o mais conhecido e um dos mais respeitados críticos de cinema brasileiro. Trabalhou nos maiores veículos comunicação do país, entre eles Rede Globo, SBT, Rede Record, TV Cultura, revista Veja e Folha de São Paulo, além de HBO, Telecine e TNT, onde comenta as entregas do Oscar (que comenta desde a década de 1980). Seus guias impressos anuais são tidos como a melhor referência em língua portuguesa sobre a sétima arte. Rubens já assistiu a mais de 30 mil filmes entre longas e curta-metragens e é sempre requisitado para falar dos indicados na época da premiação do Oscar. Ele conta ser um dos maiores fãs da atriz Debbie Reynolds, tendo uma coleção particular dos filmes em que ela participou. Fez participações em filmes brasileiros como ator e escreveu diversos roteiros para minisséries, incluindo as duas adaptações de “Éramos Seis” de Maria José Dupré. Ainda criança, começou a escrever em um caderno os filmes que via. Ali, colocava, além do título, nomes dos atores, diretor, diretor de fotografia, roteirista e outras informações. Rubens considera seu trabalho mais importante o “Dicionário de Cineastas”, editado pela primeira vez em 1977 e agora revisado e atualizado, continuando a ser o único de seu gênero no Brasil.

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