Crítica sobre o filme "Antes da Revolução":

Eron Duarte Fagundes
Antes da Revolução Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 05/01/2006
No final dos anos 70 as filas em torno dos cinemas brasileiros para ver O último tango em Paris (1972) eram um evento; alguém aí é da época, antes dos confinamentos em centros comerciais, em que os espectadores se perfilavam ao longo dos quarteirões das ruas à espera do filme? O público que se achegava do filme do italiano Bernardo Bertolucci talvez não estivesse muito interessado na estética do cineasta, mas em ver a “escandalosa†cena em que Marlon Brando (45 anos) sodomiza Maria Schneider (21 anos) valendo-se do auxílio duma manteiga: a frustração deste público, às saídas dos cinemas, era evidente. O cinema também vive destes equívocos folclóricos.

Antes da revolução (Prima della rivoluzione; 1964) é um rascunho do estilo cinematográfico precioso e preciosista que Bertolucci viria a depurar em seus anos de glória. Agora lançado em dvd, o filme só aportou aos cinemas comerciais brasileiros há uns sete anos; seu lançamento tardio foi uma experiência anacrônica para as platéias: pouca gente se interessou em vê-lo, despido que estava da aura provocativa de O último tango em Paris, e o observador de hoje, lado a lado com um fascínio que um Bertolucci sempre contém, dava com o envelhecimento das propostas temáticas e estilísticas de um filme cuja “maneira cinematográfica de ser†teve exemplares bem mais consistentes no cinema dos anos 60.

Antes de mais nada, esta segunda realização dirigida por Bertolucci é um produto do intelectualismo europeu de sua década: as formas cruas dos cenários, a tensão sisuda dos atores, as abundantes citações metafísicas e políticas são exacerbadas por Bertolucci, onde as influências de seus realizadores preferidos (Michelangelo Antonioni, Robert Bresson, Jean-Luc Godard) e de algumas leituras (Herman Melville, Marcel Proust) são repassadas. Godard merece uma referência forte e irônica quando é mostrado um cartaz de Uma mulher é uma mulher (1961) na fachada de um cinema e depois da sessão dois homens se põem a altercar sobre Godard, aludindo ao pai de todos os cineastas europeus de então, o italiano Roberto Rossellini, influência de Godard e de Bertolucci. Melville tem um trecho de seu romance Moby Dick (1851) lido desdramaticamente. Sem falar nas referências mais ou menos explícitas do roteiro ao romance A cartuxa de Parma (1839), de Stendhal, homenagem de Bertolucci à sua Parma natal.

As desvairadas tergiversações (políticas e estéticas) de Antes da revolução são na verdade artificiais e fastidiosas, pois Bertolucci, então longe de seus modelos (Antonioni, principalmente), permitia que a unidade dramática de tal esfera narrativa se desencaminhasse facilmente; todavia, apesar de um certo vazio (ou vácuo) temático, o que permite a sobrevivência de Antes da revolução é a notável capacidade de encenador cinematográfico que o cineasta já revelava aos 24 anos, articulando rebuscados e obscuros movimentos de câmara para casá-los com longos primeiros planos tudo enfeixado por insistentes planos-seqüência. (Eron Fagundes)