Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 12/01/2006
Apesar de contar com seis cineastas bastante diferentes nas propostas estéticas que encaminham, a realização italiana em episódios O amor na cidade (Amore in città ; 1953) abre em suas imagens uma preocupação comum aos que faziam cinema na Itália de então: aproximar o cinema da vida, afastá-lo das fantasias de estúdio do estilo majoritário de Hollywood; e esta aproximação, vê-se bem em O amor na cidade, é executada por um olhar documental sobre as coisas filmadas, ainda que os temas extraÃdos diretamente da realidade sejam recriados diante das câmaras ou certas narrativas enveredem claramente por uma ficção realista. Demais, outro elemento, este de natureza temática, orienta esta produção unindo os seis trabalhos que compõem a pelÃcula: trata-se dum debruçar-se, o mais veraz possÃvel, sobre os diversos modos em que se revestem as trajetórias sentimentais dos múltiplos indivÃduos urbanos da Itália.
O episódio de abertura, assinado por Carlo Lizzani, um diretor hoje pouco evocado, é L’amor che si paga e acompanha com extrema veracidade e frescor a vida das prostitutas italianas daqueles tempos; é um documentário puro que se estrutura como uma bem-feita ficção que propõe reflexionar sobre o que vê. As fortes marcações do neo-realismo italiano acentuam o andar narrativo do filme de Lizzani.
Em Tentado suicÃdio Michelangelo Antonioni, sem fugir à observação documental (ele entrevista pessoas que tentaram o suicÃdio elaborando narrativamente suas histórias nascidas dos depoimentos), acrescenta sua vertente existencial e seu rigor estético e metodológico que ao longo dos anos o transformaram num dos gênios do cinema. Uma curiosidade: numa cena, aparece no frontispÃcio duma sala de cinema o tÃtulo do filme La signora senza Camelie, vendo-se a inscrição do nome da atriz Lucia Bosé, evidenciando a referência a uma obra de Antonioni que circulou pelos cinemas na mesma época de O amor na cidade.
Dino Risi, um veterano eficiente, vê crua e documentalmente os eventos de um baile em Paradiso per quatre ore; seu filme, hoje, tem o formato duma crônica de costumes, evocando o jeito da aproximação sentimental nos salões de dança da década de 50. Francesco Maselli (como Lizzani, hoje desconhecido do público) demonstra sensibilidade em filmar o drama duma jovem mãe que a certa altura abandona seu bebê porque não tem como alimentá-lo: o filme-denúncia social à italiana tem aqui um exemplar caracterÃstico.
Federico Fellini dá sua irônica e lÃrica contribuição em Agencia matrimoniale, fugindo um pouco para uma ficção mais solta e poética, divergindo muito (ou aparentemente) dos dois primeiros episódios. Alberto Lattuada, cuja importância na comédia italiana se equipara à de Dino Risi, faz justiça a sua capacidade de erotizar imagens em Gli italiani se voltano: segue pelas ruas mulheres bonitas, peitudas, bundudas, sensuais, vendo como os italianos de todas as idades se voltam lubricamente para olhá-los e eventualmente segui-las.
Em suma, O amor na cidade é um dos melhores filmes em episódios produzidos na Itália, tão pródiga em filmes do gênero dos anos 40 aos anos 60. (Eron Fagundes)