Rever a realização em dvd é dar com seu esplendor estético (um certo ritmo plástico) e seu universo de estranhezas, mas é, igualmente, descobrir algumas fragilidades que a estima excessiva impede o olho de ver: o começo da fita é um tanto quanto amarrado, a evocação do passado das duas mulheres penetra meio foscamente na história. Mas é um senão que não deslustra o filme: a opulenta organização do jantar de Babette, uma empregada francesa acolhida pelas duas senhoras dinamarquesas e que usa um dinheiro de loteria para proporcionar o prazer gastronômico aos convidados; o ato de comer, na visão estabelecida por Axel, adquire uma entonação mística, uma altura religiosa, é a reverência dos franceses para com a boa mesa que o diretor (com seu distanciamento nórdico) celebra; a figura refinada do general se contrapõe aos rudes comportamentos dos serviçais da casa, um beberrão e um apressado garçom; o que ressalta mesmo em A festa de Babette é a inesperada revelação de que a simplicidade aparente da protagonista esconde um refinamento e uma cultura surpreendentes: isto acontece muitas vezes na vida, ao nossos redor.
A festa de Babette, com seus estudados movimentos e seu respeito pela culinária francesa, é o oposto da avacalhação armada pela irreverência de A comilança (1973), do italiano Marco Ferreri. Recentemente, o filme Chocolate (2000), do sueco Lasse Hallström, seguiu um pouco as lições do clássico de Axel; e outra francesa, Juliette Binoche, se esforçava por adquirir os mistérios interpretativos de Stéphane Audran em A festa de Babette. (Eron Fagundes)