Entre suas narrativas mais caracterÃsticas e fundamentais, está O cozinheiro, o ladrão, sua mulher e o amante (The cook, the thief, his wife and her lover; 1989). A grandiloqüência barroca de Greenaway é exercida em grau máximo neste filme: opulência de cores em que se alternam as aberrações vermelhas duma cozinha de restaurante com o branco fantasmagórico das dependências sanitárias onde os amantes se encontram; o exagerado das dimensões cênicas da cozinha; largos movimentos laterais de câmara devassando a excêntrica ambientação; partituras medievais que simulam a estética visual de um travelling; utilização da pintura holandesa clássica como mote para a confecção do filme. Greenaway põe em cena um exacerbado dono de restaurante que não hesita em valer-se da escatologia culinária para provocar arrepios nos circunstantes e nos espectadores; e o cineasta usa de todo o seu estudado estilo para dar brilho a este universo de autêntico calão visual.
O banquete nauseante do final em que a mulher, apontando-lhe uma arma, obriga o marido a comer as partes do amante dela (assassinado à s expensas do traÃdo) cozinhado é um verdadeiro furo nas vÃsceras do observador, denotando a influência do cinema do italiano Pier Paolo Pasolini, especialmente Salò, ou os 120 dias de Sodoma (1975). A cozinha exagerada e desarrumada do filme de Greenaway contrasta com aquela cozinha elegantemente misteriosa de A festa de Babette(1987), de Gabriel Axel: ao cerebralismo dinamarquês se substitui o pantagruelismo canibal britânico.
Depois, Greenaway tentaria repetir o feito escatológico em O bebê santo de Macon (1993), mas os resultados foram muito inferiores a O cozinheiro. Greenaway atingiria o pico de sua arte com a multiplicidade tecnológica de O livro de cabeceira (1995). (Eron Fagundes)