Crítica sobre o filme "Guia do Mochileiro das Galáxias":

Rubens Ewald Filho
Guia do Mochileiro das Galáxias Por Rubens Ewald Filho
| Data: 04/02/2006

Fazia tempo que não me divertia e tinha tanto prazer em ver um filme quanto nesta comédia inglesa, que é das mais originais, inteligentes e inesperadas dos últimos tempos. Certamente não é para todo mundo. É preciso gostar de ficção-cientÃfica, apreciar o humor inglês, estar disposto a curtir monstrinhos (manipulados pela turma de Jim Henson), robôs e figuras exóticas. Estar aberto para rir das grandes questões da vida e do universo. E não ter medo de fugir do esquemão do gênero.

Na verdade, a questão mais discutível do filme é a idéia da distribuidora em dublar em português a voz do narrador (Stephen Fry) substituindo-o por José Wilker com a desculpa oficial de que “ainda que as cópias sejam legendadas, a voz do Guia será dublada para evitar um excesso de informação na tela. Isso porque toda vez que o Guia explica algo surgem muitos efeitos gráficos, o que acabaria conflitando com a legenda da narração.†Ou seja, nada a ver. A narração não conflitaria com nada, ao contrário, dá um efeito esquisito de distanciamento. Não por causa do ator (ele tem que correr um pouco na primeira parte, mas o resto faz com a competência de sempre) mas por uma questão técnica, há uma diferença clara na qualidade do áudio dublado e do original, ficando com som de lata velha.

Atrapalhando a sensação provocada pelo filme (um detalhe: esperem pelos letreiros porque ao final tem um adendo onde o guia explica mais uma coisa). Não conheço nem o livro original, nem a série de TV inglesa que foi extraída dele, escritas por Douglas Adams que também colaborou no roteiro. Mas entendo perfeitamente porque se tornou cult (parece que esta é a nona versão da história que já foi videogame, show de radio, show de teatro, quadrinhos, etc.). Embora eu desconfie que seja inteligente demais para um publico preguiçoso que se desacostumou em pensar e só gosta de consumir o que já vem consagrado de fora e super promovido pelos americanos (ainda que seja blefe).Mas é louvável que tenham feito o filme com um comediante britânico praticamente desconhecido (Martin Freeman de Simplesmente Amor e Ali G Indahouse). O projeto já existia desde 1982 quando foi comprado por Ivan Reitman pensando em Dan Aykroyd e Bill Murray. Antes do autor Adams morrer, quase fechou com o diretor Jay Roach (o nome dele está nos letreiros) para ser feito com Jim Carrey, Hugh Laurie e Nigel Hawthorne. Hugh Grant era a escolha do autor Adams. Depois Spike Jonze recusou o projeto mas indicou a dupla de videomakers, especialistas em music vídeos, Garth Jennings e Nick Goldsmith. E Garth acabou fazendo o filme, que teve sucesso relativo nos EUA (custou 50 milhões e rendeu até agora 42).

Mais ou menos como os filmes e shows do falecido grupo Monty Python, O Guia é repleto de citações e detalhes que não vamos entender mesmo. Mas isso é para o fã. Os simples mortais irão se identificar com o herói Arthur Dent, que acorda certo dia para descobrir que vão demolir a sua casa para construírem uma via expressa. É salvo por um conhecido Ford Prefect (o rapper Mos Def que tem se revelado ótimo ator) que lhe conta ser um ET e que vão tentar pegar uma carona numa nave espacial que justamente naquele momento esta para destruir todo o planeta Terra (novamente para construírem uma outra via expressa espacial!). Só que a nave pertence aos burocratas e monstruosos inimigos e dali em diante eles tem que fugir, numa sucessão de encontros esquisitos com figuras ainda mais estranhas.

Tem o presidente da Galáxia (Sam Rockwell, que tem duas cabeças e parece fazer uma imitação de Tom Cruise, prestem a atenção nisso). Tem o líder religioso (John Malkovich [uma sátira a religião organizada com grandes sacadas]). Tem a garota da Terra que o herói não consegue esquecer (Zooey Deschanel). E muitos outros achados que não vou mencionar, mas que são brilhantes e impagáveis.

Ou ao menos fazem pensar (o que é mais interessante é o super computador que foi construído para encontrar as respostas às grandes questões do universo. Ou ao menos às grandes perguntas!). Sempre com O Guia servindo de condutor da história (com algumas animações também engraçadas). O filme começa de forma fulgurante e perde um pouco de fôlego quando tem que contar uma história e apresentar personagens. Mas isso sucede com quase todos os filmes, então não é novidade. Só posso passar para vocês que eu gostei muito do filme e pretendo assisti-lo de novo até para curtir mais alguns diálogos e frases que acho que irão virar clássicas (como a abertura com os golfinhos cantores). Neste pouco espaço, mal tocamos em todas suas qualidades. Confira. (Rubens Ewald Filho na coluna Clássicos de 13 de junho de 2005)