Crítica sobre o filme "Matei Jesse James":

Eron Duarte Fagundes
Matei Jesse James Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 04/10/2005
A polêmica cinematográfica em torno da obra do cineasta Samuel Fuller não é propriamente desfeita com a visão de seus filmes. Acusado por alguns de fascista e racista (e epítetos assim percorrem as biografias de diretores de vulto de Hollwyood, como John Ford e Howard Hawks), Fuller tem um manancial de construção psicológica das personagens bastante mais elaborado que todos os diretores de faroeste (Ford inclusive) e uma capacidade de articular uma história em imagens onde o uso de cada elemento cênico é tão milimetrado quando simples em suas estruturas visuais. Seu trabalho de estréia, Matei Jesse James (I shot Jesse James; 1949), agora disponível em dvd, não vai abolir as discussões sobre seu jeito de filmar a ética e a violências americanas: o fascínio fascista dos faroestes se concentra na narrativa que acompanha a trajetória do homem dúbio que um dia matou pelas costas seu amigo e bem-feitor, o fora-da-lei Jesse James; mas Fuller é um mestre do cinema e sabe investigar, com senso fílmico, o interior de sua criatura.

Sobre Fuller escreveu o crítico e cineasta francês François Truffaut: “Samuel Fuller não é um primário, é um primitivo; seu espírito não é redumentar, é rude; seus filmes não são simplistas, são simples.†Aparecendo como ele mesmo no antológico Pierrot le fou (1965), do francês Jean-Luc Godard, e vivendo um diretor de fotografia excêntrico em O estado das coisas (1982), do alemão Wim Wenders, Fuller é um raro realista do faroeste; apesar de partir de um ser mítico, a personagem-título do filme, o cineasta dá até tons documentais às suas encenações.

Certas imagens de Matei Jesse James se colam indelevelmente na retina do espectador. Os primeiros planos das costas de Jesse, no banho, observadas por Bob Ford, são insistentes e, divagando em seu desejo de matar o amigo e protetor para obter a liberdade e casar-se com sua amada Cinthy, prenuncia o crime que acontecerá logo no início do filme. Haverá nestas imagens também o prenúncio do que fica na sombra na cena final, Bob agonizante revelando à sua amada o sentimento ambíguo para com Jesse: sugestão de homossexualismo na relação entre Jesse e Bob, as costas, o banho, a dedicação de Bob a Jesse quase como um cão? A precisão do corte e da montagem, a lucidez dos diálogos, a transcendência do duelo final, a presença marcante e não-conformista da figura da mulher na trama fazem deste faroeste algo meio à margem do cinema americano da época: para quem souber ver o filme, o ritmo lento diverge das narrativas de ação a que Matei Jesse James deveria filiar-se como faroeste.

Em suma, polêmico e contraditório, Fuller tem a linguagem cinematográfica em seu sangue. E esta é a suma para qualquer cinéfilo. (Eron Fagundes)