Crítica sobre o filme "Documento Holcroft, O":

Eron Duarte Fagundes
Documento Holcroft, O Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 22/09/2005
Na década de 60 o realizador norte-americano John Frankenheimer firmou seu prestígio, rodando alguns títulos bafejados pela estima dos críticos, como Sob o domínio do mal (1962), Sete dias de maio (1964) e O segundo rosto (1966). A partir dos anos 70 seu cinema passou a atravessar uma fase obscura, levando muitos analistas, no decênio de 80, a afirmar que um autor cinematográfico de outrora se convertera num trivial artesão de Hollywood: era impossível separar suas produções daquilo que o cinema ianque de rotina despejava nas telas de todo o mundo.

Parece que o oásis neste período difícil foi mesmo O documento Holcroft (Holcroft convenant; 1985). Não se trata de nenhum filme excepcional. Mas Frankenheimer coloca seus bons ofícios de cineasta num caminho saudável de crítica a um estado de coisas. A elegância de filmar do diretor está em boa forma: sua montagem ágil e precisa para marcar o ritmo do suspense narrativo, assim como sua hábil utilização de elipses, contrapontos e alternâncias psicológicas das personagens aparecem brilhantemente em O documento Holcroft.

Sabe-se que o século XX foi marcado, entre outras coisas, pelo fenômeno social do nazismo alemão. Na verdade, depois do nazismo a humanidade nunca mais foi a mesma; e o cinema não deixa de, de quando em quando, observar as ressurreições deste regime de terror: o greco-francês Constantin Costa-Gavras se refere a uma inesperada herança nazista nos Estados Unidos em Muito mais que um crime (1990) e o brasileiro Carlos Reichenbach observa suas aparições esdrúxulas em São Paulo em Garotas do ABC (2004). Frankenheimer, como Costa-Gavras, revela seu saldo genético nos Estados Unidos da década de 80: um homem de classe média de Nova Iorque recebe a visita de alguém que está com uma carta escrita pelo pai do visitado, um general nazista, quarenta anos antes, e é convidado para assinar um pacto estabelecido, à época da redação da missiva, por três generais suicidas, um deles o autor das linhas que o filho agora está lendo. A cena do pacto na guerra é descrita, em preto-e-branco, ao longo da apresentação dos créditos iniciais. Convocado a sair de seu mundinho alienado e burguês, nosso homem de Nova Iorque vai entrar numa aventura internacional em que as forças nazistas atuais e sobreviventes o manipulam.

Como disse, o filme tem muitas elipses. Uma delas é a da morte (assassinada) da mãe do protagonista. Outra é o plano final. Victoria Tennant, interpretando uma herdeira mental do nazismo, aponta uma arma para as costas de Michael Caine, o inocente útil americano: a câmara executa uma tensa aproximação do dorso de Caine até enquadrá-lo em primeiro plano; quando o movimento cessa, ouvimos um estampido, Caine volta-se, observamos seus olhos chorosos (sua personagem se apaixonara pela nazistinha, e o contrário é igualmente verdadeiro), a imagem não vai mostrar o suicídio da mulher (herança de um pacto de quarenta anos?), é pela elipse que a tortura moral do filme se revela mais fortemente.

O elenco é um dos trunfos da realização. Caine é um ator soberbo, cada gesto ou expressão seus são achados. A veterana Lilli Palmer como sua mãe é uma aparição notável. E Tennant (por onde andará?) coadjuva com eficiência e às vezes brilho.

Talvez O documento Holcroft mereça mesmo uma recuperação histórica, pois em seu tempo foi despejado na avalancha de lixo em que se costumava ver o cinema de Frankenheimer. (Eron Fagundes)