Crítica sobre o filme "À Francesa":

Eron Duarte Fagundes
À Francesa Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 08/08/2004

Segundo suas próprias palavras, o cineasta norte-americano James Ivory se interessa basicamente nos conflitos gerados pelas diferenças de temperamento entre civilizações. Ele próprio como artista é um elemento de confluência de duas culturas, a americana e a européia; nascido na objetividade ianque, Ivory deixa-se fascinar constantemente pelo nobre e refinado universo do Velho Mundo, fato que se materializa em sua própria e rigorosa maneira de filmar. Um dos trabalhos-chave de Ivory trata justamente disto: Os europeus (1979), extraído da ficção de Henry James, um escritor que igualmente balançava entre dois Continentes, segue estas questões de uma dialética intercontinental.

Em À francesa (Le divorce; 2003), narrativa cinematográfica cujo roteiro vem de um livro de Diane Johnson que seria uma releitura de um clássico de Henry James, Ivory colocou diante das câmaras todo o poder de seu refinado estilo. Duas irmãs americanas estão no centro da trama; no início do filme, uma delas está grávida e seu marido a abandona por uma russa no mesmo momento em que sua mana chega a Paris visando a ajudá-la nos difíceis dias de gestação e agora de separação. O caso da irmã solteira com o tio do marido que está deixando a grávida alimenta uma certa irreverência erótica e moral a que os pudores antigos de Ivory não tinham habituado o espectador; mas nada retira da película a extraordinária capacidade reflexiva e emotiva, transformando a realização numa visão sobre o comportamento amoroso de duas americanas em Paris, ou seja, como o ambiente francês adultera sutilmente a perspectiva sentimental de duas estrangeiras.

Menos poderoso que o deslumbrante rigor duma obra-prima como Uma janela para o amor (1986), o primeiro filme verdadeiramente amado de Ivory, À francesa é todavia um belo espetáculo, algo que foge à rotina da programação. A Ivory poderia aplicar-se a auto-ironia da personagem de Woody Allen em Dirigindo no escuro (2002): seus filmes encontram melhor ressonância no espírito europeu do que americano; se Allen ruma para Paris no fim de sua história, Ivory filma toda a sua narrativa na cidade-luz. (Eron Fagundes)