| Data: 04/06/2006

Poucos cineastas filmam com tanto som e fúria as loucuras do mundo quanto o alemão Werner Herzog. Cobra verde (1987) dá bem a medida deste som e desta fúria cinematográficos de Herzog. Rigoroso, pessoal, inventivo em suas formas de encenação, Herzog tem novamente no desempenho cheio de desequilíbrio de seu eterno ator (alter ego) Klaus KInski um componente de imagem perfeito para delimitar a abrangência do som e da fúria com que abarca o mundo.

As primeiras cenas de Cobra verde foram rodadas no Nordeste brasileiro, no cenário da caatinga onde Herzog presta homenagem ao cinema brasileiro, especialmente àquele praticado por Glauber Rocha. Nestas cenas é que aparece o ator brasileiro José Lewgoy como um fazendeiro local; Lewgoy já atuara sob Herzog em Fitzcarraldo (1981), o segundo filme que o cineasta ambientara na Amazônia. Kinski vive, meio irrealmente, um sertanejo brasileiro dado ao crime; o pretenso Lampião de Herzog é meio falso e serve mais a suas alegorias germânicas, imaginativas, exuberantes –Herzog não é um realista.

A maior parte do filme se passa na �frica, para onde ruma o sertanejo criminoso. Na �frica Herzog ambientou seu mais belo trabalho, Fata Morgana (1971). O bandido é seqüestrado pelas tribos locais e chega a estar prestes a ter a cabeça decepada pelos negros, antes que uma rebelião de oposição o salve e coloque no poder; aí Herzog presta outra homenagem ao cinema brasileiro, Nelson Pereira dos Santos e seu Como era gostoso o meu francês (1970).

Ao fim do filmes, após muitas idas e vindas (e após ouvir um coro de meninas negras entoarem à maneira típica da raça), Cobra Verde decide voltar para o Brasil. Busca uma canoa na beira do mar: o irrealismo, voltar para o Brasil numa canoa. A câmara mostra os esforços da personagem para desatracar a canoa, nos fundos do plano vem-se aproximando um ser monstruoso (é homem, tem pernas tão finas que deve apoiar-se no chão com as mãos, assim parece quando anda um animal de quatro patas), Cobra Verde não logra soltar a embarcação, cai para o mar, há um corte para o monstrinho que vê perplexo a cena, a câmara volta a mostrar as ondas revoltas do mar, ter-se-ia Cobra Verde afogado como tantos outros derrotados de Herzog? (Eron Fagundes)