Crítica sobre o filme "Terra Estrangeira":

Eron Duarte Fagundes
Terra Estrangeira Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 25/07/2006
O cineasta brasileiro Walter Salles tenta, em Terra estrangeira (1994), captar o sentimento de isolamento do indivíduo nacional após o golpe branco que foi o governo Collor. Para entender a rara felicidade com que Salles transforma em imagens esta emoção, é bom recorrer a uma análise da extraordinária interpretação da atriz central Fernanda Torres, a forma como ela passa suas próprias experiências (sem serviço no cinema brasileiro, foi filmar no estrangeiro, inclusive em Portugal) para a tela, atingindo um alto grau de veracidade que se pega inapelavelmente ao celulóide. Para melhor entender o método itinerante de Salles, é bom observar como ele absorve sua principal influência cinematográfica, o diretor suíço Alain Tanner: como Tanner, Salles faz filmes que retratam o interior das personagens, porém se esforça por enquadrar estas criaturas num determinado processo sócio-político; como Tanner, Salles insere documentalmente em suas imagens cenas radiofônicas ou televisivas que lembram determinado momento histórico (aqui, o que vemos são as versões televisivas dos discursos do presidente Collor e da ministra Zélia Cardoso de Melo quando o novo governo assumiu o poder e seqüestrou o dinheiro e o sonho de muita gente, inclusive o da mãe do protagonista, que morreu ao ver seu sonho de rever sua cidade espanhola natal desaparecer com o bloqueio financeiro de Zélia e Collor).

Terra estrangeira, rodado em preto-e-branco e em 16 mm (depois ampliado para 35 mm), tem uma liberdade formal muito grande e uma beleza plástica advinda de bonitos enquadramentos, de sinuosos movimentos de câmara e de luzes. Navegando por etnias diversas como angolanos, portugueses, o filme de Salles é uma amostra de exílio de estilo para captar o sentimento nacional dos anos 90. A despeito de alguns problemas de realização (a inexperiência do ator central, Fernando Alves Pinto, em desarmonia com sua extraordinária parceira; uma certa pasteurização do estilo narrativo reflexivo), Terra estrangeira traz ao grande público discussões estéticas meio raras entre nós. (Eron Fagundes)